Fundamentos para diálogos entre cristãos e cientificistas

Integração entre religião e ciência por meio da investigação das bases evidenciais 

Rafael Zulato Langraff

Introdução

Ciência ou religião, eis a questão. O dilema de Hamlet parafraseado parece representar a essência do conflito que ganha maiores proporções com a evolução da ciência e a rejeição do cristianismo pelo racionalismo humanista que, nos últimos tempos, parece potencializado pelos impasses bioéticos suscitados principalmente pela pandemia de Covid-19 em 2020-21. O cerne da questão está na aparente contradição entre o conhecimento fornecido pela ciência e o conhecimento fornecido pela Bíblia. Como resultado desse dualismo, surge a questão de se devemos crer e agir de acordo com a ciência ou de acordo com a religião, e a posição mais comum é de que não é possível uma terceira opção devido às contradições entre ambas.

Paulo exorta na carta aos Romanos: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”(Rm 12.2, NVI). O desafio proposto pelo apóstolo é adotarmos uma forma diferente de pensar em comparação com aqueles que não conhecem a Deus pelas Escrituras. Ocorre que, em muitas questões, as descobertas científicas parecem se opor radicalmente ao que é narrado pela Bíblia. Digo “parecem” pois investigar as bases de tal conflito será o objetivo deste artigo.[1] No entanto, uma vez que tudo foi criado por Deus, o estudo empírico da natureza não deve nos direcionar a uma verdade diferente da revelada por Deus nas Escrituras – e Paulo valida essa afirmação na mesma carta – Rm 1.10. Então, em que medida o conhecimento científico se opõe ao conhecimento bíblico?

1. Fundamentalismo, cientificismo e naturalismo ateísta

Há na cultura ocidental o conceito de que “toda reinvindicação da verdade deve ser autenticada pelo filtro da razão científica para ser aceita como fato”. Se determinada reinvindicação não passar pelo filtro científico, então se configurará meramente como uma opinião pessoal ou como valores particulares, algo que, para a sociedade como um todo, é inferior ao fato científico.[2]

Lesslie Newbigin identifica como uma doença da nossa cultura a “ideia de um tipo de conhecimento que não pode ser colocado em dúvida”. Tal postura pode ser extrapolada para dois extremos opostos. De um lado, encontramos o fundamentalismo bíblico que defende que a “adesão do texto bíblico me livra do risco do erro e, portanto, dá-me uma segurança que não depende de meu próprio discernimento da verdade”. O fundamentalista radical isola-se das descobertas científicas, ou as utiliza de forma instrumental e seletiva com a finalidade de comprovar suas crenças preestabelecidas.

De maneira geral, existem dois riscos para os crentes apegados à veracidade da Bíblia: por um lado, em um desastrado esforço apologético, buscar a todo preço provar o valor dela graças a descobertas [científicas] (a Bíblia não precisa disso!) e, por outro, temer as descobertas [científicas] e cair num obscurantismo que rejeita as dificuldades.[3]

No outro extremo, encontra-se o cientificismo que se apega ao conhecimento científico de forma dogmática.

[O cientificismo] acredita que a ciência é uma simples transição da realidade, dos “fatos” que simplesmente têm de ser aceitos, e não exige nenhuma decisão pessoal da minha parte, um tipo de conhecimento que é “objetivo” e livre de todo o preconceito da subjetividade.[4]

Toda reinvindicação da verdade deve ser autenticada pelo filtro da razão científica para ser aceita como fato?

O cientificismo pode se apresentar de duas formas: como cientificismo forte ou como cientificismo fraco. No modelo forte, são aceitas como verdade somente proposições testadas, confirmadas e publicadas por metodologia cientifica adequada. “Não há verdades que não sejam verdades científicas, e, mesmo se houvesse, não haveria qualquer razão para se acreditar nelas”. No cientificismo fraco, há uma disposição para crer que existem outras verdades não abordadas pela ciência, mas o conhecimento científico é superior aos demais, e não possui limites em sua abordagem. Devemos buscar aferição de todo e qualquer conhecimento pelos métodos científicos. Somente quando for possível conferir apoio científico a uma questão externa à ciência, ou quando for possível reduzir tal questão à ciência, então ela se torna uma questão racionalmente aceitável. “Desse modo, temos a obrigação intelectual de tentar usar a ciência para solucionar problemas em outros campos”.[5]

O teórico que argumenta a favor da ciência como fim último de todas as coisas – e que aquilo que não está nos livros científicos não vale a pena ser conhecido – não passa de um ideólogo com uma doutrina própria, distorcida e peculiar. Para ele, a ciência não é mais do que um setor da iniciativa cognitiva, mas sim uma cosmovisão que inclui todas as coisas. Essa não é a doutrina da ciência, mas a do cientificismo. Tomar essa posição não é celebrar a ciência, mas distorcê-la.[6]

Ainda que o cientificismo não as considere como racionalmente aceitas, existem outras fontes de conhecimento que não podem ser descartadas. A experiência pessoal, a memória e a religião – no caso do teísmo cristão, as revelações geral (criação divina) e especial (a encarnação de Cristo e a inspiração das Escrituras) – conferem conhecimento, explicam fatos e servem de bases evidenciais para a própria ciência. Voltaremos a essa questão mais adiante. No momento, vamos retornar ao dilema inicial deste artigo, apresentando-o de forma a dialogar com o que vimos até aqui: a verdade factual detectada pelos métodos científicos pode ser contrariada pelo conhecimento adquirido por outras fontes de conhecimento?

A ciência parte da premissa de que existe uma verdade a ser investigada. No campo científico, pode-se aceitar um relativismo filosófico moderado, mas somente no que tange à diversidade de pontos de vista em relação a uma mesma verdade absoluta. A verdade não pode ser diluída para a não existência pois, caso seja, não há o que ser observado pela ciência. Desse modo, uma vez que cremos que existe apenas uma verdade, seja qual for a fonte de conhecimento, sendo ela assertiva, encontrará a mesma verdade de outras fontes igualmente assertivas.

Contudo, se duas fontes de conhecimento já partem de pressupostos distintos (verdades opostas), encontrarão respostas necessariamente contrárias. Para o ateísmo, por  exemplo, não existe Deus ou qualquer realidade sobrenatural. O ateu “crê” na não existência de Deus como pressuposto. A síntese do ateísmo com o cientificismo resulta na cosmovisão naturalista. O naturalismo é mais forte que o ateísmo, uma vez que o ateísta pode ser agnóstico (não crê na existência de Deus, contudo não nega a possibilidade da existência de Deus) ou cético (suspende juízo sobre a existência de Deus, considerando a discussão irrelevante), enquanto o naturalista possui uma visão totalizante e intolerante a outras crenças. O naturalismo não se configura claramente como uma religião, mas desempenha muitos papéis religiosos ao oferecer respostas a perguntas como:

  • Deus existe?
  • Como devemos viver?
  • O que acontece após a morte?

Segundo o naturalismo, não há Deus, vivemos sob a lei da causalidade natural (causa e efeito) e não há existência após a morte. Eles defendem essas e outras conclusões como sendo fatos científicos.

O naturalismo ateísta surgiu no século 18 com os filósofos iluministas que buscavam se desprender da autoridade da igreja, e tomou nova forma nos últimos anos com o neoateísmo.[7] Diferente do ateísmo iluminista, o neoateísmo não é simplesmente uma negação da existência de Deus, mas um movimento anticristão que afirma arbitrariamente o cristianismo como intolerável. A hostilidade do neoateísmo – que encontra antecedente semelhança somente nos escritos do filósofo alemão Friedrich Nietzsche – se opõe ao debate ao afirmar que o cristianismo não merece ser ouvido, pois isso seria admitir que há racionalidade no cristianismo. No lugar do diálogo, os neoateístas defendem uma postura de escárnio da religião como meio de persuasão para coibir os cristãos.[8]

O sucesso da propagação doutrinária do naturalismo pelo neoateísmo encontra-se no fato de que muitas premissas aceitas comumente como científicas são, na verdade, dogmas naturalistas. A ciência não pode, por exemplo, provar a existência de Deus, no entanto, ela igualmente não prova a sua não existência. Afirmar que “não existe Deus” configura-se em uma atitude dogmática baseada no que se quer acreditar. Portanto, dizer que a ciência é contraria à existência de Deus é um ato de fé, não de constatação científica.

Minha conclusão, portanto, é que há um conflito superficial e uma concordância profunda entre a ciência e a crença teísta, mas uma concordância superficial e um conflito profundo entre a ciência e o naturalismo. Considerando que o naturalismo é pelo menos uma quase-religião, há, de fato, um conflito entre ciência e religião, não entre a ciência e a religião teísta, mas entre a ciência e o naturalismo. É aí que está realmente o conflito.[9]

Reformulemos novamente nossa pergunta inicial: o conhecimento oferecido pelo naturalismo ateísta anula o conhecimento do cristianismo? Ou, em que medida as inserções do naturalismo à ciência podem anular a fé cristã?

2. O que conhecemos[10]

2.1. Definição de conhecimento e bases evidenciais

A maioria dos filósofos atuais concordam com a definição de conhecimento como sendo aproximadamente uma crença verdadeira justificada.[11] Em primeiro lugar, consideremos o conhecimento como uma crença. Para existir o conhecimento, é necessário primeiro crer nele. Não é possível afirmar um conhecimento ao qual não haja crença. Suponhamos que alguém me pergunte as horas e, consultando meu relógio de pulso, eu afirme ser 19h, mas eu não confio em meu relógio por ele atrasar frequentemente, e por isso não acredito que a hora esteja correta. Logo, não posso afirmar que conheço que horas são. Para afirmar que conheço, preciso antes acreditar na informação.

Não basta para o conhecimento ser uma crença, ela também deve ser, necessariamente, verdadeira. Retornemos ao exemplo citado. Você me pergunta as horas, eu acredito na precisão de meu relógio e afirmo ser 19h. Logo, creio que tenho o conhecimento das horas. Mas, se o relógio parou uma hora atrás, mesmo que eu creia conhecer as horas, eu não as conheço, pois a informação que tenho não é a verdade, mas uma ilusão de verdade. Nesse caso, podemos dizer que não há conhecimento, há um engano. Para conhecer algo, eu preciso crer em tal conhecimento, mas ele também tem de ser verdadeiro.

O conhecimento pressupõe acreditar na informação e que a informação seja verdadeira.

Como posso saber se minha crença é verdadeira? Como afirmar conhecer a verdade e saber que não estou crendo em uma ilusão da verdade, como no exemplo do relógio parado? Segue que é igualmente necessário que a verdade de minha crença seja justificada. Em outras palavras, o conhecimento de algo deve apresentar justificativas para se crer nele como sendo verdadeiro. Eis a questão em que a filosofia epistemológica investe seus debates atuais: o que pode justificar uma crença verdadeira?

A justificação de uma verdade encontra-se em suas bases evidenciais. Base evidencial (BE) é o conjunto de evidências ou testemunhos que direcionam a uma hipótese. Creio em algo quando tenho bases evidenciais para minha crença. Posso crer que conheço as horas por ter um relógio com uma fabricação confiável (BEorigem), que nunca parou ou marcou as horas erradas (BEhistórico). Posso ainda ter o testemunho de outras pessoas que conferiram as horas em seus relógios e marcavam o mesmo horário (BEexterna) e assim por diante. Experiências de vida, memórias e até mesmo sentimentos e emoções podem servir de bases evidenciais para que um conhecimento seja verdadeiro. Quanto maior o número de bases evidenciais internas e externas, maior será a minha crença na verdade. Crer em algo fundamentado em apenas uma base evidencial tem uma justificação fraca, no entanto, adicionando-se outras bases evidenciais, torna-se uma crença justificada.

Podemos, por exemplo, afirmar o conhecimento de Deus? Em outras palavras, o conhecimento de Deus é justificável? A crença nas verdades bíblicas é igualmente justificada? Argumentos como os ontológicos e cosmológicos acerca da existência de Deus propostos por diversos filósofos cristãos comprovam a racionalidade da fé em Deus, assim como documentos históricos paralelos e descobertas arqueológicas aferem os conteúdos bíblicos (BEexterna). Há ainda apologistas que propõem defesas pautadas nos próprios escritos bíblicos (BEhistórico). Além dessas bases, cremos ser a Bíblia a revelação de Deus aos homens. Sendo a Bíblia a Palavra do próprio Deus, podemos afirmar como Paulo na carta a Tito 1.2 que, sendo Deus o comunicador e não podendo ele mentir, o conteúdo é verdadeiro (BEorigem). Tais bases evidenciais, somadas à experiencias pessoais como a memória, experiências espirituais e emocionais (BEinternas), são suficientes para afirmar que o conhecimento de Deus é uma crença verdadeira justificada.

2.2. Os anuladores da fé

Vimos que uma base evidencial é o conjunto de evidências ou testemunhos que direcionam a justificar uma hipótese. Uma vez que se crê em algo, utilizam-se bases evidenciais para que tal crença seja justificada. No entanto, vamos supor que uma base evidencial externa seja contrária ao que eu creio. Pode essa BE se configurar como anuladora da minha crença?

Existem dois tipos de bases evidenciais externas contrárias àquelas que consolidam (justificam) as crenças: as danosas, e as anuladoras. As BEdanosas apenas conduzem ao ajuste de conceitos, enquanto as BEanuladoras têm força de anulação da crença. Os argumentos de tais bases precisam ser estudados a fim de que se verifique se elas são mais fracas que as BE, invertendo e tornando as BEinternas danosas às BEexternas, ou até mesmo anulando-as, o que conduzirá a desconsiderá-las.

Utilizemos uma ilustração prática: imagine que uma pessoa diga que me viu no mercado ontem. Contudo, a partir da base evidencial de minha memória (BEmemória), afirmo que não fui ao mercado ontem, pois me lembro muito bem de que passei o dia inteiro estudando em casa. Minha BEmemória é forte o suficiente para que eu não somente duvide da afirmação de que fui visto no mercado como a rejeite completamente. Mas, quando um conhecimento se torna danoso a outro? Quão forte precisaria ser o argumento da pessoa que jura ter me visto no mercado para que meu conhecimento de que fiquei em casa seja anulado? Digamos que encontro em meu carro um cupom fiscal do mercado com data de ontem. Essa nova base evidencial externa (BEexterna-2) é danosa à minha BEmemória, mas ainda não é forte o bastante para anulá-la. No muito, me conduzirá a uma reflexão: quem foi ao mercado ontem? Minha esposa talvez? Por fim, se alguém apresentar uma foto minha caminhando no mercado (BEexterna-3), essa evidência sozinha – ou o peso dela ao ser somada às demais –, certamente comprometerá em definitivo minha BEmemória, podendo anulá-la ou danificá-la, fazendo-me duvidar se me lembro de ter ficado em casa ontem ou se, na verdade, foi no dia anterior.

Qualquer argumento proposicional parte de uma BE que pode ou não ter força de anulação de outra BE. Um argumento ou afirmação pode comprometer o que eu afirmo conhecer dependendo da força de sua BE. Quando, por exemplo, a ciência definiu que a terra era redonda e girava em torno do sol, interpretações dadas a textos bíblicos que expressavam a antiga cosmologia de uma terra plana sob o domo chamado de firmamento foram confrontadas. Havia BEexterna suficiente para exigir uma revisão de tais interpretações, contudo a nova crença não contraria o conteúdo bíblico central. A constatação da ciência não anula a fé cristã. Por outro lado, quando o relativismo psicanalítico de Sigmund Freud afirma que a fé cristã é meramente uma ilusão, observa-se que tal relativismo contraria toda a fé cristã. Os textos bíblicos não possibilitam essa inserção e as duas visões – a cristã e a da psicanálise freudiana – se repelem, pois partem de bases evidenciais distintas. Logo, uma consiste em anuladora da outra. Não é possível alinhar as duas fontes de conhecimento, e, portanto, devemos rejeitá-la.

Segue que, uma vez que as bases evidenciais do naturalismo ateísta partem de uma petição de princípio[12] dogmática de que o teísmo cristão não é válido, os argumentos do naturalismo se tornam autorrefutáveis e não se configuram em anuladores ou danosos ao cristianismo.

 3. Modelo de integração

Para uma integração saudável entre duas disciplinas, devemos inicialmente distinguir entre as disciplinas de primeira ordem e as disciplinas de segunda ordem. A ciência, por exemplo, é uma disciplina de primeira ordem que se ocupa em responder a questões como: a) Qual a estrutura de uma molécula; ou b) O que torna um ecossistema estável?. A filosofia, por sua vez, é uma disciplina de segunda ordem. A filosofia da ciência estuda acerca da ciência, e busca distinguir o que é ciência do que não é ciência. É função da filosofia, portanto, responder a questões tais como: a) O que é ciência?; b)Existem claras condições necessárias e suficientes que alguma atividade intelectual precisa para ser ciência?; c) Existe tal coisa como um método científico e, se sim, o que é?; d) Como as teorias científicas explicam as coisas? Essa distinção ajuda a detectar inserções dogmáticas feitas na ciência – caso, como vimos, do cientificismo e do naturalismo.

Podemos dividir em quatro níveis possíveis uma integração entre duas disciplinas.

  • No primeiro nível, deve-se observar a concepção dos dois magistérios. As pressuposições de duas disciplinas partem de bases evidenciais distintas e buscam respostas para campos de estudo distintos? Questões acerca da angelologia não são de primeira ordem para a ciência, mas para a teologia. De igual modo, não é função da teologia responder sobre quantos átomos de hidrogênio tem uma molécula de metano.
  • No segundo nível, as concepções são complementárias. Teologia e ciência não são interatuantes, mas podem se complementar em algum nível. Muitas das constatações da sociologia acerca do comportamento humano e das relações sociais saudáveis podem ser observadas em paralelo em textos bíblicos que tratam da ética, por exemplo.
  • Em um terceiro nível de integração, pode existir a concepção de interação direta, onde as pressuposições de algumas matérias podem interagir diretamente, oferecendo suporte racional uma para outra. A história e a teologia interagem em muitos aspectos nesse nível.
  • Já no quarto nível, existe a concepção da aplicação prática. Aqui, uma disciplina poderá fornecer informações que preencherão lacunas em outra disciplina. Muito do que podemos compreender dos textos bíblicos, por exemplo, devemos aos conhecimentos fornecidos pela geografia e arqueologia.

Conhecimentos com bases evidenciais diferentes buscarão respostas para questões diferentes e não consistirão necessariamente em anuladores de crença, podendo ser considerados linhas de conhecimento diferentes.

Assim sendo, uma integração saudável entre o cristianismo e a ciência deve seguir ao menos três passos:

  1. Certificar-se do ensino bíblico acerca do tema. É preciso tomar cuidado com inserções de dogmas com bases evidenciais extrabíblicas como, por exemplo, o fundamentalismo.
  2. Certificar-se do que os dados científicos realmente apresentam. É importante averiguar se existem outras teorias – mesmo apoiadas minoritariamente – que sejam razoáveis, e avaliar se as bases evidenciais não são inserções naturalistas ou cientificistas que rejeitam os pressupostos cristãos como válidos.
  3. Por fim, identificar em qual dos quatro níveis de integração supracitados o problema em questão pode ser aplicado.[13]

Conclusão

Pode parecer atraente nos isolarmos do mundo, evitarmos conflitos, no entanto, não devemos nos opor ao diálogo, o que seria uma postura semelhante à do naturalismo neoateísta, nem negligenciar a missão no território secular atual. Como mencionado em artigo anterior[14], segundo Timothy Keller, a agenda da missão urbana inclui acolher pessoas não cristãs e saber conversar (não oferecendo respostas moralistas) sobre assuntos tais como a aceitação de verdades bíblicas que não passam pelo crivo da ciência.

De igual modo, não podemos aderir a uma dicotomia extremista e, para tanto, é necessário evitar tanto o fundamentalismo que nos impede o diálogo com outras fontes de conhecimento, quanto o cientificismo que, na extremidade oposta, rejeita qualquer conhecimento que não seja oferecido pelo empirismo.

Devemos ser humildes o bastante para avaliarmos constantemente nossas convicções, porém sábios no discernimento das bases evidenciais tanto para anuir quanto para discordar. Uma análise cuidadosa – regida por oração, sua Palavra e direção do Espírito Santo – nos possibilitará detectar equívocos em nossas deduções, resultando em amadurecimento da fé cristã por meio de uma integração interdisciplinar.

Em apenas dois versos de sua carta, o apóstolo Pedro nos dá ao menos três grandes conselhos úteis para aplicarmos o conteúdo deste artigo:

Santifiquem Cristo como Senhor no coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito, conservando boa consciência, de forma que os que falam maldosamente contra o bom procedimento de vocês, porque estão em Cristo, fiquem envergonhados de suas calúnias. (1Pe 3.15, NVI)

Assim,

  1. devemos assegurar o conhecimento de Cristo de forma soberana em nosso coração,
  2. estando sempre prontos para responder a razão contida em nossa fé com mansidão e respeito,
  3. por meio de um diálogo que mostre a verdade àqueles que, em busca dela, agarram-se a uma pseudociência, contrária ao conhecimento apresentado pela Bíblia.[15]

 

Que tal ler outro artigo do mesmo autor?
A missão no território secular atual

 

Sobre o autor
Rafael Zulato Langraff é bacharel em Teologia com especializações em Sociologia e Filosofia, além de acumular formação na área musical. Professor em alguns seminários, também é escritor.

 

Referências

DEWEESE, J. Garrett & MORELAND, J. P. Filosofia concisa. São Paulo, 2011.

GOHEEN, Michael W. A missão da igreja hoje. Viçosa, 2019.

NEWBIGIN, Lesslie. O evangelho em uma sociedade pluralista. Viçosa, 2016.

PLANTINGA, Alvin. Ciência, religião e naturalismo – onde está o conflito?, São Paulo, 2018.

Revista Filosofia, ciência e vida. Ano IX, Edição 111, Outubro/2015.

RICHELLE, Matthieu. A Bíblia e a arqueologia, São Paulo, 2017.

[1] O objetivo desta investigação visa o campo prático do conflito entre ciência e religião. Não nos ocuparemos com o conflito conceitual entre fé e razão. Para uma abordagem desse tema e até mesmo para complemento do conteúdo deste texto, leia aqui o artigo “O cristianismo tem de provar a validade de seus ensinos pela aferição científica?”, também de minha autoria.

[2] GOHEEN, Michael W. A missão da igreja hoje, p. 270.

[3] RICHELLE, Matthieu. A Bíblia e a arqueologia. p.170.

[4] NEWBIGIN, Lesslie. O evangelho em uma sociedade pluralista. p.72.

[5] DEWEESE, J. Garrett & MORELAND, J. P. Filosofia concisa, p.133.

[6] Nicholas Rescher citado por: DEWEESE & MORELAND, p.129.

[7] Os principais propagadores do neoateismo são Richard DawkinsChristopher HitchensSam Harris e Daniel Dennett, que se autointitularam como os “quatro cavaleiros do apocalipse” e têm usado as mídias e redes sociais para difundir suas doutrinas.

[8] Revista Filosofia, ciência e vida. Ano IX, Edição 111.

[9] PLANTINGA, Alvin. Ciência, religião e naturalismo – onde está o conflito?, p. 306.

[10] PLANTINGA, p. 151-173.

[11] A teoria conhecida como tripartite afirma ser o conhecimento aproximadamente uma crença verdadeira justificada (C≈cvj). “Aproximadamente” por causa de diversos problemas epistêmicos apontados por filósofos agnósticos como Edmund Gettier (1927-2021) que propõem que a crença verdadeira justificada não é o suficiente para afirmar o conhecimento. Assim, é aceito que a fórmula está incompleta, e muitos teóricos epistêmicos têm buscado qual seria o quarto elemento adequado para completá-la (C=cvj+?). Um filósofo epistêmico agnóstico afirmará que nossas limitações humanas chegam ao ponto de não conhecermos ao certo nem ao menos o que podemos afirmar conhecer.

[12] Petição de princípio é uma falácia do argumento lógico dedutivo que pressupõe uma conclusão antes do argumento. O naturalista parte do que se quer provar (ou acreditar), no caso, que Deus não existe, e argumenta já baseado nessa premissa como fato. A petição por princípio torna o argumento circular e por isso é uma falácia: “Pelo fato de não acreditar que Deus existe, todo argumento necessariamente conduzirá à conclusão de que Deus não existe”.

[13] DEWEESE & MORELANDE, p. 150.

[14] Disponível aqui.

[15] Pseudociência é o conjunto de teorias, métodos e afirmações com aparência científica, mas que partem de premissas falsas e/ou que não usam métodos rigorosos de pesquisa.

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