Nietzsche, cristianismo e os desafios da missão
por Rafael Langraff
O presente artigo busca apontar a relevância e as consequências da filosofia nietzschiana na formação do pensamento do mundo contemporâneo. Primeiramente, é apresentado um resumo biográfico de Nietzsche e uma introdução às suas principais teses. Em seguida, foca-se no processo de abandono da tradição metafísica e a superação dos valores na desconstrução da moralidade aceita. Por fim, observar-se-á a forte oposição do filósofo ao cristianismo e as implicações na sociedade hodierna propondo-se algumas posturas esperadas à missiologia diante dos desafios apresentados.
1. Introdução à filosofia de Nietzsche
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) é sem dúvida um dos mais importantes filósofos no quesito de influência ao pensamento do mundo atual. Nascido na Saxônia, filho de pastor luterano, é dono de uma vasta literatura escrita com estilo próprio e desafiador tanto para leitores comuns quanto à intérpretes mais especializados. Em vida, foi muito pouco reconhecido e bastante criticado, o que resultou em grande frustração ao filósofo, sendo essa a possível causa de seu isolamento que culminou em um colapso mental no final de sua vida.
Vida esta de produção filosófica que pode ser dividida em três grandes fases: a primeira, caracterizada pelo seu período acadêmico, foi marcada por forte influência da filosofia de Schopenhauer e de sua amizade com o compositor Richard Wagner. Neste período, destaca-se suas críticas sobre a arte e a estética. Nietzsche argumenta que a natureza humana representada por Apolo – o deus grego da racionalidade – suplantou a parte representada por Dionísio – deus grego do vinho, das festas e da entrega sensual –, o que resultou no racionalismo e moralismo humano.
Em 1879, pediu demissão da Universidade da Basiléia, onde lecionou filologia por dez anos. Segundo ele, “nenhuma verdade inteiramente radical era possível na vida acadêmica”. Este fato marca a transição ao segundo período da vida de Nietzsche que foi o mais prolífero dentre os três e resultou nos seus principais escritos e desenvolvimento de suas teorias mais originais. Também foi neste período que se posicionou em definitivo contra àqueles que ele denominou por inimigos. Segundo Nietzsche, os homens fracos, de moral escrava, escolhem por seus inimigos àqueles que são inferiores e precisam ser destruídos. Já os homens possuidores de uma moral nobre, escolhem por inimigos aqueles aos quais respeitam por estarem a sua altura. Deste modo, no livro Ecce Homo2 Nietzsche definiu princípios e critérios para o enfrentamento que incluíam atacar somente “causas que são vitoriosas” – que o levou a eleger como inimigos a filosofia clássica, a metafísica, a moral e a religião cristã, os quais ele denominou por ídolos antigos –, “causas em que não encontraria aliados” e “nunca à pessoas” desvinculadas de seus pensamentos ou filosofias prejudiciais à humanidade.3 Nietzsche se opôs ainda à ciência, à filosofia iluminista e à cultura alemã denominada por ele de filisteísmo cultural.
A ciência, para Nietzsche, tornara-se fútil a partir do ponto em que os cientistas passaram a buscar o conhecimento sem uma finalidade específica que não o próprio conhecimento. Ele criticou o progresso ilimitado e sem propósito do conhecimento afirmando que o que se chama de explicação, trata-se na verdade de descrição. Podemos até descrever melhor os fatos, porém explica-se tão pouco quanto os homens do passado. No entanto, o que certamente o incomodava mais era as proposições acerca das descobertas científicas como verdades. Nietzsche viveu no final do iluminismo onde a ciência tornara-se um valor absoluto, uma nova religião e, para Nietzsche, religião é algo extremamente negativo à natureza humana.
A forte oposição ao cristianismo marcou o terceiro período da vida de Nietzsche. O Anticristo é o título de seu último livro completo antes de uma crise que resultou em um colapso mental. Neste último período, o filósofo chegou a se comparar com Jesus Cristo afirmando em algumas cartas e fragmentos de escritos ser o messias libertador da humanidade. Nietzche passou os últimos anos de sua vida…