O evangelho confrontando culturas budistas

Estratégias e abordagens teológicas para uma comunicação efetiva da obra de Cristo

Alex Smith

As estatísticas atuais mostram que a maior parte das populações não cristãs estão concentradas na Ásia entre três grandes blocos de pessoas: os chineses, os hindus e os muçulmanos (Winter 1977: 123-126). O bloco budista vem em seguida. Em todas essas quatro populações, números relativamente pequenos responderam ao evangelho de Cristo. Também é improvável que durante as últimas décadas, na China, séculos de pensamento filosófico budista tenham sido eliminados. Certamente mudanças ocorreram, mas muita conceituação budista misturada com crenças espíritas ainda permeia o pensamento chinês hoje. Levando isso em consideração, os povos budistas formam um dos maiores grupos de pessoas não alcançadas. Só os chineses têm uma população de 1,44 bilhão (Worldometer, 2022), o que corresponde a 18% da população mundial. Porntanto, é imprescindível discutir a apresentação do evangelho à cultura budista.

Questões vitais

A igreja cristã entre os povos budistas, tanto da escola Mahayana como da Theravada, é uma pequena minoria, geralmente menos de 1% da população (são raras as exceções, notadamente na Coreia do Sul). Consequentemente, as questões teológicas vitais relativas ao evangelho e à cultura budista se concentram em pelo menos três áreas principais, todas elas de alguma forma inter-relacionadas:

  1. A sobrevivência da igreja enfrentando a sólida solidariedade social entre os budistas e oposição;
  2. O desenvolvimento de uma sensação de pertecer ou de identidade dentro do contexto e clima desfavoráveis;
  3. A necessidade de comunicar Cristo aceitavelmente aos budistas para que a igreja possa se estender e transpor as barreiras da resistência social.

Duas áreas específicas para estudo devem ser identificadas:

1. Etnoteologia;

2. Teologia e estratégias evangélisticas.

Ambas devem avançar lado a lado. A igreja deve ser impedida de se tornar uma subsociedade ilhada, que falha ao comunicar efetivamente a esperança em Cristo aos seus vizinhos budistas. A etnoteologia deve, portanto, levar em consideração a comunicação do evangelho para a população dominante em seu desenvolvimento. Minha principal ênfase estará nessa comunicação evangelística.

Este artigo não trata em profundidade ou detalhes as muitas facetas desse assunto vasto e complicado. No entanto, definine resumidamente o tópico em perspectiva. As diferenças essenciais entre o budismo e o cristianismo são destacadas, bem como o problema da comunicação do evangelho. A segunda metade do texto fala de algumas estratégias e abordagens práticas para apresentar o evangelho aos budistas.

Encontros cristãos com budistas

Em sua história de 2500 anos, o budismo foi uma das grandes religiões do mundo. A principal expansão ocorreu durante os dois primeiros milênios. Kenneth S. Latourette observou que seu crescimento não afastou completamente seus predecessores religiosos: foi entre os povos em que “a religião predominante era o animismo que o budismo tornou-se dominante” (1956: 43). Na verdade, mesmo nesses lugares, dominou, mas não desalojou o animismo. O budismo não fez nenhum avanço significativo nos últimos cinco séculos, exceto possivelmente no Ocidente.

O encontro cristão com os budistas pode traçar um longo caminho de volta ao período nestoriano. Richard Garbe escreve:

A influência cristã sobre o budismo no Tibete e na China foi possível desde o ano 635, pois, a partir desse ano, temos evidências de uma missão nestoriana que partiu para essas terras sob um líder de nome Olopan ou Alopen (1959: 176).

Apesar dos contínuos encontros cristãos desde então, as primeiras missões católicas romanas, seguidas por protestantes, produziram apenas escassos resultados em termos de crescimento da igreja entre os budistas. Na verdade, algumas das missões anteriores aos povos budistas da Ásia nem mesmo sobreviveram. Três causas principais – que ainda hoje são poblemas básicos enfrentados pelos cristãos teólogos e evangelistas – explicam a falta de comunidades cristãs com liderança local que se autoperpetuam entre os povos budistas.

  1. Perseguição;
  2. Sincretismo;
  3. Fracasso da igreja em romper a solidariedade social das comunidades budistas.

Ao identificar algumas semelhanças históricas e doutrinárias entre o cristianismo e o budismo, muito pensam que são ambos parecidos. Semelhanças de padrões éticos, como os Dez Mandamentos e o Sila Budista (proibições), além de outras observações, como as listadas por Paul A. Eakin (1956: 27-31), parecem adicionar peso a isso. No entanto, é necessário um alerta sobre o significado preciso e a definição de tais conceitos e princípios comparados. Eles são realmente equivalentes ou mesmo semelhantes? Na verdade, não!

Primeiro, Buda basicamente ensinou a habilidade do próprio ser humano (sem a ajuda de Deus) para se libertar da corrupção e do sofrimento a fim de se obter um estado de perfeita inexistência. Assim, em termos modernos, a base do budismo é o humanismo, isto é, o homem não precisa responder a uma autoridade superior a ele, e o homem é basicamente bom e pode se tornar bom por seus próprios esforços. Isso ele pode fazer sem qualquer ajuda de Deus, ou qualquer referência a Deus. Como outras religiões iniciadas por humanos, o budismo é uma projeção do pensamento humano para o infinito. O cristianismo, por outro lado, decorre da autorrevelação de Deus para a humanidade. Essa revelação divina culminou na encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo. O evangelho é, portanto, centrado em um Deus transcendente que se autorrevela.

Em segundo lugar, o budismo rejeita o conceito de Deus pessoal e, de fato, de qualquer personalidade espiritual, humana ou divina. Deus, no sentido cristão, é desconhecido para os budistas. No lugar de um Criador pessoal, eles afirmam o carma — causa e efeito — como o princípio exclusivo para se explicar o universo. O que ou quem iniciou o carma é indeterminado.

Nos tempos modernos, houve uma tentativa de interpretar [introduzir um conceito de] Deus na terminologia religiosa budista. Vale, mais uma vez, ressaltar o perigo de tais definições e conceituações: elas devem ser discernidas com cuidado. Bhikkhu Buddhadasa Indapanno, um líder estudioso budista, equiparou Deus ao carma. Trata-se de um sincretismo “sutil”, que introduz “a forma cristã de Deus” em escritos budistas enquanto mantém o significado budista básico. Assumindo que se trata [apenas] da comparação de termos não equivalentes, seria um pensamento razoavelmente aceitável, embora haja problemas quanto à questão da iniciação primária. Nos termos do evangelho, Deus é o último ponto de orientação para toda a sua relação proposital com o mundo. No budismo, a causa final é o princípio do carma. Indapanno também equiparou Deus como criador com o termo budista avijja (1967: 66-67). Isso significa falta de conhecimento ou ignorância, a causa básica do mal. Por isso Deus, em termos budistas, é a ignorância, sendo o poder da natureza o que fez com que todas as coisas existissem, e, como tal, causou sofrimento. Tal interpretação de Deus é absolutamente inaceitável.

Em terceiro lugar, D. T. Niles esclarece brilhantemente as doutrinas budistas básicas de anicca (impermanência ou transitoriedade), anatta (falta de alma ou ausência de si) e dukkha (tristeza, sofrimento):

Se não começarmos com Deus, não devemos terminar com ele, e quando começamos com ele, não terminamos com as doutrinas de anicca, anatta e dukkha.

A existência de Deus significa a existência de uma ordem de vida que é eterna nicca (permanência). Isso significa que é postulado para a alma atta uma identidade que é guardada pela soberania de Deus, e que a tristeza dukkha consiste não exatamente na transitoriedade das coisas, mas na perversidade de nossas vontades que procuram essas coisas em vez das coisas que são eternas. O círculo da fé cristã pode assim ser descrito como aquele que, começando com Deus, conduz o homem à percepção de que Deus sozinho oferece a base mais adequada para uma explicação mais significativa dos fatos mais significativos da vida. (1967: 27) (Nota: na linguagem Pali, o prefixo “a” nega, significando “não”.)

Buda viu a vida sem sentido em si mesma e partiu para resgatar os homens dessa falta de sentido. Jesus viu que a vida poderia se tornar significativa em Deus e se levantou para chamar os homens para compartilhar esse significado (João 10.10). Além disso, no budismo, a morte é a categoria final. No evangelho, a categoria final é a vida (Niles 1967: 29, 34, 35). Os budistas procuram encurtar a vida para escapar do ciclo interminável dos renascimentos. O evangelho enfatiza a vida eterna.

Um quarto contraste mostra que o cristianismo verdadeiro está centrado em altruísmo. O carma, por sua vez, incentiva a preocupação com a autodependência, tornando o budismo egocêntrico. Essa diferença social é significativa. A ordem social budista é dominada pelo indivíduo, e há uma falta de senso de relação homem-homem e homem- Deus (Eakin 1965: 56, 63). Na Tailândia, por exemplo, é quase inconcebível para o budista acreditar que o missionário saiu da pura preocupação com eles próprios sem nenhum incentivo de ganho pessoal. Muitas vezes, eles perguntam: “O que você está ganhando com isso? Um salário mais alto? Patrocínio governamental? Mais mérito? Ou o quê?”. O conceito de amor constrangedor e altruísta de Cristo para com os outros é estranho ao pensamento budista.

Para o cristão, o caminho para cima é na direção contrária, assumindo o papel de servo. Para o budista, o caminho para cima é uma preocupação egocêntrica. Passar por cima dos outros ou usá-los para o seu próprio avanço é aceitável. Claro, pode-se notar que em todos os homens, mesmo entre os cristãos, tais atitudes podem prevalecer, mas elas são contrárias ao evangelho bíblico.

Outra grande diferença diz respeito ao princípio da salvação (ou realização final). Para os budistas, a autoconfiança e a liberação auto-sustentada por meio de suas próprias energias e habilidades humanas são um princípio fundamental – depende apenas de si mesmo. O evangelho, por outro lado, declara que a dependência em si e a confiança na carne são uma desgraça. Estaríamos totalmente desamparados se não contássemos com a graça de Deus por meio somente de Cristo. A salvação vem pela dependência do Deus Todo-Poderoso, operada por meio da fé do arrependido (Efésios 2.8-9; Gálatas 2.20, 3.7; Romanos 3.28, 4.1-28).

Além disso, o carma budista tende a gerar fatalismo, desesperança, autodesculpa e pessimismo na maioria da população. O budismo não tem possibilidade de perdão, pois “o carma é a lei de ferro para a qual não há exceção” (Appleton 1958: 52). Contraste isso com o evangelho do Deus amoroso que dá perdão, esperança e vida transformada, manifesto em uma dimensão espiritual através do poder do sangue derramado de Jesus Cristo. A restauração de Cristo é suficiente para a limpeza do passado, o poder no presente e a esperança no futuro.

O evangelista ou o teólogo honesto não se inclina nem para o sincretismo integrativo nem para um evangelho budista completamente indigenizado. Ambos iriam distorcer o verdadeiro significado, a essência. Uma expressão do evangelho nas culturas budistas deve ser dinamicamente equivalente ao testemunho bíblico primitivo comunicado de forma significativa e apropriada para cada contexto cultural.

Neste momento, quando o relativismo cultural, a ética situacional, o secularismo e o humanismo estão inundando a mídia, a igreja e seus emissários são pressionados a reduzir a singularidade de Cristo, a autoridade da Bíblia e a necessidade do evangelho, igualando-o a outras religiões do mundo. Com isso, a igreja corre o risco de ser engolida por uma mentira grosseira. Infelizmente, às vezes os seminários perpetuam essa mentira — os professores ensinam isso, e os estudantes acreditam nisso. Os cristãos, no entanto, devem rejeitar esse erro. Missionários fiéis, líderes de igreja e cristãos em todos os lugares devem resistir a essa filosofia não bíblica.

Ao mesmo tempo, é necessário um apelo à compreensão simpática do budista em seu dilema. Uma abordagem cristã deve ser sempre feita com humildade e persuasão amorosa, apoiada pelo testemunho de um relacionamento pessoal dinâmico com Jesus Cristo. É necessária uma demonstração viva do evangelho, não uma precisão farisaica das doutrinas evangélicas. Em todos os lugares, os homens estão perdidos no pecado, alienados de Deus, seu Criador. Uma maior preocupação em comunicar o evangelho ao budista e um evangelismo zeloso renovado para apresentar a Cristo, o único Salvador, são urgentemente necessários. A eficácia dos embaixadores de Cristo será proporcional à dependência do poder do Espírito Santo e sua sensibilidade aos conceitos culturais daqueles a quem eles vão senvir.

O evangelismo efetivo exige comunicação efetiva

As barreiras contextuais à comunicação intercultural são muitas, particularmente para os budistas. A solidariedade social do envolvimento religioso é forte. A cultura tailandesa, por exemplo, está profundamente embebida no budismo. A linguagem religiosa e educacional está fortemente infiltrada com termos, conotações e conceitos budistas. O evangelho, com sua expansão dinâmica, a Reforma e os despertares evangélicos, estabeleceu uma base moral cristã em muitas nações ocidentais. O budismo, da mesma forma, ligou os povos fragmentados da Ásia, particularmente aquelas populações animistas no processo de mudança cultural e integração grupal. Assim, a teologia, o comportamento aprendido e a educação em casa ou na escola estão saturados de ensinamentos budistas fundamentais. Essa sobreposição religiosa forma a estrutura ou a grade onde a comunicação ocorre.

Considere alguns destes obstáculos no dilema comunicacional aplicável ao evangelista, teólogo ou assistente médico-social cristão. Primeiro, muitos acreditam involuntariamente que a comunicação é o que é dito, e não o que é ouvido. Com que frequência ouvimos: “Que apresentação clara do evangelho!”? Nossa principal preocupação deve ser o quão clara foi a recepção, o entendimento! Em terras budistas, os termos linguísticos que o cristão usa são inevitavelmente carregados de significado budista e muitas vezes são idênticos em termos linguísticos. A pessoa que está falando tem em mente um conceito cristão (de pecado, céu, inferno, Deus, fé ou o que quer que seja), mas, ao falar, usa palavras budistas carregadas de conotações budistas. Não é de se admirar que os budistas que o escutam respondam frequentemente: “Oh, se isso é cristianismo, é exatamente o mesmo que o budismo”.

Em segundo lugar, a frustração do proclamador do evangelho gira em torno do problema do significado. O comunicador não lembra que ele não pode transferir significado. O cristão pode codificar a mensagem, mas o budista deve decodificá-la. Portanto, o comunicador só pode transferir “bits” de informações. O significado é então formado na mente do receptor em termos de sua própria grade cultural. Isso é igualmente verdadeiro para o missionário transcultural e para um cristão cingalês que fala com um vizinho budista.

A solução exige ação para estabelecer um processo comunicativo efetivo. A comunicação não é retratada por uma linha reta, não é um eco verbal ou rebote das palavras reais, requer o reflexo do ouvinte (equivalente ao enviado pelo codificador) de que ele  entendeu o significado. Assim, um mecanismo de feedback, de retorno, é essencial para avaliar a comunicação honesta. A conversa informal é útil aqui, em vez de apenas usar o modo proclamação do púlpito.

Ouvir é, portanto, uma parte vital no processo de comunicação efetiva, especialmente para públicos como budistas, cuja compreensão se baseia em pressupostos e premissas diametralmente opostos. Quanto mais intercâmbio e feedback para esclarecer significados ocorrer, especialmente por meio de repetidos contatos sucessivos, mais assertivo será o entendimento bíblico.

No entanto, ainda que a precisão na comunicação seja de responsabilidade do comunicador, vale lembrar que somente o Espírito Santo comunica a verdade espiritual. Há momentos, inclusive, em que o Espírito Santo opera apesar da ignorância e dos erros do comunicador. Contudo, isso não é desculpa para deixar de fazer determinados esforços para aprimorar a comunicação do evangelho.

Mídia com sabor local

Nas culturas asiáticas, especialmente entre populações rurais e tribais, as formas de comunicação oral predominam. A influência das mídias eletrônicas e impressas nessas populações geralmente é baixa quando comparadas às formas locais de mídia. Estudos em etnomídia – canções nativas, dança, drama, música e outras artes – são urgentemente necessários em muitas culturas budistas. Pesquisas, experimentos e projetos-piloto devem ser implementado a fim de avaliar e medir a eficácia de cada meio de comunicação, e o uso e a adaptação dessas mídias locais devem ser encorajados em prol da comunicação do evangelho. Nas áreas urbanas e em algumas das zonas rurais também, algumas formas ocidentais de mídia, como filmes, foram um tanto indigenizadas. Os comunicadores cristãos devem estudar cuidadosamente a aceitação de tais mídias antes de lançar mão dessas ferramentas e maneiras ocidentais de comunicação.

Todo cristão deve buscar encontrar expressões significativas e ilustrações nativas aplicáveis à comunicação da verdade teológica. Usando uma expressão budista tailandesa, os cristãos devem procurar “108 significados”. Isso remete à famosa estátua de Buda em que nas solas dos pés estão embutidos 108 símbolos auspiciosos, vistos como 108 ilustrações da vida cotidiana, cheios de significados, à espera de uma aplicação espiritual. Os que atuam em um contexto budista devem constantemente estar atentos a ilustrações históricas interessantes, poderosas nas mentes dos ouvintes, para aplicar verdades espirituais. Por exemplo, na Tailândia, o conceito teológico de substituição, por meio do qual alguém dá a vida no lugar de outra pessoa, é incongruente com as crenças religiosas budistas. A bela história da famosa rainha Suriyothai do período Ayuthia ajuda a abrir as janelas de compreensão aqui. Resumidamente, o rei tailandês saiu para lutar contra o governante birmanês opositor. Suriyothai, sua esposa, vestiu-se disfarçada de guerreiro tailandês e, sem o conhecimento de seu marido, saiu para a batalha. Na luta que se seguiu, o rei tailandês estava perdendo a vantagem, e estava prestes a ser mortalmente atingido. Ao ver isso, a rainha intencionalmente dirigiu seu elefante entre o rei birmanês e seu marido, sendo morta pela faca de longo alcance empunhada pelo governante birmanês e poupando a vida de seu marido. Mais tarde, ele construiu um memorial especial para ela em homenagem à sua bravura e sacrifício. A ponte para o evangelho é óbvia.

Parábolas, símbolos e analogias geralmente são mais aceitos pela mente budista do que argumentos lógicos. É preferível, então, lançar mão de figuras de linguagem, e a Bíblia está repleta de parábolas e ilustrações ricas. No entanto, os obreitos transculturais tendem a explicar em demasia em vez de deixar o significado brilhar. Parábolas ou analogias são ótimas para deixar o budista aberto para a discussão, ajudando-o a discernir o significado do evangelho. Para grande parte das populações budistas, a maioria rurais, argumentos paulinos em estrita forma de lógica linear (como os do livro de Romanos) são difíceis de companhar. Suas mentes estão mais habituadas à lógica do tipo contextual, semelhante aos raios de uma roda que apontam para um ponto comum de significado. Essa abordagem é usada em Hebreus. Estudar o processo nativo de comunicação e utilizar esses princípios para proclamação e ensino é uma questão crucial para o evangelismo efetivo e ensino teológico. Isso vale tanto para os líderes locais nativos da igreja como para os missionários estrangeiros.

Algumas estratégias e abordagens teológicas

Muitas abordagens foram sugeridas e tentadas ao apresentar o evangelho aos budistas. Nenhum avanço importante foi visto a partir de algum método, estratégia ou abordagem específico, ou seja, deve-se levar em conta o indivíduo ou grupo específico com quem se está interagindo. As crenças budistas variam dramaticamente mesmo dentro de um país, assim como os grupos de pessoas (unidades homogêneas). Portanto, o evangelista e o teólogo cristão devem ser sensíveis, conhecer bem seus interlocutores e levar isso em consideração. Seguem algumas possíveis abordagens.

1. A abordagem apologética

Alguns teólogos cristãos sentem que existem muitos contrastes entre o budismo e o cristianismo, e de fato muitos conceitos são opostos. As inconsistências no budismo formariam a base do argumento para convencer logicamente os budistas do evangelho. Dorothy Beugler, de forma concisa, listou alguns desses contrastes e inconsistências em Religião do tailandês na Tailândia Central [The Religion of the Thai in Central Thailand].

Paul A. Eakin sugere que a apresentação mais eficaz de Cristo seria feita por aqueles que conhecem e estudam com simpatia o budismo, em vez de por um cristão que é ignorante a respeito do budismo. Ele defende, no entanto, que o evangelho deve ser apresentado à mente budista com a “força explosiva de um novo carinho”. Ele também afirma que o budista não alcançará Cristo melhor ou mais claramente por meio da filosofia budista. Sua apologética centra-se em torno de duas lacunas principais. Primeiro, um desafio para a cosmologia budista tradicional, usando Gênesis para convencer da verdade de Deus como Criador do mundo e dos homens. O segundo ponto da abordagem de Eakin trata da salvação e sa possibilidade de perdão e remissão de pecados por meio de Cristo (1956: 61-62).

É significatico que Daniel McGilvary, apóstolo pioneiro do norte da Tailândia, ganhou seu primeiro convertido, Nan Inta, ao prever o eclipse total do sol em 17 de agosto de 1868. Nan Inta, um abade budista e estudante diligente do budismo, discutiu com McGilvary sobre temas da ciência da geografia: a forma da terra, a natureza dos eclipses e assim por diante. É claro que há muitos mitos em conceitos infundados na antiga cosmologia budista. Finalmente, quando Nan Inta viu o eclipse tal como previsto, sua fé na antiga cosmologia foi destruída. Ele se transformou e passou a ser um cristão, um dos milhares a se curvar a Cristo no norte da Tailândia no meio século seguinte (McGilvary 1912: 96-97).

Wan Petchsongkram também gosta do método apologético, e centra seus argumentos em torno da pessoa de Deus e Deus como Criador (1975: 54f, 64f). Ele também lida com interpretações ou conceitos conflitantes no budismo como vinyaan (alma, espírito) e nipaan (nirvana) (1975: 39f, 119f).

Pregar sobre Deus deve ser feito de forma Deus não pareça ser mau nos termos do pensamento budista. Uma nova interpretação da avijja deve ser ensinada começando não com Deus o Criador (Gênesis 1, 2), mas com a queda do homem (Gênesis 3) como a verdadeira fonte de ignorância e consequente sofrimento.

Outro importante apologeta tailandês, Boonmi Rungruangwongs, argumentou sem rodeios em seus folhetos tailandeses sobre Deus e desejo, e fez também uma análise racional sobre matar animais com 22 pontos. Ele faz isso, no entanto, no contexto do pensamento budista.

Uma das melhores abordagens apresentando o evangelho ao budista já publicada é O budismo e as afirmações de Cristo [Buddhism and the Claim of Christ] por D.T. Niles (1967). Está escrito em um estilo compatível com os padrões de pensamento da mente budista, ainda que de um ponto de vista totalmente cristão. Eu recomendo.

Descobri que a abordagem apologética tem sido valiosa para ensinar os cristãos a entenderem sua fé em contraste com a maneira budista, não como uma estratégia privilegiada para conquistar grupos de budistas para Cristo. A maioria dos que usam a abordagem apologética geralmente afirmam que sua abordagem é ao budista pensador e estudado. No entanto, a maioria dos budistas não se enquadram nessa categoria.

2. A abordagem “ponto de contato”

Neste caso, usam-se elementos do budismo – semelhanças éticas e morais – como um trampolim para apresentar Cristo. Alguns consideram a doutrina do carma como algo incompleto em vez de como uma falsidade absoluta, tal incompletude encontra a sua realização em Cristo. Procurar o que Don Richardson chama de analogias redentoras no budismo pode ser bastante frustrante. No entanto, nos fundamentos animistas de muitas sociedades budistas, uma pesquisa cuidadosa pode identificar algumas analogias redentoras. Deus é o deus de todas as culturas, e ele permitiu certos elementos dentro de diferentes culturas para serem usados como pontes para o evangelho. Por exemplo, entre as crenças animistas, a tribo Sawi na Nova Guiné Ocidental tinha o costume de oferecer uma criança da paz para trazer e restaurar relações normais entre aldeias em guerra. Falar de Jesus como a criança [definitiva] da paz de Deus resultou no estabelecimento de uma igreja entre os sawis. Da mesma forma, o povo de Yali tinha seus lugares de refúgio designados, uma bela transição para Números 35 e o lugar de refúgio em Cristo. Outra tribo tem uma cerimônia impressionante e simbólica do novo nascimento. Às vezes, elementos como esses foram deixados dentro das culturas como referência residual que remetem à criação original, à queda do homem e ao verdadeiro plano redentor de Deus. Eles ficaram latentes à espera de emissários cristãos para aplicá-los como alavancas ou trampolins para pregar e ensinar o evangelho.

Três vezes eu visitei a Coreia do Sul, uma terra budista onde um forte movimento cristão ocorreu desde 1907. Um dos pontos-chave para o crescimento da igreja coreana sob a direção Espírito Santo foi a escolha que um missionário fez de um nome nativo para Deus: Hananim. Uma vez por ano, o rei coreano ia para uma ilha no meio do rio dentro da capital para fazer ofertas especiais para Hanylnim, que era considerado como um ser altamente elevado no céu, ou seja, Hanyl. Quando os primeiros missionários ensinaram sobre Hanylnim em termos mais profundos, com um conhecimento mais íntimo sobre ele do que o rei coreano ou os anciãos tinham, as pessoas ouviram. Foi um elemento significativo para converter milhares de coreanos a Cristo. Logo, Hananim (Hana = um), um termo mais bibicamente preciso, tornou-se amplamente aceito entre os protestantes.

Um outro ponto de contato budista em particular que alguns missionários usaram vale ser mecionado. Foi no movimento entre os budistas tailandeses do norte que ocorreu entre 1884 e 1914, nos dias de Daniel McGilvary, quando a igreja cresceu de 152 membros para 6.900. Normalmente, esse crescimento é decorrente de uma série de causas entrelaçadas. Um desses elementos, no entanto, parece ter vindo de um ponto de contato budista. Em 1895, W. Clifton Dodd escreveu o breve artigo “Sião e o Laos”, no qual ele observou “a providencial preparação” dos budistas tailandêses do norte para o evangelho. Ele se referiu à “preparação do budismo”, cujo “ritual sem sentido em uma língua desconhecida (Pali)” forneceu “respostas inadequadas para a cabeça ou o coração” (1895: 8-10). Dodd, um missionário veterano para o Lao, como o étnico norte da Tailândia era então conhecido, sugeriu que “as mais diversas elaborações são encontradas nos livros budistas de Laos” a fim de evitar (sem sucesso) que as pessoas adorem os espíritos. Na verdade, um dos fatores que deram suporte a esse movimento foi o ensinamento budista de um futuro salvador. Pelo menos três nomes fizeram referência a esse salvador final: 1) Phra See An, 2) Phra Ahreyah Metrai (também escrito por Maitreya) e 3) Phra Pho Thi Sat (esse último também é conhecido pelos budistas chineses). Parte desta profecia mítica budista diz:

Há milhares de anos, um corvo branco colocava cinco ovos; cada um desses ovos estava a chocar e gerar um Buda; esses Budas apareceríam no mundo superior, um por um; os quatro já apareceram; e o último está por vir. As pessoas acreditavam que ele seria o maior e o melhor de todos; que ele reinará gloriosamente 84.000 anos, e que, em seu tempo, todos os homens se tornarão puros de coração. (Harris 1906:214, grifos meus)

Dodd também escreveu sobre uma tradição amplamente prevalente sobre Punyah Tum, uma espécie de João Batista:

Seu advento deve ser anunciado por um precursor, Punyah Tum, que preparará o caminho; o terreno irregular deve ser feito tão liso como Terra do Templo. Então o irmão mais velho de Buda deve se encarnar como um salvador. O nome dele é Alen-Yah Metrai (sic). Somente os bons podem vê-lo, mas todos os que o veem serão salvos. A proclamação ao povo de Laos desta plenitude dos tempos e a salvação completa é prevista por um estrangeiro do sul. Ele deve ser um homem com cabelos brancos e uma barba longa, que não voará no ar como um pássaro, nem ele andará na terra como uma besta, mas que virá trazendo nas mãos os verdadeiros dez mandamentos. (Beach 1902: 315).

O impacto da aparição do pioneiro Daniel McGilvary no norte à luz dessa expectativa deve ter impressionado muitos dos budistas. Uma testemunha da chegada de McGilvary em uma de suas excursões ao norte descreveu-o como “um homem com barba longa e branca montado em um elefante. Quando ele desceu do animal, começou a ensinar sobre um livro” (McFarland, 1928: 183).

Arthur J. Brown citou Dodd e Briggs em relação a “uma expectativa geral de outra reencarnação de Buda” (1908: 343). Dodd disse:

A maioria de nossos ouvintes olhou para Jesus como o próximo Buda, o Salvador, Ahreyah Metrai. Muitos levantaram as duas mãos em adoração às imagens, aos livros e aos pregadores. Nossos colporteurs (vendedores de livros) foram tratados na maioria dos lugares como mensageiros do Messias budista. Ofertas de alimentos, flores e velas finas foram feitas para eles. Em troca, eles deveriam abençoar os rios. Eles explicaram que eles próprios eram pecadores, obtendo todos os méritos e bênçãos de Deus, e então, reverentemente, pediam uma bênção dEle. Assim, os cultos cristãos foram realizados em centenas de casas.

Briggs relatou sobre um de seus passeios:

A mensagem foi recebida com gratidão franca e interesse inteligente, muitas pessoas ficando muito tempo depois da meia-noite, lendo os livros e folhetos à luz do fogo e fazendo perguntas sobre os cristãos em nossa presença. Essas pessoas, com fome da verdade que satisfaz e desejando a luz, aguardam ansiosamente a chegada do prometido Messias do budismo.

Alguns dos missionários tiraram proveito dessas previsões “apontando para a salvação moldada pelo bem-aventurado Filho de Deus”. Eles usaram isso como ponto de partida do contato dentro da cultura budista para ligar a lacuna religiosa-cultural em uma comunicação significativa. Eles prosseguiram para expor as riquezas de Cristo.

A maioria dos missionários, no entanto, foi cautelosa ao usar essa alavanca budista como uma abordagem. Muitos dos detalhes mais específicos eram contrários aos relatos bíblicos. Não houve uma comparação completa de Ahreyah Metrai e Cristo, nem tentaram integrar ou sintetizar os dois. Era apenas um ponto de contato, um despertador de interesse. Os missionários cristãos evitaram dar credibilidade e autoridade aos escritos budistas. Mantiveram uma visão elevada da autoridade e da singularidade da revelação bíblica. Eles também tiveram o cuidado de não sincretizar Cristo na estrutura budista, eles pregaram um Salvador único, o Senhor Jesus Cristo, em seus evangelismos.

Essa ilustração pode ser irrelevante para os budistas modernos hoje. No entanto, a busca sensível de pontos de contato adequados deve continuar – pontes de significado devem ser exploradas.

3. A abordagem da teologia da vergonha

Uma terceira abordagem fala da diferença teológica entre vergonha e culpa. Entre as sociedades da Ásia budista em que havia “perda de prestígio”, a vergonha em vez da culpa é uma característica dominante na cultura. Teologicamente falando, há um espaço considerável para investigar sobre esse tema relacionando-o à abordagem do evangelho ao budista. Lowell L. Nobel fez uma valiosa contribuição em seu estudo antropológico, bíblico e sociológico de vergonha, intitulado Nu e não humilhado [Naked and Not Ashamed]. Ele faz observações interessantes relacionadas ao Japão, China e Tailândia (1957: 46-63). O artigo de Joseph R. Cook “O evangelho para os ouvidos tailandeses” [“The Gospel for Thai Ears”] também explica a abordagem da “vergonha”.

Valendo-se dela, a mensagem evangelística torna-se “pecado-vergonha-Salvador” em vez de “pecado-culpa-Salvador”. Na verdade, a vergonha é mais mencionada nas Escrituras do que a culpa. Contudo, mais pesquisas e estudos devem ser feitos sobre essa abordagem, e uma série de problemas ainda precisam ser esclarecidos. Um dos principais seria superar a preocupação budista com si próprio e tornar aceitável a necessidade de prestar contas perante Deus. Os teólogos, tanto ocidentais como nativos, devem pensar nessa abordagem em termos das definições conceituais das culturas budistas. A vergonha no Ocidente não é necessariamente idêntica à vergonha no Oriente.

Quando se fala em “perda de moral/pretígio” ou em cultura de vergonha, a vergonha pode ter como fonte razões puramente egoístas, especialmente na sociedade individualista da Tailândia. A questão teológica é ver na vergonha de alguém uma responsabilidade para com os outros e, especialmente, para com Deus. A abordagem da vergonha, para ter bases bíblicas, deve explapolar o próprio indivídio (sair do entorno de si próprio) e ter um expectro mais amplo.

4. A abordagem “coçando onde coça”

Cristo sempre aplicou sua mensagem às necessidades singulares do indivíduo ou do grupo em questão. Ele estava constantemente ministrando às necessidades, aplicando o evangelho às feridas das pessoas. O cristianismo precisa ser prático nestes dias, não apenas na demonstração de boas obras, mas também na aplicação de seus ensinamentos às reais necessidades das pessoas. Evangelistas e teólogos devem observar com atenção e ouvir conscientemente as batidas do coração da comunidade. Análises e pesquisas são necessárias para descobrir as necessidades profundas dos vários grupos de pessoas. Devemos descobrir onde as pessoas estão com coceira e, em seguida, coçar lá com o evangelho. A teologização dissociada das reais necessidades das pessoas é inútil, mas também é inútil o serviço social sem exposição do evangelho.

Além disso, valendo-se desta abordagem encarnacional para a comunidade, o ministro do evangelho constrói sua credibilidade entre as pessoas. Ele senta onde eles se sentam e sentem como eles se sentem. Ele também se torna uma demonstração viva do evangelho que proclama, enquanto ministra e ensina para esses necessitados.

É preciso ter paciência quando se trabalha com pessoas budistas. Normalmente, é necessário um tempo de difusão da mensagem. A saturação do evangelho, que não acontece de forma instantânea, quebra barreiras de ignorância. Poucas pessoas na Ásia sabem sobre o verdadeiro evangelho, mesmo assim o evangelista muitas vezes espera que eles tomem uma decisão imediata por Cristo. Deve-se avaliar onde cada comunidade está na “escala de consciência” proposta por Engel e Norton (1975: 45) para se definir os próximos passos na condução de pessoas em direção a Cristo.

Também é importante localizar as famílias receptivas e unidades responsivas da comunidade – elas devem ser o foco do evangelismo e ensino intensivos. Isso não se faz do púlpito, nem de forma impessoal. É por meio do contato pessoal genuíno que se conhecerão as necessidades e desejos das pessoas para que o bálsamo do evangelho os atenda. Como H. Richard Niebuhr concluiu em seu livro Cristo e Cultura [Christ and Culture] (1956), “Cristo é o transformador da cultura”.

Os fatores sociológicos das comunidades – incluindo mudanças culturais, avanços tecnológicos, globalização etc. – devem ser considerados na pregação e nas abordagens. Hoje, as populações urbanas podem não ser tão budistas como são secularizadas e materialistas. No entanto, as premissas budistas subjacentes serão semelhantes.

Uma bela ilustração de “coçando onde coça” diz respeito aos batistas testemunhando de Cristo em favelas no sul da Tailândia. Houve pesquisa consistente das necessidades e de como os cristãos poderiam ir ao encontro delas de forma prática, concomitantemente, proclamavam o evangelho. O alvo era estabelecer igrejas em casas dos locais.

É importante pontuar que muito do crescimento da igreja nas terras budistas está relacionado à vulnerabilidade e incapacidade humanas – situações extremas foram oportunidades usadas por Deus. Henry Otis Dwight, referindo-se aos grandes blocos de populações não cristãs como os budistas, muçulmanos e outros, afirma que “muros de resistência” foram levantados diante da igreja. Ele sugere que os cristãos busquem fissuras nessas paredes aparentemente resistentes, que seriam pontos estratégicos para o evangelismo efetivo. Ao identificar indivíduos ou grupos menores mais receptivos (discretos entre a população dominante), por exemplo, evita-se “golpear com vigor uma parte rígida antes do tempo oportuno” (1905: 82-83). É claro que os grandes blocos resistentes não devem ser negligenciados – pesquisas devem ser feitas e abordagens adequadas devem ser encontradas – mas essas fissuras devem ser exploradas ao máximo. As oportunidades devem ser aproveitadas. Os campos maduros devem ser colhidos.

Muitos budistas que vieram a Cristo chegaram primeiro “até o fim de si mesmos”. Muitas conversões do budismo ocorrem quando se percebe a incapacidade de atingir a perfeição por esforço próprio. Na Tailândia rural, o movimento entre os pacientes com hanseníase é um exemplo. Eles têm suas necessidades sociais, físicas e espirituais atendidas em clínicas cristãs para tratamento da lepra e, posteriormente, em igrejas cristãs. Descrevi alguns desses processos no livro Estratégia para Multiplicar Igrejas Rurais [Strategy to Multiply Rural Churches] (1977: 134-135). Um grande número de pessoas também se voltou para Cristo por conta de outras necessidades médicas e seu contato com cristãos em clínicas ou hospitais (Smith 1977: 173).

Outros pontos de vulnerabilidade estão relacionados a espíritos malignos, opressão e feitiçaria. Muitos desses que se converteram do budismo para Cristo no início do movimento no norte da Tailândia fizeram isso para obter a libertação de acusações de feitiçaria e do ostracismo social a ela associado. Conheci alguns casos de budistas que se tornaram cristãos para serem libertos da opressão ou da possessão espiritual. Eles haviam orado a Buda e a outros deuses, fizeram oferendas aos espíritos, adoraram ídolos, entraram no sacerdócio e ainda não tinham libertação. Frustrados, encontraram-se com Jesus quando estavam no limite (Smith 1977: 158).

Outros vêm a Cristo por conta da pobreza e de situações de vida precárias: desastres, inundações ou fome. O carma se tornou insuportável – estão fartos, sem esperança, frustrados e desencorajados. Ouvir a boa nova do evangelho e ver o amor de Cristo por meio dos cristãos muitas vezes converte alguns a Cristo.

Outro caso a ser mencionado é o dos refugiados do Sudeste Asiático de terras budistas, mais de 100 mil só na Tailândia. Eles eram muito receptivos, especialmente nos primeiros dias de sua liberdade. No ponto máximo de sua irritação e frustração, buscaram alguém de quem realmente pudessem depender – não é de espantar que os batistas do sul da Tailândia sozinhos batizaram 2.100 refugiados cambojanos e vietnamitas durante os três anos seguintes a 1975. O Camboja tem hoje uma das taxas de conversão ao cristianismo mais alta do mundo (Centro para o Estudo do Cristianismo Global, Seminário Gordon Conwell, junho de 2013).

Apesar de as situações extremas serem as mais diversas, elas sempre abrem oportunidades para o evangelho, para condizir as pessoas nos caminhos da Palavra de Deus, por isso nunca devem ser negligenciadas. Nas últimas décadas, a maioria das principais terras budistas da Ásia passou por alguma experiência traumática: incursões políticas e militares (em alguns casos, domínios completos) desafiaram o núcleo desses países e sua religião. Diante dos traumas provenientes das crises nacionais, do caos econômico e dos confrontos militares na Ásia, vem a pergunta: Deus está levando as nações budistas a situações limite para abalar a confiança deles em si mesmos e, assim, conduzi-los ao evangelho da graça, fazendo-os clamar por Cristo, o único que de fato pode socorrê-los?

Outra brecha ou está na morte. Muitos budistas temem o inferno, a morte e a vida após a morte. Existe uma profunda preocupação para com os espíritos ancestrais e o castigo que virá para aqueles que falham em reverenciá-los.

É importante mencionar que são necessárias mais pesquisas para identidicar quais pontos, quais medos e aspirações mais profundas do coração budisco o evangelho toca.

5. A abordagem do encontro de poder

Finalmente, uma vez que algumas nações budistas têm um animismo modificado (não um budismo puro), deve-se considerar a abordagem do encontro de poder. Um estudioso líder budista diz que, desde o longo passado distante, “os budistas tailandeses tiveram um deus”. Isso é claramente mostrado na palavra phrachao, um termo verdadeiramente tailandês que se refere a “algo que se teme, que se deve agradar ou a que suplicar, um instinto entre todos seres pensantes”. Mesmo antes do bramanismo ou do budismo, o povo tailandês acreditava em algum tipo de deus em termos de espírito e de ser divino. Os adeptos do bramanismo introduziram o conceito do rei como uma encarnação de deus, daí a palavra phrachao também ter sido usada para o rei. Quando o budismo tornou-se dominante, houve uma tendência de glorificar cada rei como um Buda. (Indapanno 1967: 61,63).

Além disso, os budistas tailandeses têm um profundo respeito por phra, um poder sobrenatural quantitativo impessoal. Muitas crenças e conceitos envolvem poder em água benta, encantamentos, tatuagens, amuletos e objetos de phra em miniatura que amarram em seus pescoços ou outras partes do corpo (khryang raang khong khlang). A maioria está relacionada à preocupação com proteção, segurança e invulnerabilidade, ou por poder sobre outros, especialmente na vida econômica e amorosa.

Assim, o evangelho deve apresentar a Cristo como o poder superior sobre todos esses elementos. Usando essa abordagem de poder na Tailândia, notei uma melhor receptividade ao evangelho. A mensagem de poder pode ser apresentada da seguinte forma:

  1. Deus é a fonte original de todo poder e perfeição. O Senhor Jesus Cristo é o Senhor Todo-Poderoso. Ele é Criador e Senhor sobre tudo. (João 1.1-3, Colossenses 1.16-17)
  2. Deus criou o homem à imagem de Deus e lhe deu poder para governar o mundo. O homem era originalmente perfeito e gozava de sua liberdade e poder na presença de Deus sem vergonha, pecado ou morte. (Gênesis 1.26-27, 2.7-25)
  3. A humanidade perdeu esse poder por conta de sua própria desobediência voluntária e rebelião contra Deus. Ficou então sob o poder dos espíritos malignos e demoníacos, o que resultou em sofrimento, vergonha e morte. O homem começou assim o processo de “carma” e se tornou escravo do pecado. (Gênesis 3, Romanos 5.12, João 8.34, Efésios 2.1-3)
  4. O Senhor Jesus Cristo viu que a humanidade não tinha como se livrar do poder de Satanás, do pecado e do “carma”. Cristo então desceu para quebrar o poder de Satanás na vida humana, libertando do poder dos espíritos malignos e resgatando do pecado e do “carma”. Pelo milagre de morrer no lugar do homem, ele carregou o seu castigo do pecado e vergonha. O perfeito e sem pecado, Jesus, restaura o poder de Deus na vida das pessoas e dá uma nova qualidade de vida, vida essa conectada espiritualmente ao próprio Deus. (João 1.14, 18, 29)
  5. Todos podem ter esse poder por meio do arrependimento e da fé, recebendo Cristo como seu Senhor e dependendo dele constantemente. Deus, por sua graça, dá esse poder livremente, independente das obras ou do mérito de cada um. Esse poder é dado por meio do seu Espírito Santo. (João 1.10-13, 15.26, 16.12-15)
  6. Os cristãos devem compartilhar esse evangelho de poder e liberdade do “carma” com seus parentes, amigos, vizinhos e nação. (Atos 1.8, Ezequiel 3.19-20)

Obviamente, um fundamento polêmico – o ensino sobre a existência de Deus – é vital. A abordagem do encontro de poder também requer tempo para difusão, ensino e saturação. Um movimento de grupo geralmente surge a partir de algum convertido local que fala sobre Cristo e sua Palavra. Sua demonstração ousada de romper com o caminho antigo é muitas vezes a faísca que inflama um movimento maior.

A Bíblia abunda em ilustrações de encontros de poder —o poder de Deus aplicado contra o poder do mal, Satanás e o mundo demoníaco. Alguns exemplos: Gideão destruindo a árvore genealógica espiritual, Elias desafiando a população e os sacerdotes no Monte Carmelo, os três amigos de Daniel na fornalha ardente e Daniel provando o poder de Deus na jaula dos leões. Apresentar a superioridade do poder de Cristo acima de tudo em nossas vidas é uma abordagem dinâmica para conduzir os budistas a uma relação viva com Cristo. O desafio de Josué também retrata um encontro de poder:

Agora temam o Senhor e sirvam-no com integridade e fidelidade. Joguem fora os deuses que os seus antepassados adoraram além do Eufrates e no Egito, e sirvam ao Senhor.
Se, porém, não lhes agrada servir ao Senhor, escolham hoje a quem irão servir, se aos deuses que os seus antepassados serviram além do Eufrates, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra vocês estão vivendo. Mas, eu e a min
ha família serviremos ao Senhor. (Josué 24.14-15).

A solidariedade social da família nesse apelo é aplicável hoje às terras budistas. Por meio daela, a igreja se estabelecerá de forma estável, permanente e frutífera no meio de uma sociedade socialmente antagônica.

Conclusão

A conclusão prática diante da realidade da tarefa global requer uma teologia que lida com três questões básicas.

  1. Conflito espiritual – Requer oração focada em quebrar as forças controladoras da escuridão nos lugares celestiais. Deus tem respondido e vai responder às orações, mas as forças demoníacas podem dificultar e frustrar (Daniel 9.3-4, 17-23). Peça a Deus para quebrar esses poderes e libertar corações budistas para que compreendam a Palavra de Deus por meio do Espírito Santo.
  2. Choque sociocultural – A sólida solidariedade social vem em grande parte do pensamento religioso: ser tailandês, por exemplo, na mente da maioria das pessoas, significa ser budista. Converter-se do budismo é como se tornar um traidor da própria nação. Como preparar a população budista para mudanças no quadro religioso/social?
  3. Audaz, embora humilde, confronto do evangelho com o budismo – É necessário um encontro dinâmico do Senhor vivo em contraste com o Buda adormecido. Que cristãos surjam, como Elias, para demonstrar encontros de poder. Maior será o ganho por meio da apreciação simpática das pessoas do que pela lógica fria. Uma sensibilidade cultural deve ser soldada ao evangelismo encarnacional com embasamento bíblico profundo. Isso requer uma abordagem centrada na pessoa, mantendo um evangelho centrado na verdade. Para encontrar as melhores abordagens evangelísticas para cada população budista, pesquisas e experimentos criteriosos devem ser implementados rapidamente.

Tudo isso chama os teólogos de hoje a uma nova tarefa prática, a de lidar com várias questões básicas na comunicação para que grandes áreas de população budista possam e sejam conquistadas para Jesus Cristo e se tornem membros funcionais em sua igreja agora e nas próximas décadas.

 

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Acesse aqui uma seleção de 16 artigos sobre o tema.

 

Sobre o autor
Alex Smith é missionário da OMF Internacional há mais de 45 anos. Serviu por duas décadas entre budistas na Tailândia, e, desde então, ministra ao redor do mundo. Ele dá aulas sobre o Budismo, Cristianismo e Religiões Globais em seminários na Ásia e no ocidente.

Esse artigo tem como base o capítulo 7 do livro O Budismo através do olhar cristão, de Alex Smith, publicado pela OMF Internacional (OMF Books) em parceria com a Sepal. A publicação pelo Martureo com as devidas edições foi devidamente autorizada pela OMF.

 

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