A comum vida missionária de quarta-feira
por Paulo Tezzei*
Esta não é uma história missionária espetacular. Não é sobre feitos extraordinários ou grandes realizações. Esta é uma história missionária comum. E ser comum é o que a torna especial. Milagrosa, eu diria, mas comum. Ela ocorre em quase todas as manhãs de quarta-feira (um dia bem comum, aliás) em uma comunidade indígena isolada. Isolada em vários sentidos: não falam nossa língua, não moram próximos às nossas cidades, não pensam como nós. Tudo muito comum, pelo menos para eles.
Nessa comunidade reside uma equipe missionária comum (eis aí, o primeiro milagre comum): pessoas comuns, com vidas comuns que um dia foram alcançadas pelo poder do Evangelho e agora, abandonando tudo o que conheciam em sua realidade de vida comum, vivem nos “confins da terra”, a comum vida missionária. Bem, voltemos às quartas-feiras. Antes mesmo do despertar do sol, essa equipe está de pé, se preparando para uma caminhada de quase duas horas mata adentro por caminhos estreitos, sinuosos e traiçoeiros.
Eles ainda não sabem, mas nessa quarta-feira, terão seus pés furados por espinhos, serão picados por formigas e sentirão dores em quase todas as partes do corpo. Após essa caminhada (e aqui ainda não computamos as duas horas de retorno), chegam a um lugar comumente diferente: uma maloca com cerca de 300 indígenas, conhecidos desses missionários. Estão ali para pregar, em mais uma quarta-feira, o Evangelho àquele grupo. As pessoas se sentam no chão ou em pequenos bancos, ouvem a Palavra de Deus em sua própria língua, são desafiadas a crer. Não há espetáculo, confetes ou holofotes. Não há likes no Twitter ou curtidas no Instagram. Só pessoas. Pessoas comuns, como tantas outras, carentes da graça de Deus. Após esse tempo – e uma boa refeição local comum – os missionários retornam para suas casas, exaustos e de coração cheio.”
Tudo isso é comum para eles. Não porque ignoram as muitas dores e o cansaço, ou porque nutre m um espírito aventureiro. É comum porque essa é a vida deles. Decidiram isso há muito tempo atrás. Já pensaram em desistir, é verdade, e voltar para a vida que tinham antes, mas não podem mais fazê-lo pois suas mãos estão postas no arado. Isso é parte de quem são agora. São missionários, são discípulos comuns. Isso é milagrosamente comum.
Talvez nada do que foi dito aqui tenha despertado interesse em você (o que é muito comum). Como disse no início, essa é uma história missionária comum. Contudo, há uma triste nota melancólica no fim dela. Uma nota que destoa dessa melodia comum: pessoas como esses missionários, que deixam tudo para viverem quartas, quintas ou segundas-feiras bem comuns, são cada vez mais incomuns. Hoje, é cada vez mais incomum pensar em abandonar tudo para viver uma vida missionária comum. É cada vez mais incomum encontrar pessoas que decidam viver as comuns quartas-feiras missionárias, pois, afinal, elas são “muito comuns, sabe?! Elas não têm nada de novo e espetacular, entende?!”. Queremos desafios de impacto dominical, que podem ser descartados na próxima segunda-feira. Ansiamos por experiências frenéticas que produzem êxtase momentâneo “para a glória de Deus”, desde que isso não me custe mais do que alguns dias do meu precioso tempo (especialmente os sábados do louvorzão!).
O grande problema é que a vida missionária, a vida do discípulo comum e real (não aquela do folder de divulgação da próxima conferência para jovens) é vivida no anonimato e nos cantos esquecidos de quartas-feiras de manhã, com dor, com cansaço, com choro, mas com a esperança de que essa vida comum trará frutos para a eternidade. Consegue perceber o milagre disso? Saia do descompromisso do extraordinariamente incomum. Experimente o milagre da vida missionária comum.
*Graduado em Teologia, com especialidade em Missiologia Transcultural e Linguística. Mestrando em Teologia pelo Seminário Servo de Cristo. Missionário junto à Missão Novas Tribos do Brasil, atuando nos ministérios de plantio de igreja e de tradução das Escrituras em contexto transcultural indígena. Integra a equipe de Consultoria do Programa de Aquisição de Cultura e Língua da MNTB.