Como é ser cristão nos países árabes do Oriente Médio?
Apesar de todas as dificuldades, os números comprovam que nunca na história tantos árabes decidiram seguir a Jesus.
No ano passado, em ocasião da Copa do Mundo da FIFA, o Martureo produziu uma pequena série de textos em nosso blog sobre alguns países muçulmanos presentes na competição. O objetivo era compartilhar com os leitores brasileiros um pouco da realidade religiosa desses países e explicitar a realidade dos cristãos naquelas nações.
Pensando sobre a realidade da Igreja de Cristo no Oriente Médio, preparamos esse texto para levar você além do senso comum nessa matéria. Geralmente, no Brasil, temos a vaga ideia de que a igreja naquela região do globo é pequena, completamente perseguida e os irmãos se reúnem em cavernas.
Antes de tudo, precisamos compreender a realidade étnica e religiosa do Oriente Médio. Em linhas gerais, podemos dividir o Antigo Oriente Próximo em cinco blocos:
Israel: a nação inserida no conflito e disputa de fronteiras com a Palestina, possui uma população multiétnica, mas com maioria judia e essa maioria no controle governamental. Os Israelenses em geral são seculares e a atmosfera europeia é uma realidade perceptível de muitas maneiras. Apesar desse fato, os judeus ortodoxos possuem muita força na sociedade. Atividades missionárias estrangeiras não são bem-vindas, pois são consideradas elementos que podem causar mais agitações sociais.
Irã e Afeganistão: os dois países são persas. São muçulmanos, xiitas e sunitas, mas apesar dessa diferença, regimes totalitários estão no poder em ambas as nações.
Turquia: muitas vezes visto como um país árabe, os turcos são uma etnia distinta. São muçulmanos, mas não são persas nem árabes. Com a proximidade política da Europa, muitos também não o consideram como parte do Oriente Médio.
Árabes do Levante: Jordânia, Líbano, Síria, Iraque e Palestina são chamados de países árabes do levante. Há entre eles uma proximidade cultural e linguística.
Árabes do Golfo: Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Kuwait e Omã. Assim como entre os países do levante, há uma proximidade nesse bloco do mundo árabe.
Cada um desses conjuntos é um universo cultural, linguístico, religioso e histórico. O objetivo deste texto é partilhar, minimamente, a realidade dos dois blocos árabes. Queremos desfazer más compreensões e preconceitos; queremos, também, que a igreja brasileira compreenda melhor as realidades dos cristãos nos países Árabes do Levante e do Golfo.
O termo “Levante”, cunhado pelos franceses, está ligado ao nascer do sol. Do ponto de vista da França, o Levante é um termo que expressa os países do oriente: as nações que estão na direção da aurora. Nesses países, com exceção da Jordânia, há fortes conflitos internos e alguns estão também envolvidos em enfrentamentos externos. O Islã sunita é majoritário na Palestina e Jordânia. Nos demais países há fortes disputas entre as ramificações do Islã. Nesse cenário de disputa entre sunitas e xiitas, o cristianismo está presente de tal maneira, que em alguns desses países, dependendo do local, é menos arriscado ser cristão do que ser de outra facção islâmica. Nesses países há porcentagens significativas de cristãos. Mesmo na Jordânia, com uma taxa de 2%, os cristãos são vistos na sociedade e possuem seu espaço. No Líbano eles possuem papel político e governamental garantido na constituição.
Encontramos no Levante cristãos ortodoxos e católicos romanos que estão nessas localidades desde antes da origem do Islã. Essas comunidades históricas possuem um lugar na sociedade, pois resistiram em tempos de perseguição e tiveram tempos de paz ao longo da história. Ainda que a vida para eles seja mais difícil do que para um muçulmano, há uma tolerância mínima na sociedade. As igrejas evangélicas chegaram com as missões modernas no período entre a Primeira Guerra e a independência desses países pós Segunda Guerra Mundial. Esse foi o período que esses países, outrora regiões do antigo Império Islâmico Turco, estavam sobre domínio dos ingleses e franceses. Essas igrejas foram plantadas no período de dominação europeia, e quando os estados modernos surgiram, elas passaram a gozar do mesmo espaço que os ortodoxos e católicos. Existe uma tolerância religiosa para com eles, ou seja, eles podem viver sua fé sem expressá-la em público e sendo vedado o proselitismo. Nesses países não há liberdade religiosa, exemplo disso é o fato de que muçulmanos não podem abandonar sua religião. Inclusive, na maior parte desses países, a religião de nascimento do cidadão está escrita na sua certidão de nascimento e estará no seu RG. Assim, se os cristãos respeitarem as leis impostas e não proclamarem sua fé, ainda que sofram resistências, a perseguição severa virá somente em alguns casos, fruto de extremistas, não por parte do governo. Na Jordânia, por exemplo, existe uma Convenção Batista com dezessete igrejas. Eles não podem abrir congregações, nem novas comunidades. O crescimento ou manutenção da membresia acontece somente por taxa de natalidade ou transferências de outros cristãos.
Em resumo, os cristãos no Levante gozam de certa tolerância religiosa, sem plenas liberdades, sendo em alguns casos até protegidos pelos governos que desejam um lugar no mundo moderno e querem ter um bom relacionamento com as potências ocidentais. Por outro lado, a possibilidade de alguém abandonar a fé majoritária no país e crer em Cristo, significa um grande problema. Esse novo cristão encontraria dificuldades na legislação e na cultura, além de não poder congregar livremente em uma igreja. Por conseguinte, surgiram as igrejas domésticas que se reúnem geralmente nos lares, de forma ilegal, composta por pessoas que sofreram muito por causa da fé que professam ou porque ainda não se revelaram à suas famílias. Esse cristão terá uma vida completamente distinta daqueles que nasceram em uma família cristã.
Em vista disso, como é ser cristão no Levante? A resposta não é tão simples, depende se você nasceu em contexto cristão ou se sua família não é cristã. Se esse indivíduo vier de berço cristão, terá relativa dificuldades, mas será tolerado. Se sua família não for cristã, enfrentará duras consequências para seguir a Cristo.
Já na região do Golfo, a conjuntura é muito diferente. Alguns desses países são majoritariamente sunitas, outros, como o Bahrein, são de maioria xiita. Há também forte presença dos seguidores de Ali no Iêmen e no Kuwait. Com exceção do Iêmen, os conflitos entre essas facções são menos acirrados do que no Levante, tendo a presença cristã muito baixa e em alguns desses países, oficialmente, nem existem cidadãos cristãos. Nesses casos, os cristãos presentes são apenas os estrangeiros que residem no país, geralmente por motivo de trabalho. Na maior parte desses países, naturalmente, não existe liberdade religiosa e também não há tolerância como nos países do Levante. Há forte perseguição familiar e severo controle estatal para manter a predominância religiosa e das tradições locais. Qualquer igreja entre os moradores desses países será considerada fora da lei e só é possível em redes de pequenas igrejas domésticas ou igrejas somente internacionais, que só podem ser frequentadas pelos estrangeiros.
Dessa forma, como é ser cristão no Golfo? Oficialmente não deveria haver cristãos árabes do Golfo. Na prática, as igrejas são pequenas, clandestinas, sofredoras e secretas.
A despeito dessas dificuldades, seja no Golfo ou no Levante, os números comprovam que nunca na história tantos árabes decidiram seguir a Jesus. Esse é um fenômeno que está acontecendo e, certamente, irá modificar comunidades e civilizações. Em pouco tempo, a resposta para a pergunta deste texto será outra, tendo em vista que o crescente número de cristãos árabes é uma presente realidade.