Uma palavra aos que temem dizer: “Aqui estou; envia-me”

O que você tem nas mãos? É isso o que Deus pode usar!

Carlos Madrigal Mir

Uma das desculpas mais repetidas para retardar o cumprimento da tarefa – sem contar os que dizem: “Oh, primeiro temos que evangelizar nosso país” – é a falta:

  • de recursos,
  • de preparação,
  • de experiência.

Quando nós nos convertemos e compartilhamos com meus pais – católicos comprometidos – como íamos, casa por casa, pregando o evangelho, meu pai nos disse: “Isso é necessário se todos já são cristãos?”. Uns poucos anos depois, quando contei que íamos a outro país servir ao Senhor, ele me disse: “Mas se aqui ainda há tanto por fazer!”. Seria o argumento “primeiro temos de alcançar nosso país” o pensamento de nosso Pai celestial ou produto de nossos medos terrenais?

Para fazer sua obra, Deus não busca o que não temos, mas, sim, convida-nos a trabalhar com o que ele tem, suprindo tudo que nos falta. Frente a empreitadas impossíveis, como o chamado e encargo de Moisés de tirar seu povo da escravidão, a única pergunta que Deus faz é: “O que você tem na mão?” (Ex 4.2[1]). Quando Davi escapa de Saul e chega ao sacerdote Aimeleque, pergunta: “O que você pode oferecer-me?” (1Sm 21.3 NVI). Diante da morte e da escassez, Eliseu pergunta à viúva: “O que você tem em casa?” (2Rs 4.2). Quando Jesus pede aos apóstolos que alimentem as multidões, diante da perplexidade deles, lhes diz: “Quantos pães vocês têm?” (Mc 6.38). O Senhor não está interessado no que não temos, e sim no que temos. Quando ele nos encomenda uma tarefa, já sabe muito bem o que não temos, e isso que não temos não espera que tenhamos (vale a redundância). Ainda assim, ele nos vê suficientemente equipados para levar a cabo a tarefa com o pouco que há em nossas mãos. Ele se encarregará de multiplicar, sempre e quando estamos dispostos a obedecê-lo em fé.

Enquanto Isaías, diante do chamado do Senhor “Quem enviarei como mensageiro a este povo? Quem irá por nós?”, respondeu com seu famoso “Aqui estou; envia-me” (Is 6.8), Moisés respondeu “Aqui estou!” (Ex 3.4), (…) “envia qualquer outra pessoa!” (Ex 4.13). Não temos feito o mesmo ao dizer “A tarefa global não é para nós, não temos os recursos, não sabemos como fazer…”? Quando o pregador convida a aceitar o desafio, logo pensamos: “Este convite é para fulano ou beltrano, não para mim”. É como se nossa resposta fosse mais ou menos a seguinte: “Senhor, sempre estou disposto/a a tudo, mas é melhor que aquele/a irmão/irmã faça…” Bem, devemos então saber que não há nada que irrite mais ao Senhor que desculpas diante de seu chamado: “Então o Senhor se irou com Moisés…” (Ex 4.14). Queremos provocar sua ira?

Moisés queria garantias (como Gideão), e nós também! Mas como a obra vai ser uma obra de fé que glorifique a Deus se temos tudo garantido de antemão? Para as desculpas de Moisés, Deus disse: “Eu estarei com você. Este é o sinal de que eu sou aquele que o envia: depois de você tirar o povo do Egito, vocês adorarão a Deus neste monte” (Ex 3.12). Pois bem, que tipo de sinal é esse? É como se, a quem pede “Dê um sinal de que poderei acabar a universidade”, ele respondesse: “O sinal é que, quando acabar, te darão um diploma”. Ora, quando me entregarem o diploma, já não necessitarei de sinal, já terei acabado! Mas o que Deus está dizendo é: “Se eu te digo que vai ser possível, por que duvidar? Para mim, já está feito. E tão certo é isso que já te vejo adorando neste monte (ou com o diploma)”.

O que temos em nossas mãos?

Moisés tinha uma vara (Ex 4.2), sua vara de pastor, que havia sido útil por quarenta anos. Ela representava o seu ofício, a experiência adquirida em guiar rebanhos, em encontrar mananciais de água, sua dedicação diária ao trabalho. Nós também temos isso: nossos labores cotidianos, nossos recursos diários, nossas habilidades pessoais. Quando chegamos a Istambul, nem o idioma tínhamos, então, com lápis e papel na mão (eu estudei Belas Artes e trabalhei como ilustrador), quando fazia compras, desenhava um pão, um ovo… ou, quando nosso filho ficava doente, um termômetro.

Pode um bom prato de comida caseira mudar o destino da obra do Senhor? Pode! No ano de 92, houve os Jogos Olímpicos de Barcelona. Por meio de um aluno de espanhol (minha mulher dava aulas em uma universidade de Istambul em um programa do Instituto Cervantes), o pai desse aluno, que era o presidente da Federação de Luta Greco-Romana do Comitê Olímpico Turco, nos contatou: “Poderiam recomendar alguém para mostrar a cidade de Barcelona?”. Ele havia sido chefe de polícia de Istambul, uma personalidade conhecida e importante. Eu o coloquei em contato com minha mãe e disse: “Trate-o bem, prepare uma boa refeição… nunca se sabe…”. Minha mãe os recebeu em casa, e minha irmã mostrou a cidade. Anos depois, em 1998, havíamos iniciado o processo para registrar oficialmente nossa igreja em Istambul como fundação religiosa. Ninguém antes havia tentado isso. Naquela época, esse senhor se candidatou como prefeito de Istambul. Orávamos, orávamos e orávamos para que Deus, por meio dele, nos abrisse uma porta. O que aconteceu? Não foi eleito! Que desilusão!

Naquela época, iniciávamos também o estabelecimento de uma obra em Kocaeli, uma província hostil da Turquia.  A polícia interditou o edifício que usávamos, nos ameaçou dizendo que jamais poderíamos estabelecer uma igreja ali, e bateram nas equipes que nos ajudavam. Justo nessa época tal senhor foi nomeado ministro do interior. Orávamos por um prefeito, e o Senhor nos deu um ministro! Frente às agressões das autoridades locais, liguei para ele e disse: “Lembra-se de minha mãe…?”. Ele respondeu: “Como não? Como ela está?”. Em seguida, interessou-se pela situação. No dia seguinte, a polícia veio nos pedir desculpas e se colocar à nossa disposição. Pedíamos algo grande, e o Senhor nos deu algo maior! Tudo “por conta” de um prato de comida! Mesmo as coisas que parecem mais triviais Deus usa para sua glória. A igreja que nos disseram que jamais abriria ali segue firme depois de mais de 20 anos!

Os recursos (ou a falta deles) nunca são o empecilho. A resposta dos tessalonicenses ao chamado de Paulo mostra isso: “…tornaram-se exemplo para todos os irmãos na Grécia, tanto na Macedônia como na Acaia. Agora, partindo de vocês, a palavra do Senhor tem se espalhado por toda parte, até mesmo além da Macedônia e da Acaia, pois sua fé em Deus se tornou conhecida em todo lugar. Não precisamos sequer mencioná-la, pois as pessoas têm comentado sobre vocês…” (1Ts 1.7-8). Chegaram com a palavra a todas as partes a ponto de deixar Paulo sem trabalho! Por que tinham recursos? Não, a igreja de Tessalônica era das mais pobres: “Irmãos, queremos que saibam o que Deus, em sua graça, tem feito por meio das igrejas da Macedônia. Elas têm sido provadas com muitas aflições, mas sua grande alegria e extrema pobreza transbordaram em rica generosidade. Posso testemunhar que deram não apenas o que podiam, mas muito além disso, e o fizeram por iniciativa própria” (2Co 8.1-3). As igrejas mais pobres eram as mais dadivosas “pois seu primeiro passo foi entregar-se ao Senhor…” (2Co 8.5). Esta é a chave: dar-se ao Senhor, assumir que ele tem os recursos, recursos esses que já nos deu e vai utilizar, multiplicando e tirando de nossa “fraqueza transformada em força” uma obra de poder para ele (Hb 11.34).

Enfrentando os medos e as limitações

Quando Moisés ofereceu a Deus o que tinha em suas mãos, o Senhor mandou jogar a vara no chão, e ela se transformou em uma serpente. A Bíblia relata que “Moisés fugia dela” (Ex 4.3) – precisava enfrentar, assim como nós, os medos. Por isso, “o Senhor lhe disse: ‘Estenda a mão e pegue-a pela cauda’” (Ex 4.4). O pior lugar para agarrar uma serpente, quando se tem medo, é pela cauda, pois ela se enrola e pica. Como dizemos: ao touro se deve agarrar pelos chifres, não pela cauda. Ainda que seja o lugar mais perigoso, evita uma chifrada (claro, bem melhor quando é uma vaquinha). Se a serpente se enrola, um tranco a afasta da mão. Mas não foi necessário, pois, quando Moisés agarrou a serpente, ela se transformou de novo em uma vara (Ex 4.4) – Deus quer nos ensinar a transformar os desafios em vantagens.

Em nossos primeiros anos de serviço, o sustento era tão pouco que tivemos de, por três meses, nos alimentar de um saco de lentilhas que uns iranianos (com quem compartilhamos o andar até que partiram como refugiados para o Canadá) haviam deixado. Isso até descobrirmos patas saindo das lentilhas: estavam infestadas de uns bichinhos que nos dissuadiram de continuar cozinhando-as (mas não podemos dizer que tivemos falta de proteínas durante esses três meses prévios!). Tão grandes eram nossas limitações econômicas que nunca passamos pelo que outros obreiros com sobra de recursos às vezes passam, ou seja, ninguém se aproximou de nós simulando interesse pelo evangelho quando, na verdade, o que realmente esperavam era poder tirar algum benefício econômico. Se alguém nos dava ouvidos, era porque, de verdade, tinha um interesse espiritual.

Deus quer fazer de nossas debilidades nossa fortaleza para sua glória exclusiva!

Quando Deus o chamou, após esgotar todas as demais objeções, Moisés disse: “Ó Senhor, não tenho facilidade para falar, nem antes, nem agora que falaste com teu servo! Não consigo me expressar e me atrapalho com as palavras” (Ex 4.10). Estudei na Escola Suíça de Barcelona. Supõe-se que eu deveria dominar o alemão, mas era tão mau estudante que em toda a história da escola sou o único aluno que não obteve o “Grundstufe”, certificado de nível básico que, para meus companheiros, era muito fácil. E, já adulto, tive de aprender turco, um idioma ainda mais complexo, aparentado com o japonês ou o coreano! Pois bem, em poucos anos, em uma ocasião em que estava ajudando um guia turístico espanhol em um tour pelo Bósforo, ia ao lado do piloto da embarcação lendo em espanhol as curiosidades dos lugares pelos quais passávamos, e, entre uma e outra explicação, conversava em turco com ele. Em determinado ponto, ele me olhou e disse: “Posso te fazer uma pergunta?”. “Pois não”, respondi. Ele, então, acrescentou: “Onde você aprendeu a falar tão bem… o espanhol?”.

Conclusão

  • Tudo o que pode parecer impedimento, quando atendemos ao chamado do Senhor, ele é capaz de converter em vantagem.
  • A abundância ou a carência de recursos nunca podem ser tomadas como base para se declinar ou não do chamado. Evidentemente, devemos ser administradores responsáveis, isto é, não nos jogarmos em aventuras temerárias. Não falo disso. O que digo é que o Senhor já nos deu tudo que é necessário para levar a cabo o seu trabalho, aquele para o qual fomos chamados.
  • Os recursos que ele busca não são nossa riqueza ou pobreza, mas nossa fidelidade e nossas vidas consagradas a ele e à sua obra. Deus tem os recursos restantes!

Em nossa experiência, passamos por situações desesperadoras, mas em todas elas sempre relembrei deste trecho da Escritura: “Que soldado precisa pagar pelas próprias despesas?” (1Co 9.7). Definitivamente, eu disse a Deus que, se ele nos mandou cumprir uma tarefa, ele tem que prover os recursos. Porque é sua tarefa, não nossa. E o Senhor sempre respondeu favoravelmente! Usando o esquema de Romanos 3.29, é Deus somente Deus dos que se aventuram? Ou não é ele também Deus de todos aqueles a quem chama? E o Senhor nos chamou a todos para a tarefa global!

 

O texto foi extraído do livro Recomponiendo La Missión Con Jesús – Reflexiones sobre la misión, sobre la tarea global y sus implicaciones para el mundo [Recompondo a missão com Jesus – Reflexões sobre a missão, sobre a tarefa global e suas implicações para o mundo], publicado na Espanha por Impresiones em 2018. O Martureo recebeu autorização do autor para traduzi-lo e publicá-lo. Tradução: Lucas F. R. Juknevicius. Edição: Fernanda Schimenes.

 

Sobre o autor
Carlos Madrigal nasceu em 1960 em Barcelona e reconheceu Jesus como Senhor e Salvador com 20 anos. Formado em Belas Artes, de 1982 até 1995, trabalhou em diversas agências de publicidade como diretor de arte, tanto na Espanha quanto na Turquia. Em 1985, ele e a família mudaram para Istambul para servir ao Senhor ali, onde estabelecem várias igrejas e diversos ministérios que continuam liderando até hoje. Estudou também Literatura Turca (Universidade de Istambul) e Teologia. Em 2001, começou a trabalhar oficialmente como pastor fundador na Igreja Protestante de Istambul, primeira igreja evangélica não étnica reconhecida oficialmente pelo governo da Turquia (www.fipestambul.org). Publicou 15 títulos em língua turca de temas diversos: devocionais, doutrinais, evangelísticos, exegéticos e apologéticos.

 

[1] As citações bíblicas foram extraídas da Nova Versão Transformadora, salvo quando especificado.

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