Geopolítica ou religião? O papel da escatologia Xiita no conflito entre Israel e Irã

Geopolítica ou religião? O papel da escatologia Xiita no conflito entre Israel e Irã

por Marcos Amado

A vertente xiita do islamismo no Irã sustenta convicções motivadas por três conceitos profundamente arraigados em suas crenças religiosas: Messianismo, Destino Manifesto e Escatologia. Tais convicções motivam seus seguidores mais combativos a almejarem fervorosamente a aniquilação do moderno Estado de Israel.

Reconheço a contundência desta afirmação e espero que, ao concluir este artigo, o leitor compreenda a razão. Para tanto, é necessário, primeiramente, esclarecer, ainda que brevemente, os conceitos de Messianismo, Destino Manifesto e Escatologia. Apesar de enraizados em convicções religiosas profundas, esses conceitos exerceram e continuam a exercer forte influência nos rumos políticos e sociais da humanidade.

O messianismo, com o qual nós, cristãos, estamos mais familiarizados, é o messianismo religioso, caracterizado pela visão profética veterotestamentária de que um dia Deus enviaria um salvador que libertaria seu povo de toda opressão e sofrimento infligidos por seus inimigos. William Horbury, por exemplo, define messianismo de como “a expectativa um governante preeminente que está por vir”, mas também inclui na sua definição a possibilidade de “tratar um governante atual de maneira messiânica.”1  Esse tem sido o caso em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil.

O conceito de “destino manifesto” surgiu originalmente no século 19 e “defendia que era o direito divinamente ordenado dos Estados Unidos expandir suas fronteiras até o Pacífico e além”.2 Este fenômeno, ao longo da história, se manifestou e se manifesta em
diferentes países e regiões ao redor do globo.

Já a escatologia é um termo com o qual estamos mais familiarizados. É a doutrina que trata sobre os últimos acontecimentos da história e o cumprimento dos propósitos eternos de Deus para a humanidade e para todo o universo. Não é um tema exclusivo do cristianismo e tem grande relevância para os seguidores de outras religiões, tais como o judaísmo e o islã.

Em um primeiro momento, pode parecer que tais conceitos não têm nenhuma relação com o que tem ocorrido no Oriente Médio nas últimas décadas. No entanto, possivelmente esse é um dos principais erros que cometemos quando tentamos entender o imbróglio político e religioso que envolve as grandes potências mundiais, como os Estados Unidos, China e Rússia, assim como participantes de menor envergadura, tais como Arábia Saudita, Egito, Líbano, Jordânia, e Autoridade Palestina, entre outros.

Todos esses protagonistas giram ao redor de dois personagens centrais: Israel e Irã. Israel é uma ‘semidemocracia’ parlamentarista, fundada em 1948, com o apoio dos Estados Unidos e das potências europeias. Foi constituído, inicialmente, principalmente sob a liderança de emigrantes judeus oriundos da Europa, mas, paulatinamente, judeus de diferentes partes do mundo se uniram ao projeto de criação de um novo país não muçulmano no coração do Oriente Médio. Desde sua fundação, seu desenvolvimento social, tecnológico e militar foi assombroso, e hoje é um país moderno, com uma indústria pujante e altos níveis de educação e produção intelectual. Uma parcela menor (porém influente) da população segue a religião judaica, mas a maioria pode ser considerada secularizada, pois relega a religião a um segundo plano.

O Irã é uma república islâmica fundamentalista e totalitária, cujos habitantes (segundo os dados do governo), são, na sua vasta maioria, da vertente xiita do islã e se orgulham de serem os descendentes do outrora todo-poderoso Império Persa. Desde a revolução islâmica promovida pelo Aiatolá Khomeini em 1979, o país se transformou em uma suposta teocracia, governada por líderes religiosos xiitas, que possuem a palavra final tanto em questões religiosas como políticas. Cabe ao presidente dirigir o governo, mas sempre dentro dos limites e direcionamentos impostos pelos Aiatolás, que se preocupam com as questões consideradas espirituais, mas também geopolíticas.

Destino Manifesto, Messianismo e Escatologia Xiita Iraniana
Como é bem conhecido, as duas principais vertentes dentro da religião islâmica são o…

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