Vulnerabilidade e fraqueza: pensamento e prática do ministério moderno
Valores segundo o Cristo crucificado versus valores culturais
Chris Sadowitz
Resumo
Ao procurar abordar modelos de ministério e estruturas de valores subjacentes na igreja de Corinto, Paulo lembra as pessoas em todos os tempos e contextos do papel hegemônico que as culturas mundiais desempenham — mesmo quando ele usa paradigmaticamente as culturas judaica e grega como contrastes para a aparente fraqueza e tolice do evangelho de Deus. Enquanto as culturas mudam, os valores subjacentes da humanidade em rebelião contra Deus continuam. Portanto, enquanto Paulo praticava uma forma de inculturação por “ser tudo para todos os homens”, havia uma ressalva em sua aculturação que foi definida pelo “Cristo crucificado”. Infelizmente, o ministério cristão é muitas vezes impulsionado pelos valores culturais dos seres humanos. Esses valores devem ser avaliados pelo padrão do evangelho estabelecido por Jesus e pela cruz sobre a qual ele se pendurou.
Palavras-chave: Cristoformidade, cruciforme, Theologia Crucis, vulnerabilidade, fraqueza
Introdução
Os métodos populares de ministério e missão são muitas vezes ponderados pragmaticamente, mas o que é mais difícil de avaliar são os valores subjacentes sobre os quais as metodologias no ministério são construídas. Tais valores, pelo menos nas culturas ocidentais contemporâneas, incluem força sobre fraqueza, riqueza sobre pobreza e resultados visíveis sobre resultados menos visíveis. Em vez dessas polaridades culturalmente variadas, no entanto, o apóstolo Paulo insiste que os valores e metodologias do ministério evangélico espelham a vulnerabilidade, algo que inicialmente não é natural para o pensamento e a prática do ministério atual. Como observou um estudioso paulino: “Deus inundaria a vida e o ministério de Paulo com o poder da ressurreição quanto mais ele vivesse e ministrasse da fraqueza e abraçasse a vergonha social que inevitavelmente surgia em seu caminho”; a fraqueza de um Cristo crucificado “determinava o modo do ministério de Paulo”; e foi “a maneira contraintuitiva de Deus que triunfou em Cristo” (Gombis 2021, 61-62).
Para realizar tanto a valorização da fraqueza quanto a avaliação da intrusão dos valores culturais nos modelos de ministério, o ensino de Paulo e o estilo de vida enquanto em Corinto, em primeiro, substanciam o princípio de que o amor expresso no crucificado (o exemplo dos valores de fraqueza e loucura de Deus) incorpora valores divinos que devem fundamentar o pensamento e a prática do ministério/missão saudável, fruto de uma Theologia Crucis. Em segundo, o argumento de Paulo contra a igreja de Corinto foi que eles não analisaram criticamente sua cultura e deixaram que ela poluísse o pensamento e a ação em sua igreja. Paulo sugere que uma ponderação do pensamento e da ação cultural seja realizada por meio de uma lente cruciforme e que tais valores e modelos culturais sejam crucificados com Cristo. Em terceiro lugar, as admoestações de Paulo sugerem um caminho adiante que envolve o desenvolvimento de valores em forma de Cristo nas pessoas, que então se tornam uma ferramenta padrão ou de avaliação para o pensamento e a prática do ministério/missão para o remetente, o enviado e o destinatário. O objetivo de toda missão e ministério vulnerável é cultivar uma cultura de cristoformidade em nossos contextos de ministério/missão.
O que é vulnerabilidade?
Um fato relevante constatado a parir da pandemia de COVID-19 é que a humanidade é frágil. Para compreender verdadeiramente o que significa ser humano, devemos recuperar uma compreensão da vulnerabilidade em todos os aspectos da vida, especialmente no que se refere ao pensamento e metodologia do discipulado mundial. Ser vulnerável é “ser exposto à possibilidade de ser atacado ou ferido, física ou emocionalmente” (Oxford Languages 2022). A Bíblia expressa a vulnerabilidade de forma mais positiva ao situar adequadamente a humanidade em relação a Deus: ele é o Criador ex nihilo e nós somos criaturas criadas; nós precisamos dele, e ele não precisa de nós; ele é incriado e independente de nós, e nós somos criados dependentes dele. Aprender a apreciar nossa vulnerabilidade é uma afirmação não apenas de nossa humanidade criada com propósito, mas, mais importante, uma afirmação da divindade única de Deus.
“Pois Ele mesmo conhece nossa forma; Ele está ciente de que não somos nada além de pó” (Salmo 103.14). Missão/ministério vulnerável situado na ordem criada demonstra quatro pilares da relação humanidade/divindade: unidade, existência, dependência e sustento. A vulnerabilidade, e seu relacionamento com a humanidade como dependente de Deus, também foi expressa positivamente por nosso Salvador – desde sua tentação no deserto (Mateus 4.4) até seu julgamento no Jardim do Getsêmani (Mateus 26.39).
Compreender a vulnerabilidade de acordo com os pilares mencionados anteriormente ajuda-nos no engajamento no ministério dependendo mais de Deus e menos de algum outro valor ou método culturalmente orientado. No Japão, por exemplo, experimentei a vulnerabilidade de pelo menos duas maneiras diferentes. Primeiro, a maioria dos missionários no Japão é de fato vulnerável no ministério simplesmente porque o evangelho tem muitas barreiras a serem superadas, incluindo história, idioma e o medo da religião pelas pessoas. O segundo tipo de ministério vulnerável é tomar o manto de um aprendiz e encarnar na nova cultura. Por mais perturbador, desconhecido e fraco que possa parecer, abundava a oportunidade de desenvolver dependência de Deus.
A falha em entender a importância da vulnerabilidade como um caminho para maior dependência de Deus pode levar tanto à rejeição dos valores e necessidades do ouvinte quanto à tentativa de ministrar a partir de uma posição cultural familiar de força, seja a própria língua ou outros recursos. Nesse caso, em vez de assumir o papel subserviente de um aluno, alguém pode voltar ao papel padrão de professor, apesar de ser lamentavelmente ignorante da cultura hospedeira em que agora reside.
Aqueles que ministram são, às vezes, inconscientes do que pensam sobre o ministério, e se engajam nele com valores adotados inadvertidamente em sua cultura. No caso da minha cultura doméstica, eram valores como independência, autoconfiança, segurança, riqueza, liberdades ilimitadas e sucesso. No Japão, por sua vez, tais valores minaram minha compreensão de “ministério vulnerável” e o coloriram negativamente, um processo ao qual temo que os cristãos não estejam prontamente imunes. Uma teologia de ministério moldada pela cultura, então, tende a ver a vulnerabilidade em decorrência da Queda em vez de estar situada na ordem criada.
Vulnerabilidade no ministério evangélico de Paulo: a igreja em Corinto
Paulo verbaliza a vulnerabilidade no ministério como fraqueza “positiva”, demonstrando como Deus a favorece e a adorna na forma da cruz. Paulo não apenas adotou um modelo de ministério de fraqueza, mas também se via genuinamente como fraco (1 Coríntios 4.9-13; 2 Coríntios 4.7-12). Como disse um estudante da Bíblia autoconsciente: “Exceto pela Santíssima Trindade, todo personagem da Bíblia é um fracasso – um perdedor…. no entanto, a escolha de Deus é perfeita [e] aqueles que ele escolheu para fazer a obra do reino são os perfeitos para fazê-la. E, ainda, eles são sempre indivíduos falhos, perdedores” (Hochhalter 2014, 31).
Consequentemente, em suas cartas aos coríntios, Paulo descreve e demonstra seu ministério como na forma de cruz entre os coríntios e como o ministério precisa continuar a ser realizado por meio de fraqueza na forma de cruz, tanto em atitude quanto em metodologia. Como Carson observou corretamente: “Se virmos a cruz apenas como o meio de nossa salvação…, falharemos em ver como a cruz permanece como o teste e o padrão de todo ministério cristão vital”, e que “a cruz não apenas estabelece o que devemos pregar, mas como devemos pregar” (Carson 1993, 9). Paulo, sem dúvida, tinha tanto uma teologia quanto uma aplicação do ministério em mente para os coríntios quando escreveu: “Pois decidi nada saber entre vós senão Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Coríntios 2.2). Como um estudioso do Novo Testamento afirmou: “Nessa frase de 1 Coríntios temos uma indicação não apenas da cristologia paulina, mas também da teologia paulina propriamente dita, pneumatologia, ministério, eclesiologia, espiritualidade, epistemologia e moralidade – no mínimo” (Gorman 2013, 64).
Paulo começa sua primeira carta a Corinto explicando a escolha de Deus de uma metáfora paradoxal e irônica de fraqueza para o evangelho e o ministério missionário, estabelecendo duas culturas como contrastes. Os gregos valorizavam a sabedoria (adquirida pela experiência e pensamento humanos), enquanto os judeus valorizavam sinais ou demonstrações poderosas de endosso divino. Em vez disso, a mensagem de sabedoria de Deus atravessa os caminhos que parecem corretos para um homem dentro de sua cultura (1 Coríntios 1.21) e lhes oferece Cristo, que é tanto o poder quanto a sabedoria de Deus. Paulo reconhece a cruz como o que faz a sabedoria de Deus e o evangelho de Paulo pregarem uma história tola para os gentios e uma pedra de tropeço para os judeus (1 Coríntios 1.23).
Valores culturais em desacordo com os valores do ministério de Paulo: antes e agora
Os judeus exigiam um sinal. Em certo sentido, sua expectativa era razoável. Toda a sua história, desde o chamado de Abraão, foi de manifestações visíveis de Deus meticulosamente repetidas e registradas. No entanto, exigir um sinal de prova antes de eles crerem é um clamor longe de ter sua fé testada e fortalecida por Deus – quem pode ou não fornecer uma experiência visível. Como Carson comentou: “Enquanto as pessoas o avaliarem (Cristo), elas estarão em uma posição superior. Essa demanda por sinais torna-se um protótipo de todas as condições que os seres humanos levantam como uma barreira contra serem abertos a Deus” (Carson 1993, 21). Essa mesma tendência prevalece hoje tanto em culturas quanto em denominações religiosas. Uma maneira de ver isso no campo missionário é medir os números ou o tamanho da multidão em eventos e ver números maiores como prova da bênção (presença) de Deus. Em lugares como o Japão, onde a porcentagem de cristãos não mudou muito em quase 500 anos, o solitário sofrimento de Jesus no jardim e o abandono em seu julgamento são mais representativos da presença de Cristo do que grandes catedrais.
Os gentios, especialmente os gregos, valorizavam a sabedoria que Carson definiu como diferente da “sabedoria proverbial” ou “intuição pessoal e esperteza de rua”. Os gregos “criaram estruturas inteiras de pensamento para manter a ilusão de que podem explicar tudo”. Fossem sofistas ou platônicos, estoicos ou epicureus, todos se gabavam de uma visão de mundo bem articulada, incluindo escolhas e prioridades que eles alegavam fazer sentido ao mundo (Carson 1993, 21).
Compreender algo era ser capaz de controlá-lo. Essa noção foi, e ainda é, um poderoso modelo cultural. Vimos as ações, respostas e pensamentos de muitas das atuais culturas dominantes econômica, política e militarmente durante a pandemia em 2020 que promoveram efetivamente a ciência e a tecnologia como salvadoras da humanidade, à parte da necessidade de assistência divina. Outros também notaram as mentiras perpetuadas pelas culturas dominantes: “O poder mesopotâmico e a sabedoria egípcia eram força e inteligência divorciadas de Deus, colocadas para fins errados e produzindo todos os resultados errados” (Peterson 1980, 27).
O problema dos valores culturais da humanidade quando se trata de poder e sabedoria é que esses valores deixam pouco espaço para o oposto. Daí, as perguntas retóricas de Paulo em 1 Coríntios 1.20 (“Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o debatedor deste século? Não tornou Deus louca a sabedoria do mundo?”) indicam que a sabedoria dos sistemas mundiais não inclui a cruz. Quando se trata de metodologia missionária, os missionários muito frequentemente procuram pelo que funciona, algo mensurável, algo que podemos controlar e entender. Não é assim para Paulo, pois ele viu a fidelidade da vida e do ministério medida por quão próximo ela se assemelha com Jesus morrendo na cruz: “Paulo ministrou a partir de uma postura de vulnerabilidade… se isso resultou em vergonha social, ele abraçou… Se ele tentasse ministrar a partir de alguma outra postura ou abordagem, ele não estaria se baseando no poder da ressurreição de Deus” (Gombis 2021, 61). Talvez uma boa prática atual para avaliação do método ministerial seja usar a pergunta de Paulo ou perguntas semelhantes antes de tomar emprestado outro método ministerial “bem-sucedido” de outro contexto cultural.
Valores divinos necessários: Theologia Crucis
A cruz romana era uma ferramenta e um símbolo de sofrimento, fraqueza e morte. Na Theologica Crucis, somos lembrados de que somos chamados a imitar Cristo. A imitação de Cristo ocorre não apenas em momentos de poder e desfiles vitoriosos, mas – principalmente – em sofrimento, vulnerabilidade e fraqueza. Por quê? “Pois quando estou fraco, então sou forte” (2 Coríntios 12.9). A Theologia Crucis nos informa sobre o plano de Deus de usar a fraqueza para alcançar seus objetivos. Isso foi claramente demonstrado pela vida de Cristo. Como diz a epístola aos Hebreus, “convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e por meio de quem são todas as coisas, trazendo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse pelo sofrimento o originador da salvação deles” (Hebreus 2.10; grifo meu). Portanto, Paulo anseia por compartilhar os sofrimentos de Cristo (Filipenses 3.10). “Para Paulo… ser fraco implica a entrada em um tipo novo e particular de fraqueza, ou seja, a fraqueza do Messias crucificado, uma fraqueza que em 2Co 8.9 o Messias voluntária ou livremente determinou entrar em favor de outros” (Heavins 2019, 258).
“Crucis no inglês britânico é um genitivo latino do substantivo da palavra Crux” do qual emergem quatro significados: “um estágio vital ou decisivo, uma dificuldade ou problema, uma parte decisiva e cruz” (Collins English Dictionary 2021). Todos esses quatro significados devem ser vistos como parte da Theologia Crucis. A cruz de Cristo é o ponto crucial vital para o plano de Deus e significa seu senhorio ao longo do tempo, o que “significa, portanto, que na ação de Cristo toda a linha [eternidade] é influenciada de maneira decisiva e que no evento central de Cristo, o encarnado, evento esse que constitui o ponto médio dessa linha, não apenas é cumprido tudo o que vem antes, mas também todo o futuro que está decidido” (Cullmann 1962, 72). O caráter central da cruz de Cristo, assim, transforma o sofrimento de um mero resultado ou efeito para um meio em que a vontade de Deus é mediada para o mundo. Além disso, a cruz simboliza um modelo de vida e ministério que demonstra “participação com o Messias crucificado e ressuscitado” e pode reformular a “responsabilidade da fraqueza de Paulo [e nossa] como uma virtude que autentica seu apostolado [e nosso ministério]” (Heavins 2019, 256). Paulo pode assim afirmar de todo o coração: “Agora me alegro nos meus sofrimentos por vós, e na minha carne faço a minha parte pelo seu corpo, que é a igreja, para completar o que falta nas aflições de Cristo” (Colossenses 1.24).
O que é esse “completar o que falta nas aflições de Cristo”? Tomado no contexto com o versículo 25 (“Fui feito ministro desta igreja segundo a comissão que Deus me concedeu para o seu benefício, para que eu possa cumprir plenamente a pregação da palavra de Deus”) e levando em conta a ênfase de Paulo em “a Palavra de Deus” se tornando “totalmente conhecida”, Thompson diz o seguinte sobre o “completar” no versículo 24:
A conexão (entre 24 e 25) é missão. Paulo está dizendo que está cumprindo sua missão aos gentios dada por Deus… a falta é a lacuna de sofrimentos entre o alcance atual do evangelho e o sofrimento necessário para estabelecer uma presença evangélica entre todos os gentios, em paralelo com a própria missão de Jesus de trazer o evangelho ao povo judeu. Veja a mesma linguagem de ‘ministro’ e ‘preenchimento/cumprimento’ em Rm 15.8, 16, 19. (Thompson 2020)
Além disso, “As aflições de Cristo representam mais do que o sofrimento típico da história. De acordo com Paulo, elas marcam o desfecho da história. A morte de Jesus é arquetípica. Doravante, todo sofrimento justo terá uma marca especificamente cristológica” (Savage 1996, 174).
Theologia Crucis enfatiza a fraqueza e a força com base na participação com o Cristo crucificado e agora vivo (2 Coríntios 13.3-4). Não só a fraqueza é um valor divinamente designado no qual Paulo se deleitou, mas Paulo também usou a fraqueza para subverter seus detratores que a desprezavam. Para Paulo, “a oposição à fraqueza por si, efetiva e necessariamente, é oposição ao próprio Messias. A fraqueza em si não pode invalidar a credibilidade de uma pessoa porque o próprio Messias entrou na mais fraca de todas as condições sociais, culturais, físicas e/ou existenciais possíveis: a cruz” (Heavins 2019, 257-258; Veja também Pickett 1997, 192-193).
Theologia Crucis nos convida para a arena da fraqueza do ministério, incluindo o sofrimento com, não o sofrimento por. Sofrer por implica um papel mediador ou sacrificial que Cristo cumpriu de uma vez por todas. Sofrer com descreve uma maneira pela qual nos relacionamos com Deus, seu povo e o mundo. Sofrer com o povo de Deus produz o que Alan Hirsch chama de “communitas”, uma forma mais profunda de comunidade forjada no fogo das experiências liminares compartilhadas (Hirsch 2007, 162-163). Para aqueles de nós que são de sociedades ocidentais e economicamente ricas, ser vulnerável com o mundo majoritário nos lembra de quem somos e do que fomos resgatados (Tito 3.1-5), e tal lembrança deve nos ajudar a nos tornar mais sensíveis àqueles a quem ministramos. Em um nível pessoal, infelizmente meus anos de treinamento ministerial no Ocidente coincidiram com o surgimento dos princípios de crescimento da igreja (valorização, tamanho, velocidade e planejamento, mas não vulnerabilidade) que me levaram a falhar em valorizar, aceitar e compreender verdadeiramente as dificuldades que os cristãos japoneses enfrentam numa terra onde o tamanho médio da igreja, no início dos anos 90, era de sete pessoas.
Pensando culturalmente através das lentes da cruciformidade
Nos capítulos um a quatro de 1 Coríntios, Paulo se concentra em dois padrões culturais provenientes de duas culturas diferentes: o desejo de poder dos judeus e o amor à sabedoria dos gregos. Ambos, diz Paulo, quando analisados pela cruz paradoxal, não são força e sabedoria, mas fraqueza e loucura. Os cristãos ainda são vítimas de substituir os valores do ministério de Deus por valores culturalmente favoráveis hoje? Eu acredito que sim. Observe, por exemplo, o seguinte trecho (com nomes e outros detalhes alterados para anonimato) de um e-mail anunciando um novo membro da equipe de uma organização missionária:
A organização da Missão XYZ foi abençoada com líderes excepcionais para servir em nossa família global de ministérios. Por favor, junte-se a mim para dar as boas-vindas a John e Jane e seus # filhos. John vem até nós do mundo dos negócios e tem uma vasta experiência ministerial servindo em sua igreja local na cidade ABC. Ele trabalhou na gerência sênior tanto da Bem-Conhecida Corporação #1 como da Bem-Conhecida Corporação #2, passando cerca de xx anos na indústria PQR… (Missão XYZ, 2021).
As porções enfatizadas acima incorporam o que as culturas mundiais atuais valorizam. A liderança sobre a servidão parece predominante – apesar de Paulo nunca se referir a si mesmo como um líder; ao invés disso, confessou que Cristo era sua cabeça e que ele era um servo. Ter um histórico de negócios é valorizado porque a riqueza é valorizada. Não há nada de errado em ganhar uma vida confortável, mas, por que uma organização missionária identificaria para a comunidade missionária cristã mais ampla os nomes de empresa dos empregos anteriores de um novo membro da equipe? Se antes John tivesse trabalhado por um salário-mínimo em um restaurante de fast-food, essa informação teria sido incluída na introdução acima?
Paulo intencionalmente evitou realizar seu ministério entre os [coríntios] com uma impressionante exibição retórica e uma poderosa presença pessoal [mesmo quando] era contraintuitivo fazê-lo. Se ele os tivesse persuadido a seguir Jesus por tais meios, a fé deles teria sido fundamentada na sabedoria humana, na lógica do presente século mau, e não no poder de Deus. (Gombis 2021, 62)
De maneiras pequenas, mas inumeráveis, os valores da cultura penetram no pensamento e na metodologia do ministério, um tema ao qual Paulo retorna várias vezes nas cartas de Corinto. Felizmente, Paulo não apenas lamenta essa anomalia: ele também apresenta a seus leitores a cruciformidade como uma sabatina para o ministério de exaltação de Cristo.
Paulo escreve: “Porque, de fato, foi crucificado em fraqueza; contudo, vive pelo poder de Deus. Porque nós também somos fracos nEle, mas viveremos, com Ele, para vós outros pelo poder de Deus” (2 Coríntios 13.4). Porque o Cristo vivo continua sendo o crucificado, a cruciformidade é a conformidade habilitada pelo Espírito ao Cristo crucificado e ressurreto que habita dentro. Como a Theologia Crucis, a cruciformidade envolve a inclusão divina de sofrimento e fraqueza – mas a cruciformidade dá uma encarnação ao sofrimento e à fraqueza. Além disso, em sua essência, a conformidade semelhante à cruz é sobre fidelidade e amor.
A cruciformidade é crucial para nossa compreensão do que Deus valoriza:
Portanto, para aqueles que se gabam do poder e rejeitam a fraqueza de Paulo, e para aqueles que ainda não deram atenção às exortações de Paulo para se arrependerem (cf. 12.21), esta linguagem cria uma obrigação necessária para os ouvintes de Paulo também desistirem de suas avaliações anteriores de valor, honra ou privilégio, e reestruturarem até seu próprio ser em um novo universo simbólico: sua participação em um Messias crucificado, crucificado em fraqueza. (Heavins 2019, 259)
Falando em termos práticos, a Theologia Crucis e a cruciformidade nos ensinam que não podemos sorver a força de Deus quando nosso coração e mãos estão cheios de força e sabedoria humanas. “Ele [Paulo] entende que o poder de Deus é ampliado se os servos de Jesus Cristo estiverem em posições sociais de fraqueza e vulnerabilidade” (Gombis 2021, 68). Além disso, não podemos operar em uma postura de “fingir fraqueza”, o que um estudioso chamou de “poder dissolvido em fraqueza” (Heavins 2019, 251): devemos concluir que somos tudo menos fortes, capazes e independentes de Deus.
Aplicar a conformidade à cruz em nossos ambientes de ministério modernos significa que podemos enfrentar o medo do fracasso por não copiar vários modelos culturais de aparência “bem-sucedida” para o ministério. Por exemplo, podemos realmente abraçar a “teologia de cabeça para baixo de Deus”, ou seja, que já somos todos pequenos, fracos e tolos – mas Deus nos usa (Hochhalter 2014, 12). Além disso, conformar-se com a cruz significa que podemos tratar como insignificante o que nossas culturas valorizam em termos de conduzir o ministério evangélico.
Trinta anos atrás (de acordo com meu treinamento observado anteriormente), alguém seria considerado um tolo por tentar o que o parágrafo acima defende. Mesmo assim, McKnight, em retrospectiva, concorda:
Princípios homogêneos da igreja – onde nos concentramos em um tipo de pessoa em um tipo de comunidade – e o movimento de crescimento da igreja não são encontrados no Novo Testamento e são apenas outra versão de corintianizar a igreja. Esses princípios são mundanos. Medir o sucesso por números – de retaguarda ou orçamentos – também é mundano. O que importava para Paulo era apresentar suas igrejas completas em Cristo. Maturidade para Paulo era cristoformidade, então a única métrica que Paulo conhecia para o ministério pastoral era esta pergunta: ‘Quão cristoforme é ela ou ele? Quão cristoforme é a igreja de Éfeso?’. (McKnight 2019, 194)
No final, qualquer modelo de ministério que empregamos deve ser em forma de cruz. Qualquer valor que abraçamos deve ser visto através das lentes da cruz. Uma outra ferramenta de avaliação para o ministério permanece, e essa é a lente da cristoformidade.
Cristoformidade
A cristoformidade é semelhante à cruciformidade, mas diferente de maneira significativa. Como Heavins (2019) expressou: “Qualquer relato coerente da teologia da cruz de Paulo deve explicar a afirmação de Paulo em 2Co 13.3-4 que não é fraco o Messias que foi crucificado em fraqueza porque vive pelo poder de Deus” (Heaving 2019, 256). Ou seja, a cristoformidade enfatiza o Cristo ressuscitado, olhando para o futuro com ênfase na “reforma da comunidade”. Essa reforma ocorre “com base na participação compartilhada [da comunidade] na fraqueza cruciforme do Messias e na presente vida irredutível do Messias pelo poder de Deus” (Heavins 2019, 255).
Hoje essa reforma continua no corpo de Cristo e, como Paulo, “o pastor é chamado a nutrir uma cultura de cristoformidade” no sentido de que “somos formados por sua vida, por sua morte e por sua ressurreição e ascensão” (McKnight 2019, 3). Cristoformidade significa que nós, que o seguimos, devemos nos conformar com Jesus Cristo. O próprio Jesus ensinou que o discípulo deve pensar, fazer e ser exatamente como o mestre (Mateus 10.24-25; Marcos 10.45).
A cristoformidade é o ministério corporificado como participação no que Deus está fazendo em Cristo por meio do Espírito. “Somente Cristo é capaz de nos fazer conhecer Deus… Nossa resposta é uma participação voluntária na autorrevelação de Deus. Esse é nosso privilégio e nosso chamado como colaboradores de Cristo no ministério contínuo de Deus no mundo” (Buxton 2016, 19). Paulo expressa o ministério como o que Cristo realizou por meio dele e de outros. “Não é tanto o ministério ou missão de Paulo, mas ministério e missão de Cristo através do Espírito (1Ts 1.5-6; 2.13; 4.3-9, 19-21)… Assim, Paulo está apenas participando do que Deus – Pai, Filho, Espírito – está fazendo (Gl 4.19)” (McKnight 2019, 5).
Essa percepção da participação na missão de Deus realizada pela cristoformidade, antes de qualquer ação ministerial, nos ajuda a evitar o foco na metodologia que muitas vezes se atola no pragmatismo. Em vez disso, aprendemos a pensar, mover e operar em um “modo de vida narrativo” (Rowe 2016, 215), em uma “cultura” (Willimon 2016, 203), enquanto entramos no fluxo do que Deus tem feito anteriormente. A cristoformidade é essa cultura, ou modo de vida, na qual devemos ser nutridos e na qual nutrimos os outros, especialmente no contexto do ministério e da missão.
Aprendizagem da cristoformidade como ferramenta avaliativa para ministério/missão nas culturas
“Deus não criou culturas…, mas criou humanos com uma necessidade fundamental e capacidade de inovação dentro de uma estrutura cultural” (Nehrbass 2016, loc. 1409). A cultura é amoral, mas quando manipulada pela humanidade pecaminosa ela vai contra a vontade de Deus. Assim, o pensamento e a prática do ministério podem ficar manchados. Um exemplo claro é encontrado em 1Samuel 6, onde os filisteus moveram a Arca, juntamente com 2Samuel 6, onde Uzá é morto por tocar a Arca. O problema era seguir o modo filisteu, em vez de o modo mosaico, de mover a Arca. Por 20 anos a Arca permaneceu em Quiriate-Jearim, mas essa “nova forma cultural” de mover a Arca parece ter permanecido.
A intrusão dos valores culturais no pensamento e na metodologia do ministério continua hoje nas igrejas e nos campos missionários. Ainda outro exemplo é um folheto evangélico recente das Olimpíadas de Tóquio que anunciava o testemunho de vários atletas cristãos. Embora o desejo de evangelizar certamente seja louvável, “tais concepções de ministério, suas posturas e estratégias de atendimento (uma metodologia de usar um grupo muito seleto de pessoas famosas), para Paulo, estão repletas de perigos” (Gombis, 2021, 68). No Japão, este perigo é que as pessoas aspiram não a se tornar o herói (atleta ou YouTuber) em si, mas obter o poder, a fama e a riqueza que acompanham seu sucesso. Parece natural trombetear nossos heróis porque todos nós gostamos de heróis em vez de perdedores: “De acordo com a maneira do mundo de realizar as coisas, Deus deve escolher alguém com credenciais impressionantes e status social elevado” (Gombis 2021, 68).
Felizmente, a cristoformidade como paradigma avaliativo pode ajudar a determinar o que está impulsionando nosso pensamento e metodologia ministerial/missional. McKnight corretamente sugere que pastores e todos no ministério, incluindo missionários (grifo meu) devem trabalhar para criar uma cultura cristoforme em suas esferas ministeriais (McKnight 2019, 6). O que é notável na maioria das epístolas de Paulo são as listas de pessoas. Para Paulo, “Cristo em mim e em seus cooperadores” era seu objetivo ministerial, por isso desenvolver uma cultura de formação era primordial. Para fazer isso, Paulo desenvolveu uma cultura de pessoas e mediu sua autenticação apostólica em termos de coríntios/gentios que responderam pela fé e serviram vulneravelmente na fraqueza. Isso envolve desenvolver as culturas de escuta, presença e serviço.
Sobre o autor
Chris Sadowitz faz parte da Association of Baptists for World Evangelism. É pastor plantador de igrejas em Miyakonojo (Japão) e professor adjunto no Asia Biblical Theological Seminary em Chiang Mai (Thailand).
Esse texto foi originalmente publicado em inglês com o título “Vulnerability vs. Corinthian Values: Modern Ministry Thought and Practice at Home and Abroad” na Global Missiology de julho de 2022 (Vol. 19 No. 3); acesso aqui. O Martureo recebeu a devida autorização para traduzi-lo e republicá-lo. Tradução: Eduardo Wu Jyh Herng. Edição: Fernanda Schimenes.
Referências
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