Transmissão Global, Missão Global (Parte 4/6)

O impacto e as implicações da pandemia de Covid-19: “Mobilização para Missões” e “Envio missionário”

Jason Mandryk

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O conteúdo a seguir é a quarta de seis parcelas do e-Book de mesmo título publicado pela Operation World. Foi originalmente escrito em inglês, e o Martureo recebeu autorização para traduzir para o português e republicar o material.

Se preferir, leia antes:

Parte 1/6 – “Prefácio” e “Adentrando o desconhecido”, texto que traz os itens 1 a 6;

Parte 2/6 – Visão amplificada – questões socioculturais” e “Mas e a economia?”, texto que traz os itens 7 a 21.

Parte 3/6 – “Testemunho cristão em tempos de pandemia” e “Vida da Igreja durante o lockdown”, itens 22 a 35.

 

Mobilização para Missões

36. As restrições impostas pela Covid-19 tornam-se restrições para missões. Não importa como interpretemos o escopo da Grande Comissão, é evidente que não discipulamos todas as nações para obedecer a tudo aquilo que Jesus ordenou. Também sabemos que, pelo menos nos Estados Unidos, o próprio termo “Grande Comissão” não é familiar a boa parte dos que frequentam igrejas cristãs. Não espero que em outros países isso seja diferente. Fica claro que o trabalho de mobilização para missões está longe de ser bem feito. Contudo, igrejas em muitos lugares do mundo não podem se reunir presencialmente, pelo menos no momento. A vida digital da igreja consiste em boa parte de uma transmissão unidirecional da equipe de liderança da igreja, e de videoconferências no caso de congregações menores e grupos pequenos (células).

Ao passo que, no primeiro caso, o anonimato é o padrão, nas videoconferências há intimidade de grupo. Como se dá a participação de pessoas novas em contextos assim? Quais são os assuntos abordados e sobre o que se conversa? Essas plataformas permitem uma mobilização para missões, que se compartilhe a visão da missão global às congregações? Ter oradores convidados em nossos serviços virtuais ensinando sobre a missão global é um cenário muito improvável durante a pandemia de Covid-19. [Mas tem acontecido em algumas igrejas. Aqui você pode assistir à pregação “Missão e Esperança”, baseada em Atos 26, que Christopher Wright gravou para a celebração do domingo 24/05/20 da Comunidade Batista em Moema.]

Na vasta maioria das igrejas, o acesso ao púlpito é cuidadosamente controlado – e com razão. Isso não está relacionado a manutenção de poder ou controle, mas a um forte sendo de responsabilidade pelo que se ensina a toda comunidade espiritual. O acesso aos púlpitos das igrejas é “mercadoria” rara, e não é oferecido de forma aleatória. Geralmente, exige a construção paciente de relacionamentos e visibilidade geral – algo muito difícil de se fazer em nosso estado atual.

37. Longe dos olhos, longe do coração – “etnias ignoradas” mais uma vez. Nas próximas semanas e meses, as igrejas devem ter um foco em atividades locais. Durante o período no qual as igrejas tentam atravessar a tempestade [e mesmo ao lidar com os estragos do pós-tempestade], é extremamente fácil abandonar o engajamento global e a visão missionária. Há, é claro, muito a se fazer localmente. Ao ter de lidar com as diversas necessidades imediatas de seu rebanho diante da pandemia de Covid-19 e também com o crescente aumento das necessidades de seu contexto local, os líderes das igrejas já estão extremamente sobrecarregados. Como conseguirão pensar sobre as (mais teóricas) necessidades das pessoas e comunidades que estão do outro lado do mundo quando há pessoas sofrendo e morrendo nos degraus de sua porta?

Praticamente todos os que estamos familiarizados com a missão global também conhecemos o termo “grupo étnico não alcançado” [“unreached people group”]. Quando o Dr. Ralph Winter introduziu esse conceito inovador no Congresso de Lausanne em 1974, ele utilizou o termo “etnias ignoradas” [“hidden people”]. Nas décadas seguintes, o movimento missionário global adotou como norma uma estrutura de pensamento que levava em consideração a realidade dos grupos étnicos não alcançados [em inglês, people group thinking]. À luz da urbanização e da rápida globalização, alguns afastaram-se dessa maneira de estruturar o esforço da missão sobre fundamentos de etnias e culturas distintas e não difusas. Mas esses 7.400 grupos etnolinguísticos distintos mais uma vez se tornaram “etnias ignoradas”. Ignoradas não porque não estejam lá para serem vistas, mas porque nossa visão afastou-se dos campos missionários distantes e se concentrou no imediatismo da situação local. Soa quase egoísta insistir que os cristãos priorizem o desespero espiritual no outro lado do planeta quando há necessidades espirituais urgentes em casa. Obviamente, esse argumento contrário ao envolvimento ministerial em outros continentes e ao foco global é tão antigo quando o chamado para a missão mundial, mas parece que a Covid-19 adicionou mais peso a tal argumento.

38. Conferências missionárias cessaram, bem como competições esportivas, concertos de música ao vivo, festivais de artes e todos os eventos que promovem aglomeração de pessoas. De forma geral, mesmo antes da pandemia, conferências missionárias estavam apresentando um declínio nos últimos anos. Mas, por décadas, esse formato foi um dos mais efetivos para o recrutamento de novas gerações de missionários. Esses encontros eram voltados para jovens adultos – como Urbana (e outras conferências lideradas pelos movimentos estudantis cristãos em todo o mundo), Cross ou The Send –, para denominações específicas como assembleianos ou anglicanos, ou para o público cristão em geral – como CIMA (América Latina), AWMC (Nigéria), GoFest (Reino Unido), ReachOut (Austrália), Missionfest (Canadá), CMC (pessoas de fala chinesa na América do Norte) e MissionKorea. Muitos desses eventos que já estavam programados tiveram de ser cancelados, acarretando perdas financeiras significativas, sem falar das preciosas oportunidades desperdiçadas. Não sabemos o que acontecerá com os que estão planejados para o final do ano ou começo de 2021, afinal, não sabemos como esse novo vírus em evolução afetará todas essas reuniões públicas nos próximos meses e anos.

Pode ser leve anos para que o que foi perdido nesse tempo seja recuperado, ou, possivelmente, nunca seja recuperado. Pode ser também que haja um despertar do desejo de se engajar em uma causa tão digna, e isso resulte em um aumento dos cristãos que se reúnem para adorar, orar e se mobilizar para a missão. Novos formatos podem surgir para acelerar o avanço da Grande Comissão! Mas, por enquanto, pense em quantas pessoas – crianças, adolescentes, jovens adultos e demais grupos – receberam um chamado missionário em uma reunião como essa. Quantos, só em 2020, perderam a oportunidade dessa experiência devido ao cancelamento de conferências e eventos missionários? Quantos perderão a oportunidade, pois algumas conferências podem ter de ser interrompidas permanentemente? Deus certamente é capaz de trabalhar em meio a esses desenvolvimentos e transformar aparentes contratempos em triunfos imprevistos, mas a perspectiva é preocupante.

39. Nosso mundo está encolhendo (e não de forma positiva) como resultado do coronavírus. Para muitos de nós, nosso mundo físico ficou reduzido às quatros paredes que nos cercam durante a quarentena; viagens ao exterior são uma memória longínqua. O espoco de nossas aspirações restringiu-se à sobrevivência física, emocional e financeira. Nossa identidade, de igual modo, passou de cidadãos globais para o tribalismo, algo como “preciso colocar primeiro a máscara de oxigênio em mim”. Convencer pessoas a voltar os olhos par os campos missionários prontos para a colheita já é um desafio nos melhores momentos. Em situações como a que nos encontramos agora, defender que nossos recursos, finanças, energia e atenção deveriam ser voltados a estranhos será muito difícil de argumentar em meio a uma pandemia global. Esse deve ser o principal revés à causa da missão global – não restrições a viagens ou a deterioração da economia, mas o endurecimento do coração dos cristãos em relação ao desespero espiritual urgente dos que não foram evangelizados e vivem em outros lugares. No período pós-pandemia, quando a flexibilização das restrições começar a acontecer – quer repleta de cicatrizes e traumas ou mesmo cheia de um novo zelo evangelístico e de uma confiança recém-descoberta –, a perspectiva de que não se recuperem o terreno e o momento perdidos na mobilização de missões é assustadora.

À luz dessas realidades, ainda que elas sejam temporárias, como, de forma efetiva, atendemos à urgência de mobilizar o corpo de Cristo para a missão global? O que de prático podem fazer os cristãos que levam a sério a Grande Comissão? Como pastores e outros líderes cristãos continuam fazendo o que eles precisam fazer durante a crise do novo coronavírus, mas também ajudam o povo a erguer os olhos e ver os campos prontos para a colheita?

 

Envio missionário

Não é exagero dizer que talvez estejamos testemunhando o término do modelo ocidental tradicional de envio missionário. Se não houver um colapso, pelo menos assistiremos a um grande declínio. Eis aqui os motivos.

40. A geopolítica global e os resultados da economia afetam profundamente a missão global. É muito fácil observar como o declínio econômico repentino gerou problemas no envio de missionários (ao passo que nossos modelos de envio demandam financiamento). Mais importante é notar o impacto da geopolítica nisso. De forma geral, quando o mundo desfruta de um período de paz e prosperidade, há aumento das aspirações altruístas, amplia-se a visão de mundo para além de onde estamos, fica mais fácil captar recursos, obter vistos e viajar para o exterior. Períodos de conflito global e convulsão econômica apresentam tendências opostas.

Também vale notar que, desde a Idade do Ferro, as condições que surgem quando impérios grandes e estáveis mantêm a hegemonia por certo tempo tendem a ser boas para o envio missionário. Infraestrutura robusta para viagens (as estradas romanas, por exemplo), pesos e medidas padronizados, estado de direito, supressão de crimes e da violência, infraestrutura comunitária de saúde e assistência médica aprimorada, idiomas compartilhados, índice de alfabetização crescente, velocidade do avanço tecnológico e muito mais. Geralmente tais condições estão presentes em maior medida em impérios fortes e estáveis. Tudo isso facilita a transmissão mais rápida do evangelho. Isso aconteceu nos períodos de pax britânica e pax americana. Mas também acontece quando o império em questão é ativamente hostil ao cristianismo. A disseminação do evangelho no Império Romano e na República Popular da China atesta isso.

Se o mundo mergulhar em um momento em que não há apenas um grande revés econômico, mas uma crescente falta de liderança devido à influência declinante das potências mundiais (ao mesmo tempo que observamos o crescimento de beligerância e antagonismo entre essas mesmas potências), podemos esperar que a capacidade de a Igreja enviar missionários para outras nações será bastante reduzida.

41. Fazer missões já era algo caro – pelo menos considerando certos modelos. O envio de longo prazo de um missionário (em boa parte falamos de uma família inteira) como um trabalhador assalariado dedicado a “fazer missões” é um empreendimento caro – especialmente quando o padrão de vida do Norte Global é esperado. Adicione-se a isso seguro saúde, plano de aposentadoria, educação das crianças, viagens regulares à base etc., e você tem um investimento significativo sem a garantia de qualquer retorno do investimento. Não podemos negar que o trabalho missionário realizado dessa forma é caro! No final das contas, geralmente valerá a pena, mas não sai barato. Além dos custos de sustentar as famílias em missão, os projetos de maior escala, particularmente, demandam muito investimento financeiro. Construção de edifícios, recursos para evangelismo e discipulado, escavação de poços, prestação de cuidados de saúde ou educação para os habitantes locais – todos esses projetos e inúmeros outros só são viáveis quando cristãos contribuem generosamente.

42. Contribuição para missões está atrelada à prosperidade econômica. Felizmente, tal conexão não é inquebrável. Muitos cristão doam generosamente em tempos de dificuldade financeira. Muitos crentes oriundos de contextos e países menos abastados doam proporcionalmente mais que seus irmãos mais ricos. Mas, via de regra, quando a economia sofre um baque, a contribuição dos cristãos segue a mesma tendência. O chamado bíblico à generosidade pode conflitar com a natureza humana quando tudo vai bem, o que dizer, então, de praticá-la em prol de pessoas que nunca encontraremos enquanto enfrentamos nossos próprios momentos de necessidade financeira?

Estudos recentes indicam que as contribuições dos cristãos desabaram nas primeiras semanas de confinamento por conta da Covid-19. Uma pesquisa recente nos Estados Unidos com organizações sem fins lucrativos diz que metade dessas instituições esperam uma redução de 50% nas receitas. Se isso pode afetar a capacidade das igrejas do Ocidente de ministrar – e é o que está acontecendo –, então é esperado que afetará de forma mais intensa o trabalho transcultural de missões. Já ouvi a respeito de organizações missionárias que tiveram de “demitir” centenas de sua força de trabalho nacional que atuava no exterior em função de queda nas doações. Missionários de outra organização foram comunicados que terão de sobreviver nos próximos seis meses com 50% do sustento em função da redução nas doações.

43. Missões são ainda mais vulneráveis a revezes financeiros, e em geral estão como um item no final na lista de prioridades. Quando o orçamento das igrejas encolhe, o investimento em missões transculturais, em geral, é o primeiro a ser cortado. O novo equipamento de som, o pastor adicional para o trabalho infantil, cestas básicas para a comunidade local e outros itens ganham prioridade em detrimento de missões. Essa dinâmica ficará evidente em igrejas onde orçamentos departamentalizados poderão salvaguardar o trabalho missionário em curso por pelo menos alguns meses. Em grande parte do Sul global, a doação é muito mais orgânica, e está imediatamente ligada ao bem-estar financeiro da igreja, mês a mês ou até semana a semana. Durante esta pandemia global [e provavelmente no pós-pandemia], as igrejas podem apenas se envolver com a comunidade local, e o escopo de nosso envolvimento com o mundo pode diminuir drasticamente. Esse efeito será muito mais pronunciado quando se tratar de projetos sem rosto, e dos elementos menos charmosos envolvidos no cumprimento da missão, como os que atuam em áreas administrativas. Como pesquisadores e mobilizadores, os membros da equipe da OW conhecem muito bem essa realidade.

Missionários que já cultivaram uma relação próxima e sólida com seus mantenedores serão menos impactados por essa redução nas contribuições, mas não necessariamente serão poupados. No entanto, quando o mundo emergir no pós-pandemia [o chamado novo normal], veremos as doações para missões transculturais ganharem força novamente? Teremos de aguardar para ver, mas imagino que as iniciativas fisicamente próximas da igreja doadora recebam um apoio proporcionalmente mais alto do que no passado – é praxe as doações para missões além-mar sofrerem.

44. Missões no mundo não evangelizado devem ser mais impactadas que outras. É sabido por dados coletados ao longo da história que cristãos não contribuem tão generosamente quanto pretendem. Tais estudos mostram que doações para missões representam um milésimo do orçamento cristão. Dentro disso, ministérios voltados para o mundo não alcançado recebem apenas um pequeno fragmento do que é dado a missões. Ofertar para missões transculturais é sempre um ato de fé genuína. Não há garantia de retorno do investimento – pode levar anos para que se perceba qualquer avanço em um trabalho fiel. Além disso, doar para o ministério no mundo não evangelizado, muitas vezes, não permite uma conexão pessoal dos doadores com os que estão no campo em busca de alcançar quem nunca ouviu sobre o evangelho devido aos problemas de segurança envolvidos.

45. Estruturas organizacionais demandam uso intensivo de recursos, e isso está em discussão no movimento missionário do Norte global [e no Brasil também] continuamente. O tamanho, a sofisticação e o profissionalismo da agência missionária exigem financiamento significativo para manter a máquina funcionando adequadamente. No entanto, o fato de ser um trabalho sem glamour significa que aqueles que exercem funções administrativas lutam ainda mais para conseguir recursos. Dessa forma, a agência precisa direcionar um percentual do apoio financeiro voltado aos trabalhadores de campo para cobrir o que é considerado uma sobrecarga essencial. A atual crise nas contribuições – e sua provável continuidade nos próximos meses ou anos – e as consequências futuras disso para a missão global exigirão uma abordagem mais revolucionária de como nos organizamos para cumprir a Grande Comissão? O próprio fato de que, ao falarmos sobre o impacto da Covid-19 em missões, o tópico perdas financeiras e custo organizacional seja abordado com tanta ênfase mostra o quanto institucionalizada tornou-se a missão! Isso nem sempre foi o caso, é claro, e alguns afirmam que o trabalho de campo mais eficaz que está acontecendo hoje está sendo feito à parte de estruturas organizacionais voltadas para o cumprimento da missão.

46. O treinamento missionário foi interrompido, mas não cessou completamente. Esta semana, participei de uma reunião virtual com pessoas do outro lado do Atlântico, e nela um futuro membro da Operation World dos Estados Unidos “graduou-se” após concluir os três meses de preparação em nossa agência missionária, a WEC International. A orientação começou presencialmente, mas migrou para o ambiente virtual quando as medidas de distanciamento social foram impostas nos Estados Unidos. A base de nosso ministério fica em um escritório situado no campus de uma centro de treinamento missionário no Reino Unido. O último módulo do ano acadêmico aqui está em curso, e a faculdade também migrou para operar exclusivamente de forma virtual. Qualquer instituição cristã no Ocidente que não tenha se preparado (mesmo antes da Covid-19) para oferecer educação por meio de ferramentas digitais on-line enfrentará sérios problemas, ou melhor, já está enfrentando!

Agradeço a Deus pelas crescentes alternativas digitais para encontros em grupo, acesso a conteúdo literário e apresentação de trabalhos. Embora tais alternativas tenham demonstrado inúmeras possibilidades e uma flexibilidade admirável, elas não são um substituto perfeito para uma comunidade presencial, na qual o aprendizado e a formação passam do teórico para o real. Isso se torna mais verdadeiro quando estamos tentando equipar as pessoas para o serviço transcultural em ministérios espiritualmente intensos. A educação cristã e a formação ministerial (incluindo missiológica), como todas as outras esferas da vida, precisarão desenvolver novas estratégias para um treinamento eficaz.

Muitas instituições cristãs já se encontravam em situação financeira precária. A Covid-19 as inviabilizará? Quantas instituições serão forçadas a fechar suas portas para sempre? Enquanto o número de estudantes cai na maioria dos seminários e faculdades cristãos, muitas agências missionárias também estão vendo seus números de recrutamento de longo prazo despencarem. É quase certo que o estreitamento das relações cotidianas das pessoas, a desaceleração econômica, a interrupção das viagens internacionais e o abandono da mobilização de missões darão início a uma temporada muito fraca para as agências missionárias que procuram novos candidatos. Esperamos e oramos pelo oposto, mas é isso o que os sinais indicam ser o mais provável.

47. A logística para o envio missionário no momento ficou, na melhor das hipóteses, difícil, e, na pior inviável. Fronteiras foram fechadas, em algumas casos apenas para pessoas de determinadas regiões, em outros casos, para todos. Tanto pela ótica da cultura que envia como da cultura que recebe, ir para o exterior neste momento será encarado de maneira muito ruim. Mesmo que você consiga entrar fisicamente em outro país, será muito mais custoso que o habitual – especialmente se for exigido que você permaneça isolado nos primeiros 15 dias tendo de arcar com o custo financeiro disso. Os valores de seguros saúde e de viagem vão aumentar, ainda que as coberturas sejam menores.

48. Limbo missionário. Pense naqueles que precisaram deixar o campo missionário e estão provisoriamente no lugar de envio ou até mesmo em outro país, ou naqueles que estão em preparo ou estavam prontos para partir para o campo. Ainda hoje ouvi a respeito de um missionário que estava tentando voltar ao país em que atua com um grupo de pessoas não alcançadas – ele está preso em um terceiro país, que não é nem o de origem nem o seu campo, e aguarda sem previsão alguma possibilidade de retornar ao local de chamado. Outro casal que conheço estava prestes a partir para seu primeiro ciclo em outro país, mas as condições econômicas e de bloqueio paralisaram seus esforços, e os impediram de ir a qualquer lugar. Repita esse tipo de história centenas ou milhares de vezes, e você começa ter a dimensão do efeito devastador.

Muitos missionários tomaram a agonizante decisão de retornar ao país de origem quando a Covid-19 deflagrou-se, pelas mais diferentes razões plausíveis. Mas muitos desses terão o retorno ao campo adiado por fatores que estão além de seu controle. Infelizmente, perda de mantenedores, desânimo, desilusão e outros senões relacionados à “vida civil” farão com que um número significativo deles nunca retorne ao campo.

49. O valor de viagens missionárias e de ações missionárias de curto prazo tem sido calorosamente discutido nos últimos anos, e argumentos razoáveis (suportados por dados e estatísticas, é claro) podem ser bem construídos para ambos os lados. [Leia aqui o artigo do Martureo “Viagens missionárias de curto prazo”]. Há quase dez anos, o setor missionário de curto prazo movimentava 2 bilhões de dólares por ano somente nos EUA. Com todas essas viagens parando, é possível descobrir como substancialmente a indústria de missões de curto prazo contribui para a Grande Comissão. Pode ser muito difícil para as agências focadas nesse tipo de iniciativa sobreviverem sem que, por um ano, haja viagens, até porque são elas que trazem boa parte das receitas. Levando em conta que a maioria das pessoas que atuaram ou atuam como missionários de longo prazo teve uma viagem de curto prazo como parte essencial de sua jornada para a missão, o esperado, a médio prazo, é que inevitavelmente haja menos pessoas para atuar como missionários de longo prazo, isso se todos os outros fatores fossem os mesmos. No cenário improvável de que as viagens missionárias de fato não agreguem nada ao esforço no serviço missionário de longo prazo, e não contribuam com nada além de um aumento de subsequentes doações e orações por missões entre os participantes, isso já é uma perda significativa.

50. Um orçamento preciso e enxuto aos que se preparam para ir ao campo será ainda mais essencial. Não que, antes da pandemia, os missionários contassem com extasiado apoio da igreja, angariação de fundos sem esforço, viagens convenientes e constantes do e para o campo, transição suave, boas-vindas calorosas da cultura anfitriã e resultados imediatos. Tudo isso, no entanto, ficou ainda mais difícil. Vemos nas Escrituras que Deus permite pestilências, fomes, perseguições e martírios – a vida em geral já é suficientemente difícil, e servir a Deus tem custos ainda maiores. A maioria de nós não saberia dizer quem, no registro bíblico, é Orfa, mas, para a maioria de nós, nossas escolhas se assemelhariam mais às dela que às de sua cunhada Rute: “Seu povo será o meu povo, e seu Deus, o meu Deus. Onde você morrer, ali morrerei e serei sepultada. Que o Senhor me castigue severamente se eu permitir que qualquer coisa, a não ser a morte, nos separe!” (Rt 1.16-17). A declaração de Rute não é necessária como manifesto da nossa missão. As lamentações e o sofrimento de Paulo por causa do evangelho em 2 Coríntios 11 talvez sejam válidas para um período pré-campo, ou talvez suas palavras aos amigos em Éfeso – “Mas minha vida não vale coisa alguma para mim, a menos que eu a use para completar minha carreira e a missão que me foi confiada pelo Senhor Jesus: dar testemunho das boas-novas da graça de Deus”(At 20.24).

Eu nunca encontrei um missionário que teve impacto extraordinário em seu ministério se sua vida não incluiu rendição extraordinária ao princípio de que viver é Cristo e morrer lucro. Escrevo isso com a consciência de que meu próprio ministério me coloca em um ambiente relativamente confortável e estável no Reino Unido.

 

Sobre o autor
Jason Mandryk é canadense – fez seu mestrado em Estudos Cristãos Globais no Providence Theological Seminary –, mas vive na Inglaterra. Ele trabalha com a publicação Operation World, literatura cristã que compila pesquisas e dados de países em todo o globo e também um guia de oração. Inicialmente foi coautor e agora é o autor.

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