O que quer dizer todas as nações – panta ta ethne?

Exegese de Mateus 28.16-20

Marcos Amado

A interpretação dada pelo Church Growth Movement (CGM) [Movimento de Crescimento da Igreja] à expressão panta ta ethne

De acordo com Donald McGavran e outros pesquisadores sediados em Pasadena, Califórnia (em associação com o Fuller Theological Seminary), a chave para o cumprimento da chamada grande comissão era que se compreendesse corretamente o significado das palavras gregas panta ta ethne (todas as nações) encontradas em Mateus 28.19.

Segundo essa escola de pensamento, a melhor tradução do texto seria entender que devemos ir a todas as diferentes etnias do mundo para anunciar o evangelho. Ao mesmo tempo, se o Senhor estava de fato ordenando aos discípulos que compartilhassem as boas novas entre todos os grupos étnicos, um desenvolvimento natural desse conceito seria entender que o Senhor também estava dizendo que a melhor “estratégia” seria estabelecer igrejas dentro dos grupos que possuíam características comuns (linguísticas, sociais, culturais etc.). Consequentemente, o Homogeneous Unit Principle – HUP [Princípio da Unidade Homogênea] está intimamente associada ao CGM.

O CGM e o Princípio da Unidade Homogênea tiveram um tremendo impacto no movimento missionário mundial, principalmente durante os anos 70, 80 e 90. Milhares de missionários em todo o mundo aderiram a essas ideias e, de fato, como resultado, muitas igrejas foram estabelecidas em diferentes partes do mundo.

Então, seria esse o caso de a práxis confirmar a teoria? Devido ao fato de muitas igrejas estarem sendo estabelecidas ao redor do mundo como resultado desse ensinamento do Movimento de Crescimento da Igreja, devemos entender essa situação como confirmação de que o que o Senhor estava dizendo que deveríamos ir a todos os grupos étnicos e tratá-los como unidades separadas e homogêneas para “cumprir a tarefa” com mais rapidez e, dessa forma, apressar a segunda vinda do Senhor?

Peter Wagner (há muito associado ao Movimento de Crescimento da Igreja) pensa dessa forma. Segundo ele, Jesus não aceitou que o gadareno fizesse parte de seu grupo de discípulos por pertencer a um grupo homogêneo diferente. A mesma explicação é dada por Wagner para justificar o motivo de Jesus ter falado de forma tão rude com a mulher siro-fenícia: a estratégia de Jesus teria sido o Princípio da Unidade Homogênea.[1]

Muitos missiólogos norte-americanos bem conhecidos – como Tetsunao Yamamori, Alan Tippet, Ralph Winter, Charles Kraft e outros – são da mesma opinião, e concordam plenamente com McGavran e Wagner a esse respeito. Yamamori, defendendo a linha de pensamento do Movimento de Crescimento da Igreja, diz que o real intuito de Jesus em Mateus 28.19 foi: “Ide… discipulai todas as unidades étnicas, todos os não judeus, todos os gentios”.[2]

O significado de panta ta ethne de acordo com alguns estudiosos fora do Movimento de Crescimento da Igreja

Como tende a ser normal nesses casos, pode-se também encontrar outros tantos estudiosos que pensam de forma diferente, e não concordam com McGavran et al. Mas como eles chegaram a essa conclusão? Em primeiro lugar, examinando a forma como a Septuaginta utiliza a palavra grega ethne.

David Bosch, em uma análise completa de Mateus 28.19[3], menciona que a palavra do Antigo Testamento traduzida como ethne na Septuaginta era goyim, que em hebraico significava outras nações além de Israel ou, melhor ainda, os gentios. Então, Israel estava de um lado, e “o restante” das nações – os gentios – (goyim), de outro.

Ao mesmo tempo, Walter Liefeld diz que havia muitos outros termos gregos que poderiam ter sido usados, “incluindo phule ou então genos (raça, nação ou povo), laos (povo como uma unidade política com uma história e constituição comuns), ou glossa (pessoas com uma unidade linguística), se essa fosse a ênfase pretendida… Há uma diferença clara entre ‘tribos’ (phule) e ‘nações pagãs’ (ethne), mesmo no pensamento antigo”.[4]

Os judeus e panta ta ethne

Se panta ta ethne realmente significa “gentios”, “nações pagãs” ou “outras nações além de Israel”, uma pergunta natural a se fazer é: Nosso Senhor estava, ou não, incluindo Israel quando ele comissionou seus discípulos a irem a todas as nações?

Parece que a maioria dos estudiosos pensa dessa forma, afirmando que Israel, agora no plano de salvação, deveria ser visto sob a mesma luz que as nações gentias. Portanto, o que Jesus disse foi: “Deste ponto em diante, faça discípulos de todas as nações [incluindo Israel], e os ensine a obedecer a todos os meus mandamentos”.[5]

A validade do Princípio da Unidade Homogênea nos dias de hoje

De acordo com o apóstolo Paulo,

Porque Cristo é nossa paz. Ele uniu judeus e gentios em um só povo ao derrubar o muro de inimizade que nos separava. Ele acabou com o sistema da lei, com seus mandamentos e ordenanças, promovendo a paz ao criar para si, desses dois grupos, uma nova humanidade. Assim, ele os reconciliou com Deus em um só corpo por meio de sua morte na cruz, eliminando a inimizade que havia entre eles. Ele trouxe essas boas-novas de paz tanto a vocês que estavam distantes dele como aos que estavam perto. (Efésios 2.14-17, NVT)[6]

À luz dessa passagem (e de outras do Novo Testamento), uma questão válida é se o Princípio da Unidade Homogênea não está dividindo, construindo paredes, em vez de “criar uma nova humanidade”. Já vi situações em grandes cidades como Casablanca (Marrocos), com circunstâncias semelhantes às de Antioquia, com pessoas de várias origens linguísticas e étnicas, mas os missionários, inspirados no HUP (Princípio da Unidade Homogênea) e no projeto Adote um Povo, insistiam em formar igrejas de apenas um grupo específico. Na verdade, eles estavam criando muros (e, em alguns casos, trazendo à tona velhos sentimentos nacionalistas) que a própria população local estava tentando evitar.

“Sem dúvida, há validade no fato de o Movimento de Crescimento da Igreja honrar o Princípio da Unidade Homogênea como uma diretriz de comunicação. Não podemos, entretanto, tomar um princípio de comunicação e torná-lo uma norma eclesiológica, argumentando que (1) igrejas homogêneas crescem mais rapidamente do que outras; (2) todas as igrejas devem crescer mais rapidamente; e (3) portanto, todas as igrejas devem ser cultural e socialmente homogêneas. Esse raciocínio passará, inegavelmente, uma ideia errada da igreja ”.[7]

 

[1] Bosch, D., “The Structure of Mission: An Exposition of Matthew 28.16-20”, em Exploring Church Growth, ed. Shenk, W. (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), p. 235.

[2] Hesselgrave, D. J.; Yamamori, T., “Meaning of the Great Commission”, em Evangelical Missions Quarterly, vol. 15:4 (Outubro 1979).

[3] Bosch, D., “The Structure of Mission: An Exposition of Matthew 28.16-20”, em Exploring Church Growth, ed. Shenk, W. (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), p. 236.

[4] Hesselgrave, D. J.; Yamamori, T., “Meaning of the Great Commission”, em Evangelical Missions Quarterly, vol. 15:4 (Outubro 1979).

[5] The Reverend L. Gl. Parkhurst, Jr., Expository Times 90, p. 180.

[6] Bíblia, NVT (Nova Versão Transformadora)

[7] Bosch, D., “The Structure of Mission: An Exposition of Matthew 28.16-20”, em Exploring Church Growth, ed. Shenk, W. (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), p. 239.

Compartilhe!
0
    0
    Seu carrinho
    Seu carrinho está vazioVoltar para as compras