Ministério no local de trabalho

Formação e capacitação de liderança local com fundamentos bíblicos sólidos é um dos desafios

Na foto, Tiago e alguns de seus alunos de Teologia: “Há jovens comprometidos, que querem estudar e se preparar para servir a Cristo”.

Como as percepções de um jovem missionário que ainda completará 3 anos no campo podem nos ajudar a entender melhor o contexto de um dos países africanos lusófonos? Nesta entrevista que concedeu ao Martureo, Tiago Alves da Silva, que está em Moçambique com a família – a esposa Suzana e os filhos, Samuel, Timóteo e Esther – fala sobre esse país do sudeste do continente africano e sobre como a igreja brasileira pode contribuir para a propagação do evangelho ali.

Martureo – Qual é o retrato atual do cristianismo em Moçambique?

Tiago Alves da Silva (TS) – Moçambique, de acordo com o senso de 2017, tem cerca de 30 milhões de habitantes e é um dos países com piores índices de desenvolvimento humano do planeta. Ele está dividido em 10 estados e tem 40 etnias. Mais da metade da população adota práticas de religiões chamadas tradicionais ou tribais, que incluem evocação de espíritos, sacrifícios, curandeirismo etc. 25% da população autodenomina-se cristã, no entanto, percebemos práticas e ensinos que, claramente, não estão de acordo com a Bíblia. Há uma exploração religiosa muito grande que vai, principalmente, na linha da chamada Teologia da Prosperidade. O islamismo também tem crescido.

Martureo – Qual é o maior desafio?

TS – A formação e a capacitação de uma liderança local com fundamentos bíblicos sólidos. A cultura oral é a base, a maior parte dos moçambicanos não teve a oportunidade de aprender a ler e escrever, ou não consegue entender o que lê, são os chamados analfabetos funcionais. Isso dificulta o estudo da Palavra, seja por pastores ou cristãos em geral, e faz com que heresias não possam ser confrontadas à luz do texto bíblico. Conceitos teológicos básicos como a suficiência da cruz precisam ser ensinados. Antes disso, no entanto, é necessário fornecer uma formação educacional básica, e a Igreja moçambicana tem atuado nesse sentido. O governo lançou um programa que se assemelha ao supletivo, mas não há professores capacitados para ministrar aulas, e as igrejas têm aberto seus espaços para os cursos e contribuído com professores. Em muitas cidades, como na capital Maputo, em Beira, Tete, Matola, há escolas sérias de ensino teológico para líderes e, nelas, também dão-se aulas de Português.

Martureo A liderança é local?

TS – Nos assim chamados seminários ou institutos bíblicos, os estrangeiros ainda são cerca de 90% dos que ensinam, e há necessidade de mais ajuda. Nas igrejas, 70% da liderança é de moçambicanos. Em algumas denominações, praticamente só há moçambicanos na liderança. Apesar de ainda nos depararmos com uma porção de realidades muito tristes, como igrejas que se dizem cristãs e cujo líder explora os fiéis até mesmo sexualmente, há igrejas saudáveis, com líderes-servos, por meio das quais vemos o evangelho fazendo diferença na vida das pessoas. É gratificante ver cristãos moçambicanos cientes de que a situação em que vivem não é uma sina, mas fruto do pecado. Há jovens comprometidos, que querem estudar e se preparar para servir a Cristo.

Martureo – Quantos cristãos brasileiros atuam em Moçambique?

TS – Não há um dado preciso. Há muitas organizações que trazem brasileiros, boa parte delas não é séria, vem para explorar religiosamente os moçambicanos, como o fazem no Brasil e em outros países, infelizmente. Tem também aqueles que chamamos de auto enviados, que não estão ligados a igreja local ou denominação ou a alguma organização missionária. E há brasileiros que vieram por meio da Vale ou da Odebrecht para trabalhar.

Martureo – Como a Igreja brasileira poderia contribuir mais com a Missão de Deus em Moçambique?

TS – Há necessidade de mais obreiros, principalmente para ensinar e capacitar a liderança local, dar aulas, discipular. Na área infantil, há uma lacuna imensa a ser preenchida. É necessário capacitar voluntários para que ensinem a Bíblia às crianças, as igrejas precisam de apoio para montar um programa de ensino bíblico infantil, a maioria recebe muitas crianças, mas não sabe como e o que ensinar a elas. Os brasileiros, em geral, são muitos bem quistos pelos moçambicanos. Há muita carência de bons materiais também. A Internet não é uma realidade acessível a boa parte da população, então precisamos de Bíblias, bons livros, material infantil. Equipes de curto prazo enviadas por igrejas brasileiras, quando trabalham em conjunto com equipes locais, também contribuem demais. A realidade socioeconômica de Moçambique pede que a Igreja atue também promovendo justiça social e demonstrando compaixão pelos necessitados. E, claro, orando e apoiando financeiramente o trabalho que está sendo feito.

Martureo – O que você diria a alguém que está lendo esta entrevista e considerando ir apoiar o trabalho em Moçambique, ser um missionário transcultural?

TS – Ore, meu irmão, peça a Deus orientação e discernimento. Procure a liderança de sua igreja para que você seja orientado e venha com o respaldo e a bênção de sua comunidade local e/ou denominação. Filie-se a alguma organização missionária séria que já realiza algum trabalho aqui. Pesquise quantos missionários ela já enviou, como atua, peça referências, veja se é idônea. Não tenha pressa, prepare-se bem, estou falando de formação teológica e missiológica e também de outros idiomas, principalmente o inglês, muito necessário no meio, ainda que aqui em Moçambique falem português. Também recomendo ter alguma experiência no mercado de trabalho. Quando você já atuou em alguma organização, é mais fácil planejar sua rotina de trabalho, entender que precisa prestar contas, lidar com os compromissos, relacionar-se com os demais obreiros.

Martureo – O que você pode aconselhar a partir da experiência, ainda que pequena, que já acumulou?

TS – Completaremos 3 anos aqui em Moçambique em breve. Foram cerca de 8 anos de preparação para virmos. Estivemos antes em Moçambique, não foi uma decisão às cegas. Ainda assim, vejo que poderia ter pesquisado mais sobre o país, sobre os acordos internacionais entre Brasil e Moçambique, sobre as leis locais etc., isso teria economizado um tempo de aprendizagem no início. Vale tanto para quem pensa em vir para cá como ir para outro país. Também acho importante desmistificar algumas ideias sobre como é viver aqui. Claro, não temos acesso a muito do que há no Brasil em termos de lazer, saúde, saneamento, mas vivemos normalmente

Quer saber mais sobre Missão ou Missões?

Leia o artigo “As cinco marcas da Missão”, de Chris Wright.

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