Uma reflexão pessoal sobre os mundos dos espíritos na Ásia
Ministério entre japoneses: orientações de um nativo, relato de pré-conversão e interações cristãs
Yuzo Imamura
INTRODUÇÃO
Gostaria de começar com uma nota pessoal observando que escrever um artigo sobre o mundo espiritual não é fácil para mim. Acredito que quando reflito sobre esse assunto, isso me traz à memória minhas experiências passadas com o mundo dos espíritos, de quando eu ainda me sentia oprimido por eles. Talvez eu só esteja passando por reações emocionais ou flashbacks, mas não tem sido simples escrever sobre esse assunto. Na verdade, colocar tudo no papel tem sido muito mais difícil do que eu imaginava. No entanto, após lutar em oração sobre essas questões, percebi que este artigo, como um relato em primeira mão, poderá ajudar outras pessoas que estão interessadas na Ásia – especialmente as que estão interessadas no mundo dos espíritos – a entender como os asiáticos pensam e reagem ao mundo dos espíritos e em quais áreas os asiáticos precisam ser transformados pelo Espírito Santo. Também poderá contribuir para um entendimento mais profundo da soberania do Deus verdadeiro à medida que ele se faz conhecido através do nosso Senhor Jesus Cristo.
Primeiro, gostaria de apresentar, de forma breve, um termo japonês. Atualmente, muitas pessoas conhecem a palavra kaizen – o Dicionário de Oxford, inclusive, já a incluiu como uma palavra usada em contextos internacionais. Kaizen é uma filosofia de negócios baseada em melhoria contínua das práticas organizacionais, eficiência pessoal e assim por diante.1 A Toyota é famosa por adotar esse conceito. Como essa palavra indica, o Japão é conhecido por adotar novas ideias e novas coisas e, então, aprimorá-las – às vezes deixam as coisas menores, às vezes, deixam-nas com um design melhor – produtos como o famoso walkman são um exemplo dessa prática.
Essa perspectiva se aplica também ao mundo religioso: afirma-se que há 8 milhões de deuses (yaoyorozu) no Japão – a palavra é uma expressão literal, e significa deuses incontáveis; a adoção de numerosos amuletos bem atraentes também ilustra esse interesse religioso voltado para o exterior. Em resumo, o contexto histórico japonês tem o desejo e a habilidade de absorver novas religiões de fora e modificá-las (melhor dizer contextualizá-las), de forma que elas se encaixem no dia-a-dia da sociedade. É interessante ver as estatísticas publicadas pelo Ministério da Educação japonês retiradas de uma pesquisa conduzida em 2007 sobre religião.2 Elas mostram que 83% dos japoneses seguem o xintoísmo, 70%, o budismo, e que o número total de crentes religiosos representa mais de 163% da população! De acordo com essas estatísticas e análises, podemos dizer que os japoneses são muito religiosos, e que um típico japonês é devoto de mais de uma religião. Ainda no presente momento, novas religiões e cultos estão sendo criados na sociedade japonesa.
A. INTERAÇÕES PRÉ-CONVERSÃO COM O MUNDO ESPIRITUAL
Lembro que, em minha juventude, aprendi sobre “tabus” com meus pais e parentes. Isso sempre me trouxe muito medo em relação ao mundo invisível. Nem sempre eu entendia por que um ritual em particular era necessário em uma situação específica. Quando eu acordava, por exemplo, costumava demonstrar respeito aos ancestrais por meio de um tipo de ritual: eu ficava de frente para o altar budista da família. Isso era feito para não ofender os espíritos dos ancestrais. Eu também tinha de evitar algumas atividades para não ser “poluído” espiritualmente. Outro exemplo: quando eu participava de um funeral, devia jogar sal sobre o meu ombro esquerdo antes de entrar em casa para evitar que os espíritos malignos entrassem na minha própria residência.
A primeira oportunidade que tive para realmente refletir sobre essas questões como cristão surgiu quando estudei as religiões asiáticas como parte de meus estudos teológicos no seminário. Na igreja da qual eu fazia parte no Japão, não havia ninguém que pudesse me ensinar sobre o mundo dos espíritos. Pareceu-me, de um modo geral, que um cristão japonês no Japão precisa se tornar uma pessoa totalmente diferente do que era, deve se desvencilhar de toda a sua experiência de vida anterior fora do cristianismo, algo como apagar da memória tudo o que você era e viveu antes de se tornar cristão. Deixe-me explicar melhor o que quero dizer com alguns exemplos representativos.3
1. O-ni (ogros/goblins)
No corredor da casa onde cresci no Japão, havia um objeto pendurado na parede – era como uma máscara, mas sua expressão era assustadora. Ela tinha chifres, olhos grandes e esbugalhados e um rosto vermelho.4
Em japonês, isso se chama o-ni; em português, seria descrito como um ogro ou um goblin. Meu irmão me disse que, durante a noite, os olhos desse o-ni poderiam se iluminar, e isso nos assustaria. Como resultado, eu sempre tinha medo quando precisava passar na frente disso à noite.
Essa é uma figura muito popular no folclore japonês. Às vezes, é identificado como Enma Dai-O, ou Yama: aquele que reina sobre o inferno (apesar de budistas e hindus acreditarem que Yama é um deus). Os pais geralmente alertam seus filhos que, se eles não escutarem seus pais, irão para o inferno, e o Enma Dai-O estará esperando por eles na frente do portão do inferno para puxar suas línguas como uma punição.
2. Kokkuri-san (atividade que envolve uma moeda em movimento)
Na minha escola primária, Kokkuri-san, uma atividade que envolvia uma moeda em movimento, era muito popular. Como crianças em idade escolar, acreditávamos que poderíamos descobrir o futuro participando disso. Todos nós ficávamos empolgados com essa perspectiva, e praticávamos Kokkuri-san quase todos os dias depois da escola. Essa atividade é feita por três ou quatro pessoas que se juntam para pedir aos espíritos que nos digam nossa sorte. Elas fazem isso chamando: “Kokkuri-san, Kokkuri-san, venha aqui”.
Depois que os jogadores chamam os espíritos, eles ficam com as mãos por cima da moeda que eles colocaram no tabuleiro, e ela começa a se mover pelo tabuleiro de uma maneira bastante surpreendente.
Esse tabuleiro tem todos os caracteres do alfabeto japonês (o silabário kana da língua japonesa), o símbolo tori-i (a porta de um santuário xintoísta, com duas colunas verticais e duas peças transversais), as figuras de um homem e de uma mulher, as palavras “sim” e “não” e os números de 1 a 10. À medida que a moeda se move sobre as letras do quadro, letra por letra, seus movimentos formam uma sentença.5 Dessa forma, podemos receber mensagens de Kokkuri-san. As perguntas que fazíamos eram do tipo: “Quem vai morrer primeiro?, “A quem Yasunori ama?” e assim por diante.
3. Raposas
Dentro do contexto da religião xintoísta, acredita-se que as raposas6 são as guardiãs dos deuses. Quando visitamos um santuário, um par de estátuas de raposas fica no portão de entrada. Elas ficam de frente uma para a outra, e acredita-se que protegem o santuário. A raposa também é comum nos contos populares japoneses, e geralmente faz o papel de quem engana os seres humanos. Robert Ellwood descreve de forma apropriada:
… as raposas que fizeram coisas maldosas ou até cruéis, causando acidentes ou, com a sua capacidade de ‘mudar de forma’, aparecem como sendo uma moça adorável, que engana algum rapaz do campo ou promete a alguém um balde de ouro (…) que acaba por não ser nada além de apenas folhas secas. E geralmente uma raposa, ou apenas o rabo dela, será apenas vislumbrada, desaparecendo pelo canto do olho no momento crítico.7
Como resultado desse fascínio pelas raposas, essas criaturas costumam aparecer em contos morais, e são usadas por pais e adultos para ensinar as crianças a temer os espíritos. Geralmente esses contos têm um objetivo educacional adicional, que é o de incentivar as crianças a serem sempre honestas ao lidar com os outros – especialmente com seus pais!
4. Okudo (a área da cozinha)
Okudo é a área da cozinha na casa – em algumas partes do Japão, chama-se kamado. O deus kamado deve ser respeitado na área da cozinha. Hoje em dia, coloca-se um amuleto na parede para demonstrar respeito. Tradicionalmente, em uma casa japonesa, a cozinha fica e uma área separada, isolada da sala de estar, e é um ambiente bem escuro. Devido ao seu caráter sombrio, as pessoas fazem associações, em sua imaginação, com o lado sombrio e escuro da casa e o mundo espiritual. Esse deus é considerado um mediador entre este mundo e o mundo espiritual de uma forma que trará bem-estar (kanai-anzen) à família.8
O caráter desse deus é bastante feroz; portanto, se as pessoas o tratam de maneira grosseira ou impensada ou se sentam no altar do okudo, acredita-se que uma maldição é lançada sobre aquela casa. Eu sempre fui ensinado a tratar o altar do okudo com cuidado e a orar ao deus kamido por proteção contra acidentes relacionados ao fogo. Os japoneses oferecem uma porção de arroz, que é feito logo pela manhã, no altar do okudo em frente ao amuleto adequado, assim como no altar budista da família, sendo essa uma maneira de demonstrar nosso respeito e apaziguar o deus kamido.
Essas quatro áreas nos mostram como os japoneses interagem com o mundo espiritual no seu cotidiano – pela casa, quando estão fora com seus amigos e nas suas visitas a lugares religiosos. Agora devemos olhar para os impactos dessas questões na psique japonesa aproveitando minha própria experiência.
B. CARACTERÍSTICAS DE UMA VIDA ESPIRITUAL
O contexto cultural e as narrativas de tradição oral no Japão constantemente nos ensinam que há forças invisíveis que possuem poder e controle supremo sobre nossas vidas. Como resultado, estamos frequentemente pensando em apaziguar os espíritos, ou o azar pode chegar até nós.
1. O papel do medo
Como resultado dessas influências, gostaria de enfatizar que, a partir de minha própria experiência, o medo é o principal fator que nos une ao mundo espiritual. Somos condicionados por nossa educação e histórias culturais a reagir de certa maneira às forças invisíveis que acreditamos ter tanta influência em nossas vidas, e nos preocupamos com as coisas negativas que podem acontecer se não agradarmos esses espíritos. Fazer algo errado pode causar má sorte, e nos trazer infelicidade. De forma lógica e racional, consigo entender que isso pode não ser verdade, mas acho difícil manter-me firme com base na minha própria confiança devido à força que o medo tem em minha vida há tanto tempo. O mal sempre nos impressiona, faz-nos ter medo e segui-lo. É por isso que o mal nos mantém em cativeiro – no contexto japonês, o significado de “medo” pode ter as mesmas conotações de “vergonha” e “ansiedade”.
2. A tendência para o egocentrismo
Outro fator significativo que nos leva a procurar a ajuda dos espíritos é nossa tendência a sermos egocêntricos. Como seres humanos, queremos conhecer o futuro: em qual universidade devemos estudar, em qual empresa devemos trabalhar, com quem devemos nos casar e assim por diante. Essas são questões muito importantes com as quais lidamos ao longo da vida. Encontrar respostas nos ajudará a viver vidas menos complicadas. Além disso, podemos ter a sensação de estar no controle das nossas vidas, e também ter certo controle sobre a vida dos outros.
Como resultado dessa tendência, quando ouvimos falar de qualquer atividade que nos ajude e nos guie a saber o que devemos fazer no futuro, somos facilmente tentados a tirar proveito disso e prontos a nos envolver – isso pode nos fazer cair nas práticas espirituais.
Nos dois casos mencionados acima, nosso contexto cultural realmente nos condiciona a agir de certas formas, e é muito difícil para um japonês sair dessa mentalidade.
É isso que me leva agora a falar mais sobre minha experiência cristã e minhas próprias reflexões pessoais sobre as Escrituras. Esse processo de interação com os conceitos de Deus revelados na Bíblia teve um impacto significativo em minha vida, na maneira como entendo minhas experiências anteriores e em meu próprio bem-estar psicológico e espiritual.
C. MINHA JORNADA ESPIRITUAL A JESUS CRISTO: A REAL, VERDADEIRA E ÚNICA EXPRESSÃO DE DEUS
Vou compartilhar minha jornada a Cristo e, então, discutir de forma breve alguns fatores significativos que se relacionam à minha conversão espiritual a Jesus Cristo.
1. Uma busca por salvação
Cresci em um lar tradicional japonês onde havia tanto um altar familiar budista quanto um altar xintoísta. Da minha infância em diante, sempre que olhava para as estrelas no céu à noite ou descobria algo sobre as maravilhas da natureza, eu achava que haveria um Deus cuja identidade era maior que a dos seres humanos. Acreditava que meu deus estava no altar, então eu juntava minhas mãos em oração diante do altar budista da família. Em especial, eu orava para que os deuses me ajudassem a ser uma pessoa melhor, pois eu sentia que não era tão bom quanto deveria.
Foi durante meu terceiro ano do Ensino Médio que eu ouvi sobre o cristianismo pela primeira vez. Meu irmão mais velho, que era um universitário com uma mentalidade missionária naquela época, disse-me: “A Bíblia é interessante. É um livro que deve ser lido mesmo que só pela sua qualidade literária”. Naquele tempo, eu não tinha autoconfiança, e me questionava sobre quem eu era e para onde iria no futuro. Não conseguia aceitar os valores mundanos, nem me aceitar, pois eu achava que não estava de acordo com os padrões deste mundo. Como resultado, tentei me recusar a frequentar o Ensino Fundamental durante a quinta e a sexta séries! Eu só queria ser uma boa pessoa. Enquanto estava na quinta e na sexta séries, nossa família estava envolvida com rituais religiosos e espirituais tanto com um sacerdote xintoísta quanto com um monge budista; eles leram nossa sorte com base nas suas previsões, e as combinaram com informações derivadas de nossos nomes, de caracteres chineses específicos e assim por diante.
Mesmo que eu tentasse colocar minhas mãos respeitosamente em oração no altar da família budista e no altar xintoísta, não estava livre de meus sentimentos de ser desagradável e feio. De fato, descobri que, por meio de minhas falhas, tentei controlar Deus. Por fim, descobri que todas essas religiões, rituais e crenças tradicionais em que eu estava envolvido não traziam benefício nem ajuda à minha família. A partir desse momento, comecei a ler livros com entusiasmo sobre o que parecia ser útil para mim em termos de saber quem Deus realmente era. Quando cheguei ao final do Ensino Médio, já havia lido a maioria dos livros da livraria, mas ainda não havia descoberto quem era Deus!
2. Um testemunho da obra da salvação de Deus
Em um dia qualquer após minha formatura do Ensino Médio, de repente me lembrei da recomendação feita pelo meu irmão há um ano sobre ler a Bíblia. Fui, então, à livraria, e comprei uma. Naquela noite, quando li os três primeiros capítulos do livro do Gênesis, descobri que Deus não havia apenas criado este mundo, mas também os seres humanos, e um mundo ordenado. De uma forma estranha, eu facilmente aceitei esse Deus, e estava impressionado pelo fato de que o Deus que sempre busquei estava revelado na Bíblia. Isso se tornou um grande encorajamento, e me deu uma sensação de alívio. Também entendi que fui feito por Deus, e que ele estava me guiando e protegendo.
No entanto, quando me tornei estudante universitário, voltei a viver de acordo com meus próprios padrões. Um dia, senti uma forte dor abdominal que atravessou meu corpo. Fiquei hospitalizado por cerca de um mês. Descobri que estava desamparado, que havia um limite para os meus poderes. Olhei atentamente para minha vida, concentrei-me em questões profundas durante esse período de hospitalização, e descobri que havia ignorado a existência de Deus: vivia uma vida autocentrada desde que descobri que a Bíblia falava sobre o verdadeiro Deus. Depois de receber alta do hospital, queria descobrir mais sobre quem Deus era e como eu deveria viver, e então comecei a frequentar a reuniões de uma igreja [cristã]. Na igreja, descobri um fato surpreendente – Deus me amava, mesmo com todas as minhas imperfeições e até mesmo com a minha loucura! Além disso, eu tomei consciência que seria salvo não pelos meus próprios esforços, mas pelo amor unilateral de Deus.
Fiquei tão aliviado! Percebi que nunca mais estaria perdido na minha vida (em um sentido maior), e que nunca mais precisaria me preocupar com assuntos profundos se baseasse minha vida, de todo o coração, no ensino da Bíblia. Como o evangelho de João diz: “Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma” (João 15.5, NVI).
Finalmente, eu tinha chegado a crer em Jesus Cristo como meu Salvador, e fui realmente liberto dos valores mundanos instáveis e limitados.
D. INTERAÇÕES CRISTÃS
1.Elementos-chave que me levaram à conversão
Olhando para a minha jornada espiritual, acho que há vários elementos-chave que levaram à minha conversão. Em primeiro lugar, desde o início da minha vida, recebi uma curiosidade sobre a soberania de Deus. Isso foi totalmente por sua graça, e sinto que veio do próprio Deus. Em segundo lugar, através da leitura das Escrituras e do poder do Espírito Santo, fui convencido a acreditar na Bíblia e no Deus nela revelado, a quem eu procurava por um longo período de tempo. Por um certo momento, depois que li a Bíblia, fiquei impressionado com o poder supremo de Deus, sua autoridade e com a maneira como Deus estava trabalhando em minha própria vida. Ainda me lembro que tive uma forte sensação de que deveria ter me rendido mais plenamente a Deus como um ser criado por ele. Em terceiro lugar, a crise na minha vida me levou a avançar no desconhecido, e buscar a Deus de uma maneira mais sincera.
2. Os resultados da minha conversão
Se me perguntassem o que havia mudado em minha vida em relação ao mundo dos espíritos após minha conversão a Cristo, eu daria as seguintes respostas. Em primeiro lugar, fiquei livre da necessidade de participar de rituais espirituais e da escravidão resultante disso. Não tenho sentimentos de medo ou ansiedade em relação ao presente e ao futuro, embora experimente sentimentos ocasionais de incertezas na vida. Como resultado, pude descartar muitas das coisas que achava que “deveria” fazer por conta do meu novo entendimento e nova experiência do poder e autoridade absolutos de Deus. Em segundo lugar, agora posso entender quem sou e como fui corrompido pelo pecado em termos da perspectiva bíblica. Como mencionei anteriormente, a tendência a ser egocêntrico tinha sido um fator que constantemente determinava como eu vivia. Passagens bíblicas que me lembram que tenho tendência a ser egocêntrico são muito úteis para eu conseguir entregar minha vida de novo e de novo ao Senhor em vez de tentar controlá-la sozinho.
3. A realidade da vida cristã
(I) A constante necessidade de lutar contra o inimigo
No entanto, ser cristão não me livra de todas as batalhas e lutas espirituais. Como as Escrituras nos dizem, o príncipe deste mundo (Jo 12.31, 14.30, 16.11; Ef 6.12) sempre nos tenta a segui-lo, e nos seduz a continuar fazendo o mal; ou, alternativamente, ele nos ameaça para poder nos manter em cativeiro.
(II) As lições aprendidas ao assistir ao filme A Viagem de Chihiro
Há alguns anos, fui assistir ao filme A viagem de Chihiro.9 Naquela época, era muito difícil assistir a um filme japonês em Cingapura, então, quando esse filme (que produzido pelo Studio Ghibli e teve uma publicidade significativa) estreou, minha esposa e eu fomos ao cinema para assisti-lo. Não sabíamos sobre o que A Viagem de Chihiro tratava, apenas que era em japonês. Infelizmente, não gostei nem um pouco do filme, pois estava cheio de referências aos espíritos. Algumas dessas referências me levaram de volta ao tempo em que eu ainda não era cristão, quando experiências assim eram assustadoras a ponto de me deixarem até nauseado. Por outro lado, minha esposa, que cresceu em um lar cristão e estava imune às influências de tais espíritos, realmente gostou! Após o filme, nós até mesmo discutimos se um cristão deveria ver esse filme ou não. Foi então que percebi o quanto nossas percepções sobre esse filme eram diferentes por conta de nossas histórias, dos contextos nos quais crescemos, e o quanto interagimos (ou não) com o mundo dos espíritos.
4. Algumas passagens bíblicas úteis
Ao concluir essas reflexões, gostaria de compartilhar algumas passagens da Bíblia que me lembram que sou filho de Deus e como posso lutar contra espíritos malignos. Ler a Bíblia me ajuda, por meio do Espírito Santo, a transformar minha visão de mundo de uma perspectiva japonesa budista/xintoísta/animista para uma perspectiva cristã. A seguir, sugiro várias passagens que são particularmente úteis nesse sentido.
(I) Uma perspectiva transformada do mundo espiritual
- O contraste entre ídolos vazios e o Deus Criador (Sl2-8, 135.15-18; Jr 10.1-16).
(II) A vitória final sobre o mal e Satanás
- O relato da queda e derrota de Satanás (Lc 17-18; Ap 12.7-9).
- Uma narrativa que mostra como Jesus venceu Satanás no deserto, mantendo-se próximo e fiel ao Pai no Céu, e permanecendo firme na Palavra de Deus (Mt 4.1-11).
(III) O supremo poder de Deus nos salva e liberta das garras do poder de Satanás
- Um lembrete do fato de que o mesmo poder (Ef 19-23) que ressuscitou Jesus dentre os mortos também está trabalhando em nós.
- A percepção de que Deus é mais poderoso do que outros “poderes” (1Jo 4.4).
- A lembrança de que Satanás e seus anjos foram derrotados para sempre na cruz (1Co 15.54-57, Cl 2.8-15).
5. Algumas reflexões sobre o Deus trino
Como minha jornada espiritual está relacionada ao Deus triúno? Imediatamente, depois de descobrir que o Deus que eu procurava era o Deus da Bíblia, percebi que poderia facilmente reconhecer Deus como o Criador e o Deus Soberano nas páginas da Bíblia, especialmente por meio da leitura dos livros do Gênesis e do Êxodo. No entanto, a leitura apenas do Pentateuco oferece uma compreensão limitada dos temas cristãos. A primeira vez que ouvi falar de Jesus foi quando fui à igreja porque só havia lido a Bíblia até Levítico! Eu levei cerca de um ano – o tempo que transcorreu até eu ser batizado em uma igreja – para descobrir quem realmente era Jesus e chegar a um entendimento ordenado e ponderado da fé cristã.
Nos primeiros anos de minha experiência como cristão, minha vida mudou drasticamente. Comecei imediatamente a compartilhar o evangelho com meus colegas de classe, e a dizer a eles como esse Deus que eu havia encontrado tinha mudado minha vida por sua grande bondade. Até comecei uma reunião com um grupo de estudantes na universidade – com o apoio da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES, na sigla em inglês) –
com meus amigos cristãos do zero. No entanto, havia um problema na minha vida espiritual: eu não tinha certeza do significado do Espírito Santo na vida cristã. Eu até poderia responder a perguntas sobre o Espírito Santo corretamente, mas ainda não o havia encontrado em minha própria vida cristã. Isso continuou por um tempo…
Em resumo, meu processo para chegar à fé cristã poderia ser descrito assim. Antes de tudo, eu acreditava em Deus, o Criador e o Pai. Então, após cerca de um ano, passei a acreditar em Jesus, o filho de Deus que veio à Terra como um ser humano, como meu Salvador. Então, seis anos depois após crer em Deus, finalmente cheguei no ponto em que estava vivendo minha vida cristã fortalecida e capacitada pela presença do Espírito Santo. É interessante que eu entendi o Deus trino pouco a pouco durante um período de sete anos.
Esse processo nunca foi tão simples para mim como as analogias da Trindade. Por exemplo, a que sugere que a Trindade é como os três diferentes estados da água – líquido, sólido e gasoso. De fato, depois de me convencer da existência do Deus trino, tive a oportunidade de ensinar sobre Deus aos recém-chegados em minha igreja. Ensinei-os sobre o Deus trino usando diferentes alegorias, embora, ironicamente, nunca tenha estado pessoalmente completamente convencido por essas explicações alegóricas.
Há algumas razões pelas quais nunca foi muito fácil para mim entender o papel do Espírito Santo na Trindade. Primeiro, cresci em uma igreja evangélica conservadora, onde era um assunto delicado falar sobre o Espírito Santo, então raramente eu tinha contato com o ensino sobre o Espírito Santo no contexto da igreja. Acho que isso ocorre em parte porque, historicamente, houve uma forte disputa entre os evangélicos e os grupos carismáticos/ pentecostais no Japão na década de 1980.
Em segundo lugar, a ênfase na cristologia é muito forte nas esferas evangélicas no Japão. A obra de Jesus na cruz forma o núcleo de nosso ensino como cristãos protestantes, mas, às vezes, a expiação de Jesus domina quase que completamente o ensino dado aos novos cristãos. Olhando para trás, me pergunto se havia a falta de um ensino bíblico equilibrado e consolidado sobre o Deus trino, principalmente sobre a obra do Espírito Santo, de maneira que minha própria jornada espiritual tivesse sido diferente.
Por fim, percebo que minha capacidade de compreender e adotar a doutrina cristã pode ser moldada pelo meu histórico asiático, bem como pelo meu estilo de aprendizado, que normalmente tenta ver as coisas como um todo, além de ser tanto sintético como analítico. Embora eu tenha estudado Medicina e Biologia Celular (esse último tópico em meu doutorado), a análise lógica, por si só, não poderia me ajudar a entender da forma o mais abrangente possível a Trindade, uma maneira que fosse intelectualmente e experimentalmente satisfatória. Em vez disso, minhas experiências diárias da presença do Espírito Santo em minha vida, por meio da leitura das Escrituras e das lutas da vida cotidiana, ajudam-me a entender melhor o trabalho e o papel do Espírito Santo na vida do cristão.
REFLEXÕES FINAIS
Tanto nossa vida familiar quanto nosso contexto cultural podem nos levar a práticas em busca de demonstrar respeito e honra ao mundo dos espíritos. Tais poderes podem ser conhecidos como espíritos individuais, ou percebidos como forças invisíveis e sombrias. Essas forças parecem ter poder real, e normalmente resistem às tentativas puramente humanas de se libertar do domínio espiritual.
Precisamos ajudar os cristãos que possuem origens culturais como as do Japão, com ênfase nas visões de mundo budista e xintoísta, a transformar seu pensamento. Para isso, é necessário conduzi-los a uma compreensão mais profunda das Escrituras, só assim obterão novo conhecimento de si mesmos e do poder de Deus para transformar suas vidas. Devemos ensiná-los a ter uma nova contemplação da soberania de Deus, e a compreender pelas Escrituras que Deus, o Espírito Santo, nos dá liberdade. O Espírito Santo afasta nossas vidas do controle desses espíritos, e nos leva à gloriosa e perfeita liberdade que é encontrada ao nos voltarmos para Cristo, em quem podemos descansar. Além disso, gostaria de fazer um apelo urgente por um ensino bíblico sólido sobre o Deus trino, especialmente em termos de pneumatologia (nossa compreensão do papel do Espírito Santo). Isso faria com que todo cristão experimentasse e entendesse o trabalho do Espírito Santo e, então, vivesse de tal maneira que a real esperança do evangelho em sua vida diária fosse demonstrada.
Sobre o autor
Yuzo Imamura, com sua esposa Hitomi, têm servido à OMF Camboja desde 2003. Ele é médico especializado em Dermatologia, e pesquisou sobre moléculas de adesão celular por sete anos no Japão. Fez mestrado em Ministério Cristão no Discipleship Training Centre em Cingapura.
Esse artigo foi originalmente publicado em inglês na Mission Round Table (Vl. 7, No 1, Jan 2012: 9-13) e o Martureo recebeu a devida autorização da OMF para traduzi-lo e republicá-lo.
1 http://oxforddictionaries.com/view/entr y/m_en_ gb0436420#m_en_gb0436420 (acessado em 18 de abril de 2011)
2 “Religion” (capítulos 23-24), Japan Statistical Yearbook 2007, Ministry of Internal Affairs and Communications. http://www.stat.go.jp/english/data/nenkan/1431-23.htm (acessado em 18 de abril de 2011)
3 Caso não esteja familiarizado com esses exemplos, há diversos sites na Internet que ilustram essas ideias (em inglês). Veja, por exemplo, Oni (folclore) em http://en.wikipedia.org/wiki/Oni_ (folklore) (acessado em 21 de fevereiro de 2012); Kokkuri (jogo) em http://en.wikipedia.org/wiki/Kokkuri_(game) (acessado em 21 de fevereiro de 2012); Foxes em http://www.onmarkproductions.com/html/oinari.shtml (acessado em 21 de fevereiro de 2012); Okudo em http://www.kyotoguide.com/ver2/machiya/machiya1.html (acessado em 21 de fevereiro de 2012)
4 “Oni”, Kodansha, 1993. Japan: An Illustrated Encyclopedia, Kodansha, Tokyo.
5 “Kokkuri”, Kodansha, 1993. Japan: An Illustrated Encyclopedia, Kodansha, Tokyo.
6 Picken, Stuart D.B., 2006. The A to Z of Shinto, Scarecrow Press, USA, p.62. Piggott, Juliet, 1982. Japanese Mythology, Hamlyn Publishing Group, London, p.112.
7 Ellwood, Robert, 2008. Introducing Japanese Religion, Routledge, NY, USA, p.49.
8 Ellwood, Robert, 2008. Introducing Japanese Religion, Routledge, NY, USA, p.105.
9 Há diferenças surpreendentes entre os trailers publicitários das versões em inglês e japonês de A Viagem de Chihiro. É claro que os trailers são diferentes em todos os países, mas acho que a versão em inglês da propaganda enfatiza muito mais as dimensões espirituais do que a japonesa. Eu me pergunto se isso ocorre porque o povo japonês pode entender o mundo espiritual, mesmo quando seus temas estão implícitos em um drama. Se você assistir a esse filme, eu me pergunto qual seria a sua reação.
Referências bibliográficas
Ellwood, Robert, 2008. Introducing Japanese Religion, Routledge, NY, USA.
Kodansha, 1993. Japan: An Illustrated Encyclopedia, Kodansha, Tokyo.
Picken, Stuart D.B., 2006. The A to Z of Shinto, Scarecrow Press, USA.
Piggott, Juliet, 1982. Japanese Mythology, Hamlyn Publishing Group, London.