Transmissão Global, Missão Global (Parte 6/6)
O impacto e as implicações da pandemia de Covid-19: “Oração: o último recurso? e “Razões para esperança”
Jason Mandryk
O conteúdo a seguir é a quarta de seis parcelas do e-Book de mesmo título publicado pela Operation World. Foi originalmente escrito em inglês, e o Martureo recebeu autorização para traduzir para o português e republicar o material.
Se preferir, leia antes:
Parte 1/6 – “Prefácio” e “Adentrando o desconhecido”, texto que traz os itens 1 a 6;
Parte 2/6 – “Visão amplificada – questões socioculturais” e “Mas e a economia?”, texto que traz os itens 7 a 21.
Parte 3/6 – “Testemunho cristão em tempos de pandemia” e “Vida da Igreja durante o lockdown”, itens 22 a 35.
Parte 4/6 – “Mobilização para Missões” e “Envio missionário”, itens 36 a 50.
Parte 5/6 – “Realidades do campo missionário” e “Mídia cristã”, itens 51 a 67.
Oração: o último recurso?
Agora, eis uma área por meio da qual o corpo de Cristo pode brilhar. Arriscaria dizer que, por conta da interrupção forçada de tantas outras atividades, é nosso dever intensificar nossa dedicação à oração, e incentivar outros a fazer o mesmo. É o momento ideal para a Igreja global não apenas cultivar a disciplina da oração, mas também demonstrar o poder da oração!
68. Não se controla a intercessão. Orar pelas nações, é para isso que a Operation World existe. Apesar disso, esse tópico não desperta o interesse de muitas igrejas, sendo às vezes até ignorado. Quando falo sobre intercessão, procuro mostrar o quando ela é essencial a partir destes quatro pilares:
- A obrigatoriedade da oração (os crentes são instruídos a isso ao longo de toda a Escritura);
- A acessibilidade da oração (qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode orar, não importa quem seja);
- A eficácia da oração (assim como a missão, a intercessão funciona – mas pode levar tempo);
- A satisfação da oração (somos designados a nos deleitar na presença de Deus, e a cumprir nosso papel sacerdotal de intercessão).
O segundo desses pilares tem uma relevância particular para os milhões e milhões de cristãos confinados em casa agora. No livro No Greater Power [Nenhum Poder Maior], Richard Halverson escreve: “A intercessão é um trabalho verdadeiramente universal para o cristão. Nenhum lugar está fechado para a oração. Nenhum continente, nenhuma nação, nenhuma organização, nenhuma cidade, nenhum escritório. Não há poder na terra que possa impedir a intercessão”. Nas palavras de Stephen Gaukroger, “a oração não precisa de passaporte, visto ou permissão de trabalho. Não existe ‘país fechado’ quando se trata de oração (…), grande parte da história da missão diz respeito a Deus movendo-se em resposta à oração persistente”. Os bloqueios e quarentenas não oferecem barreiras à intercessão global. Eles funcionam, na verdade, como molas propulsoras!
Muitos de nós estão acompanhando os noticiários mais que habitualmente; e se aproveitássemos melhor nosso tempo substituindo notícias por tempo de oração?
69. Eventos de oração on-line estão se multiplicando. Nos últimos tempos, estão acontecendo várias reuniões para oração on-line, reunindo pessoas em salas virtuais de intercessão em todo o mundo. Trata-se de um acréscimo à já formidável quantidade de iniciativas tanto on-line como off-line que havia antes mesmo da Covid-19. Em 1º de maio de 2020, centenas de milhares de fiéis de todo o mundo se uniram em oração no WorldPrayerTogether, uma iniciativa do movimento Go2020 (em conjunto com a Internacional Prayer Connect) para intercessão. O sonho do Go2020 era que maio deste ano fosse um mês de evangelismo sem precedentes, com milhões chegando [a Jesus], alimentados por milhões a mais em oração. Foi interessante ver as diversas expressões digitais do Go2020 acontecendo em muitos países ao redor do mundo [mesmo nos que estão com a pandemia controlada e, portanto, em fase de flexibilização das restrições, ainda não são permitidos grandes ajuntamentos de pessoas]. O que vemos acontecer neste tempo em que eventos de evangelismo em larga escala estão proibidos são pessoas orando e compartilhando [o evangelho] dentro de seus próprios círculos relacionais. Pode-se dizer que estamos em um excelente momento para explicar a esperança que existe dentro de nós. Outra iniciativa ampla e que vale ser mencionada é o movimento Unite714: ele chama os cristãos a orar pelo fim da pandemia do coranavírus [e por um despertar entre as nações] com base em 2 Crônicas 7.14.
Apenas semana passada, soube de diversos encontros de oração on-line acontecendo na China. Confinados por conta da Covid-19, os crentes estavam se reunindo virtualmente para interceder pela China e pelas nações 24 horas por dia, 7 dias por semana. E os encontros não eram pequenos – estamos falando de algumas centenas de participantes e de diversos encontros!
A Gebetshaus (em uma tradução literal, “casa de oração”), em Augsburgo, é uma expressão maravilhosa do movimento carismático católico alemão. Eles têm no DNA paixão por adoração e oração, e isso ressoou em uma geração mais jovem de língua alemã mundo afora a ponto de suas conferências de oração (MEHR) se espalharem para muito além dos limites do catolicismo alemão e do movimento carismático. O impacto das iniciativas de oração da Gebetshaus durante a crise de coronavírus, bem como a transmissão ao vivo de eventos, na sociedade alemã altamente secularizada (e até em círculos do governo) foi maior do que eles haviam previsto.
O 24-7 Prayer é outro incrível movimento global de oração. Uma das muitas coisas que fazem é capacitar os crentes a iniciar suas próprias salas de oração. Cristãos – em qualquer lugar, de qualquer tradição – podem registrar essas salas de oração no site no 24-7 e obter excelentes recursos sobre como tornar a reunião uma experiência mais enriquecedora e inspiradora. Eles tiveram tantas inscrições nos meses de março e abril de 2020 quanto normalmente há em um ano! As pessoas definitivamente estão orando.
Além disso, parece haver um aumento no número de pessoas que estão orando. No Reino Unido, uma pesquisa recente indicou que um em cada vinte adultos que nunca antes havia orado começou a orar. Resultados semelhantes são encontrados em outras nações europeias.
A lista poderia prosseguir. As iniciativas mencionas são apenas algumas dentre as de maior destaque. Há muitas outras operando em nível regional e comunitário, várias, inclusive, não podem ser mencionadas por questão de segurança. E, claro, existem coisas acontecendo que nem sequer temos ideia.
70. Buscas on-line por oração aumentaram. Uma economista dinamarquesa acompanhou as pesquisas via Google por oração durante alguns meses desde o surto inicial de Covid-19. Para os que gostam de analisar dados, o artigo dela é muito interessante; ele mostra que em todos os países, exceto nos menos religiosos, as pesquisas na Internet pelo tópico “oração” aumentaram significativamente nos últimos meses – desde que os dados foram disponibilizados (2004), são os níveis mais altos. Embora tais números não mostrem que as pessoas estão, necessariamente, orando mais (ou que mais pessoas estejam orando), é no mínimo fascinante observar como ferramentas de pesquisa orientadas para a economia podem ser aplicadas a tópicos espirituais.
71. É melhor interceder junto, e a intercessão global é melhor quando feita globalmente. Isso extrapola o princípio bíblico de que dois ou três reunidos em nome de Jesus experimentarão sua presença no meio deles. Isso vai além de uma vida de oração responsável e praticada em parceria com outros cristãos. A intercessão global, de modo especial, quando realizada em colaboração com nossos irmãos do Sul global, fornece um antídoto para nossa descrença tórpida. Nós, no Norte global, desfrutamos de um modo de vida seguro, protegido e rico, talvez o mais privilegiado desde que Adão e Eva deixaram o jardim. Pelo que precisamos orar quando já temos tudo?
Ano passado, em uma conferência missionária, ouvi o testemunho de um incrível homem da África. Ele ministra no Chifre da África [região sudeste do continente africano que inclui Somália, Etiópia, Eritreia e Somalilândia] a um grupo de pessoas não alcançadas que estão entre as mais necessitadas do mundo.
Ele disse que, quando está em uma região remota [de selva], com regularidade as pessoas levam até ele quem está doente; ele, então, ora pelos enfermos, e as pessoas são frequentemente curadas. Mas, quando ele visita o Ocidente e os doentes são trazidos a ele, ele os envia para o hospital. A acesso fácil à cura disponível no mundo, a falta de fé das pessoas e o efeito do ambiente em sua própria fé contribuem para tal.
Em seu livro Missions and Money [Missões e Dinheiro], meu próprio mentor em missões, Dr. Jonathan Bonk, declarou:
O agnosticismo subliminar ocidental não é deliberado, mas parece ser o modo padrão de segurança material e física do ser humano. Nós até nos esforçamos bastante para crer: há alguns mais devotos que participam das reuniões de oração! Mas nossa riqueza torna Deus necessário apenas em um sentido ontológico ou religioso. A oração (como um estudo bíblico sobre o assunto rapidamente revela) não é a atividade de pessoas que estão no controle razoável de suas vidas, ela é o refúgio de pessoas fracas, esgotadas e desesperadas, cujas circunstâncias de vida demandam recursos que elas não têm disponíveis [em suas mãos]. Uma “boa” organização missionária tomará todas as providências possíveis para garantir que todos os aspectos da vida de um missionário sejam endereçados. É um cuidado natural, louvável e – humanamente falando –desejável. Mas ele deixa Deus aparentemente com muito pouco o que realmente fazer em nossas vidas.
Pode ser que os contratempos que colocam em xeque o conforto e a confiança ocidentais nos levem à oração, ainda que apenas temporariamente. Talvez a paixão, a autoridade e poder que nossos irmãos e irmãs do Sul global demostram no exercício da oração nos convençam e nos inspirem a elevarmos o nosso padrão. Pode ser que, quando virmos Deus respondendo às nossas fervorosas orações, sejamos compelidos a ir mais fundo.
72.Ondas de intercessão precedem novas ondas de despertar missionário. Isso é especialmente verdadeiro no movimento missionário protestante. Ondas de envio missionário – por exemplo, dos morávios, de William Carey, de Adoniram Judson e do Student Volunteer Movement [Movimento de Estudantes Voluntários] –, que levaram aos campos transculturais muitos trabalhadores, sempre aconteceram após um aumento da intercessão global em suas comunidades de fé. Nesses exemplos, bem como nos exemplos das comunidades monásticas missionárias mencionadas anteriormente, foi a oração consistente que provocou a irradiação das boas novas na direção de comunidades nos confins da terra.
73. A intercessão é nossa melhor estratégia, ainda quando recorremos a ela apenas em último caso. O fato de termos a oração como último recurso é uma das consequências não intencionais do agnosticismo subliminar descrito por Bonk anteriormente. Afinal, temos tantos outros recursos que nos servem muito bem. Por que, então, tratar a oração como algo diferente de um carimbo espiritual quando nossa riqueza, conhecimento e capacidade organizacional podem levar o crédito por si próprias?
A história de missões e do crescimento da Igreja na China no século 20 é realmente memorável. Cerca de 140 após Robert Morrison, o primeiro missionário protestante, ter chegado em Macau, os comunistas assumiram o poder daquela grande nação. Centenas de missionários tinham servido fielmente desde então: estima-se que havia um milhão de cristãos protestantes chineses, além de outros três milhões de católicos. O Partido Comunista da China começou a expulsar todos os missionários estrangeiros logo após seu triunfo em 1948. O desenrolar dos acontecimentos foi devastador; após a destruição e o sofrimento causados pela ocupação japonesa, pela Segunda Guerra Mundial e pela Guerra Civil Chinesa/Revolução Comunista, a Igreja, mais do que nunca, precisava dos missionários. Como a Igreja na China conseguiria sobreviver?
Sem poder enviar missionários, a Igreja global orava cada vez mais pela China, especialmente pelos irmãos cristãos, que sofriam sob a mão pesada do ateísmo patrocinado pelo Estado. A intercessão sincera e persistente por anos e até décadas aconteceu sem que houvesse meios (ou houvesse muito poucos) de se descobrir o que essas orações estavam produzindo. Começaram, então, a surgir notícias de que o cristianismo não havia sido extinto na China. O cristianismo perseverou, e até cresceu em número de fiéis, na clandestinidade e em meio a fortes perseguições. Isso superou todas as expectativas! Embora a fé e a perseverança de nossos irmãos chineses em meio à pobreza e à perseguição tenham sido o combustível para o crescimento da Igreja, eles próprios reconhecem o papel vital que a intercessão global persistente desempenhou.
Hoje, o número de cristãos na China é maior que em qualquer outra nação (exceto Estados Unidos, Brasil e, possivelmente, México). Os crentes chineses têm profundo amor pelas Escrituras, poderoso compromisso com a oração e visão de enviar missionários aos confins da terra. Hoje, embora não observemos em outro nenhum outro lugar uma escalada de crescimento da magnitude da que ocorreu na Igreja chinesa, podemos identificar a mesma dinâmica descrita em menor escala: igrejas plantadas por missionários cheios de fé; em seguida, cristãos locais passando por sofrimentos e perseguições; em paralelo, intercessores orando de forma consistente; como resultado, crescimento significativo da Igreja em várias nações nos últimos anos. Indonésia, Camboja, Mongólia, Albânia, Irã, Vietnã e Etiópia são alguns dos exemplos mais importantes. Identificam-se os mesmos fatores em povos [antes] não alcançados nos quais houve avanço da propagação do evangelho. A história de James Fraser entre o povo Lisu é um exemplo poderoso dessa dinâmica.
Vale ressaltar que não podemos aplicar fórmulas espirituais reducionistas, que produzem, como em um experimento clínico, resultados idênticos e previsíveis. Existem inúmeros fatores em jogo – incluindo a feroz resistência do inimigo, que se opõe ao avanço das boas novas de Jesus com todas as suas forças. No entanto, sabemos que temos autoridade em nome de Jesus, que as armas de nossa guerra são poderosas para derrubar fortalezas, e que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja de Jesus!
Razões para esperança
Em meio a tamanha incerteza, desconfiança, desespero e frustração, os cristãos devem, acima de tudo, disseminar esperança. Eis algumas razões para isso.
74. Somos um povo de esperança. Conhecemos a grande história [da qual a nossa história faz parte], a história de um Deus bom reconstituindo um mundo bom, de um Salvador amoroso que inaugurou a redenção não apenas da humanidade, mas de todo o cosmos. O ponto culminante (clímax) de nossa história (mas não o fim, porque não há fim) tem como imagens uma bela cidade, com um jardim igualmente belo no centro; e um banquete de casamento, onde os convidados são como um adorno da bela noiva. A visão de mundo materialista, por sua vez, termina com a inevitável extinção da humanidade, que se dá muito antes da também inevitável extinção do universo em decorrência do superaquecimento. Desde os mais impressionantes acontecimentos até a simplicidade da vida diária, os cristãos têm motivos para celebrar as incontáveis alegrias e deleites embutidos na própria criação de Deus, na própria existência. Ao criar o mundo, Deus declarou que o que havia sido feito era “muito bom” – não é mero acidente podermos encontrar regozijo nele.
O sofrimento não existe por vontade de Deus, mas Deus dá ao sofrimento um propósito redentor, tendo ele próprio o experimentado em Jesus; e Deus promete um dia enxugar toda lágrima de nossos olhos (Ap 21.4). Mesmo em um contexto de perseguição deliberada e hostilidade, Pedro escreve: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês” (1Pe 3.15 NVI). A Bíblia não fornece uma explicação estanque para todo sofrimento, mas oferece esperança em meio ao sofrimento e propósito para ele. Isso contrasta com a resposta de um materialista ao sofrimento, e eu diria que com as respostas de outras religiões do mundo também. Temos, neste tempo de reclusão, oportunidade para compartilhar essa esperança – uma esperança que muitos estão desesperados para encontrar.
75. Fomos libertos do medo. “Não temam” é o comando mais frequente nas Escrituras – há 145 versículos que dizem isso. Seja a respeito do futuro desconhecido ou do presente turbulento, podemos lançar sobre ele toda a nossa ansiedade, porque ele tem cuidado de nós (1Pe 5.7). João, ao registrar seu terror diante da magnificência da aparição de Jesus, estava seguro de que Jesus é o primeiro e o último, o que vive, o que possui as chaves da morte e do Hades (Ap 1.17-18). O medo e até a morte não têm poder sobre nós – Cristo venceu. Sem dúvida, agora é a hora de falarmos [da esperança que temos] e de vivermos sem medo em um mundo onde muitos são dominados pelo medo e assombrados pela morte. A ousadia dos primeiros cristãos em proclamar sem medo as boas novas de Jesus foi, na verdade, uma resposta às suas próprias orações. Em Atos 4, como resposta à perseguição e às ameaças, os crentes oraram pela permissão de Deus para proclamar sua palavra com grande ousadia. Que essa seja nossa oração hoje.
A coragem dos cristãos durante tempos de pragas é ainda mais memorável.
Seja na época da igreja primitiva durante o Império Romano, ou na (bem conhecida) sabedoria de Martinho Lutero ao lidar com a Peste Negra, ou no desprendimento do povo de Eyam ao permanecer em quarentena enquanto a praga devastava sua aldeia, ou no ministério de Charles Spurgeon durante um surto de cólera, a resposta cristã é marcada tanto pelo cuidado com o outro quanto por uma atitude ousada diante da morte – “Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio” (2Tm 1.7 NVI).
76. Temos uma incrível oportunidade de mostrar nossa unidade em Cristo. Alguns dizem ser óbvio que a oração registrada em João 17.21 é, historicamente, a que mais aguarda resposta: “Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”. Como Igreja, é perceptível que estamos ainda mais divididos que até mesmo as milhares de denominações existentes indicariam. A política, talvez mais que a teologia, parece alimentar a divisão e a quebra de comunhão entre os cristãos em alguns lugares. Contudo, parece que, no quesito utilização de palavras duras e sem amor, somos campeões; sendo melhores nisso que em perseguições entusiasmadas contra outros grupos religiosos, ou mesmo em guerras sangrentas conduzidas por seguidores de Cristo (uns contra os outros!) por séculos.
É indiscutivelmente mais fácil comprometer a unidade em momentos de conforto e abundância, quando temos o luxo de debater questões periféricas como se fossem questões centrais do evangelho. Como outro líder de missão compartilhou de forma anônima, o termo que traduzimos para o inglês como “in one accord” [“em um acordo” em tradução literal, mas a ideia seria algo como “com o mesmo pensamento”] aparece 12 vezes no Novo Testamento. Dez deles estão em Atos, onde temos o relato de como a igreja primitiva elaborava a maneira como deviam ser a Igreja [de Jesus] em meio a fome, pobreza, ensinamentos falsos e perseguição. Nesta pandemia global, temos a chance de demonstrar uma unidade que transcende raça, idade, sexo, nacionalidade, posição econômica e qualquer outra identidade que o mundo use para fomentar divisões. Uma bela expressão dessa verdade atemporal é a versão que está no YouTube da canção The Blessing, lançada recentemente por um ajuntamento de mais de 65 igrejas de diferentes denominações no Reino Unido. Esse vídeo se tornou viral, e extrapolou o modesto contexto cristão britânico. Uma música muito mais antiga expressa o seguinte em sua letra: “E oramos para que um dia nossa unidade seja restaurada, e eles saberão que somos cristãos pelo nosso amor”. Que isso se torne real como resultado deste tempo sem precedentes.
77. Em meio à turbulência, o Salvador ainda salva. Apesar de a hostilidade ao cristianismo ter aumentado, e de os cristãos serem motivo de piadas em alguns círculos, as pessoas são, como sempre, atraídas pela pessoa de Jesus. Os ateus podem zombar dos cristãos, mas o pior que parecem fazer a Jesus é questionar sua historicidade. Ainda assim – mesmo que grande parte da Igreja pareça querer tornar a fé cristã algo não palatável aos ateus –, pessoas desse contexto estão crendo em Jesus.
O islã é o perseguidor mais voraz dos cristãos em todo o mundo, mas, para os muçulmanos, Isa [como chamam Jesus] é altamente estimado, ele é considerado um verdadeiro profeta, a ‘palavra de Deus’ e sem pecado. [De 23 de abril a 23 de maio deste ano, aconteceu o Ramadã (nono mês do calendário muçulmano, considerado sagrado)], e, paralelamente, transcorreu a maravilhosa iniciativa 30 Days of Prayer for the Muslim World [30 Dias de Oração pelo Mundo Muçulmano], chamando os cristãos a orar pelos muçulmanos e a conhecê-los. Desde que essa iniciativa começou, há 27 anos, muitos muçulmanos encontraram Jesus, um número bem maior do que em qualquer outro momento da história do islã.
Vale lembrar que, durante a pandemia, tanto a observação do Ramadã como outros dois (de um total de cinco) pilares do islã foram afetados pelas restrições impostas pela Covid-19. Na maior parte dos lugares, os muçulmanos não podem se reunir para orar, e o Hajj (peregrinação realizada à cidade santa de Meca prevista para o final de julho e início de agosto de 2020) pode precisar ser cancelado. Que efeitos e resultados espirituais isso pode ter?
A situação dos imigrantes – não apenas na Europa mas principalmente nesse continente – tem gerado sofrimento humano para milhões que tiveram de fugir de suas pátrias. São muitas as histórias de tragédias e, apesar delas, muitos deles estão encontrando Jesus por meio da atuação de cristãos como os da rede The Refugee Highway. O poderoso documentário (livre para ser assistido) Jesus in Athens [Jesus em Atenas] é apenas um dos exemplos de como Deus está trabalhando em meio ao sofrimento humano da crise dos migrantes. O ponto principal é que, quando somos capazes de transpor os preconceitos e mal-entendidos em relação ao cristianismo, e apresentar o verdadeiro Jesus, pessoas e comunidades são transformadas.
78. Temos a oportunidade de redefinir nossas vidas e nossas sociedades. É um tempo em que podemos, de maneira genuína, desfrutar do que conhecemos por sábado ou jubileu. A “correção de curso” mencionada no início deste e-Book pode ser aplicar não apenas a civilizações e nações, mas também a igrejas, agências, congregações e até a crentes individualmente. A maioria de nós está rapidamente se dando conta da quantidade de lixo acumulado em nossas vidas – na melhor das hipóteses, desnecessário, e, na pior, prejudicial. Nesse período de isolamento, podemos ter nossos ídolos esmagados, e nossos caminhos, endireitados. Somos obrigados a reavaliar, recalibrar, redescobrir, reconsagrar e uma porção de outros “res”! Que tais oportunidades não sejam desperdiçadas. Quanto à missão, espero que, enquanto boa parte da Igreja global aproveita esta oportunidade para se aprofundar em Deus, também nos conectemos de forma mais íntima e profunda à Missio Dei, e desenvolvamos em nós o coração de Deus, que está inclinado a todas as nações e a todos os povos.
79. Inovar é obrigatório. Isso pode ser extremamente perturbador, mas também pode ser uma bênção disfarçada. Existem oportunidades maravilhosas no meio do caos (certamente alguns empreendedores ficarão extremamente ricos aproveitando-as). Considere a distância que existe em tantas sociedades e igrejas quando falamos de jovens e idosos. Os jovens fazem parte de uma geração para a qual o ambiente digital e a consciência global são naturais, ao passo que os mais velhos (de modo geral, é claro) precisam ser treinados a respeito desses mesmos temas! O discipulado on-line, bem como a súbita necessidade de jovens cristãos e jovens igrejas [em lugares em que o cristianismo tem pouca ou nenhuma história, e cuja liderança local tem pouco tempo de caminhada com Cristo] assumirem as rédeas do esforço missionário, são apenas mais dois exemplos em que a ruptura promove (ou obriga) a inovação, e, assim, há avenço.
O que foi feito para que houvesse progresso no cumprimento da Grande Comissão por essa última geração foi de fato notável. Há cristãos autóctones reunindo-se para adorar a Jesus em todas as nações geopoliticamente reconhecidas na atualidade. Vimos nossa conscientização a respeito dos diversos grupos etnolinguísticos do mundo e nosso engajamento com eles progredir. Vimos equipes multiculturais e parcerias entre várias agências se estabelecerem. Vimos como o Sul global emergiu não apenas como a Igreja majoritária, mas como a força missionária majoritária. Nós aplaudimos (embora alguns tenham aplaudido com um ligeiro nervosismo) quando os líderes de missão no Sul global se tornaram de fato os líderes globais na missão global.
Ainda resta muito a ser feito. Mas a tarefa não será concluída se continuarmos a atuar como de costume. Antes, a reformulação radical da missão era uma aspiração teórica, a partir de 2020, é uma necessidade real iminente.
80. Deus é o Senhor da colheita, não nós! Todas as nossas estratégias, programas, recursos e esforços não podem realizar a obra de Deus por conta própria. De outro lado, Deus pode realizar o que deseja sem a nossa ajuda! Ele graciosamente convida seus filhos para serem coparticipantes nessa obra de restauração, mas é de Deus a missão do começo ao fim. O exemplo do milagroso crescimento da igreja na China ilustra como Deus não depende exclusivamente de missionários para realizar seus planos redentores! O número crescente de pessoas que nunca haviam tido contato com o evangelho e cuja jornada para a fé foi iniciada a partir sonhos e visões de um Jesus antes inédito demonstra que o Bom Pastor está buscando ativamente a ovelha perdida. Perceber isso é mesmo um alívio, liberta-nos das armadilhas da produtividade e do desempenho. Devemos plantar e regar, mas é Deus quem faz crescer (1Co 3.6). O fato de Deus, ainda assim, nos convidar a ser embaixadores de seu Reino, e de que nossa vida pode realmente ter um impacto no cumprimento de seus planos soberanos, (2Pe 3.11-12) é um paradoxo maravilhoso. Ao mesmo tempo que nossa obediência pode contribuir para a aceleração, ou nossa desobediência, para o atraso, Deus nos assegura que suas promessas serão cumpridas, e que sua missão será cumprida. Qual papel você vai desempenhar?
Sobre o autor
Jason Mandryk é canadense – fez seu mestrado em Estudos Cristãos Globais no Providence Theological Seminary –, mas vive na Inglaterra. Ele trabalha com a publicação Operation World, literatura cristã que compila pesquisas e dados de países em todo o globo e também um guia de oração. Inicialmente foi coautor e agora é o autor.