Burnout – a outra ponta do elástico

Burnout – a outra ponta do elástico

por Lourenço Stelio Rega

Em geral, líderes e executivos são avaliados pelo nível de resistência a crises, volume de compromissos, e capacidade de “se levantar” depois de situações extremas. Isto é chamado de resiliência que é a capacidade de absorver os impactos da vida e do trabalho. Como um elástico que estica, estica e depois volta ao seu estado natural.

Mas nem sempre se tem mencionado que o outro lado ou “ponta” da resiliência é a síndrome de burnout, em que a pessoa chega a um estado elevado de desgaste com recuperação bem complexa, uma vez que o volume do “estoque” de energia pessoal começa a entrar em colapso. A palavra “burnout” vem do inglês e significa “esgotamento”, “exaustão” e tem o sentido de algo que está se queimando.

Em palavras simples, a síndrome de burnout é como que uma exaustão extrema, cansaço físico e mental intenso, persistente e dificilmente aliviado pelo descanso. A pessoa em estado de burnout tem dificuldade de concentração, desmotivação, perda de entusiasmo e prazer pelas atividades, sensação de inutilidade e apatia pois não consegue energia suficiente para atender as demandas que estão diante de si. Surgem dificuldades de sono, sintomas físicos, como dor de cabeça, tonturas, problemas digestivos, palpitações cardíacas, tensão muscular. E pode até mesmo provocar isolamento social.

Dentre os diversos mecanismos de nosso corpo os especialistas da área de saúde mental explicam que, do ponto de vista clínico, durante momentos de elevada atividade e estresse, entre outras ações, nosso cérebro estimula a produção de adrenalina e envia instruções para nossas glândulas suprarrenais para que produzam cortisol para que consigamos “dar conta” da tensão e pressão. Com adrenalina e cortisol na corrente sanguínea há aumento do ritmo cardíaco, da pressão arterial, da produção de ácido no estomago etc., e, tudo isso, altera o funcionamento de nosso corpo, o que pode nos prejudicar. Para evitar isso, o cérebro faz o equilíbrio com a estimulação da produção de substâncias chamadas de opioides da classe dos opiáceos com atuação psicoativa promovendo a insensibilidade à dor (analgesia) e permitindo que continuemos a enfrentar as pressões, as tensões ou situações de emergência. Daí uma pessoa, depois de um acidente de carro, conseguir ajudar muitas pessoas e ao fim ela própria acaba decaindo ou desmaiando, pois há um limite em que o corpo produz estas substâncias.

O risco está em que quando estamos submetidos continuamente a estados de pressão, estresse ou mesmo volume excessivo de atividades, sem o devido repouso para que haja reposição na rede neural pela plasticidade cerebral, e mesmo a busca pela compreensão e ajustes das diversas situações de estresse e tensão, poderemos entrar em estado de desgaste elevado gerando o burnout.

Deus, o Criador, nos dotou destes recursos, mas, muitas vezes, poderemos avançar além do próprio limite de nossa natureza e promover desgastes não apenas físicos, mas também neurológicos, mentais e emocionais espirituais.

Dentro das “especificações” que Deus estabeleceu para a natureza e vida humana temos o repouso, o descanso (o princípio do “shabbat”) e isso é “ecológico” para a manutenção de equilíbrio, homeostase na vida. Não há como recuperar energia mental e emocional sem isso.

Então, o que se está fazendo com executivos, líderes e até mesmo pastores, vai além do que o próprio Criador estabeleceu para nossa natureza. O pior é quando o próprio líder não segue esses limites, imaginando que tem energias suficientes, uma espécie de senso infinito de onipotência e se pensar que isso vem de Deus, então seria como que uma “onipotência simbiótica”. Em geral, quando a pessoa percebe e dá conta da situação, o estrago já está em nível avançado. Então, este cuidado faz parte de decisão preventiva para a manutenção da vida e sucesso futuro do líder. Liderança saudável é uma liderança que busca o cuidado integral de sua vida e de sua saúde.

Adam Grant, psicólogo organizacional, afirma que trabalhar quando você está doente ou cansado não é símbolo de compromisso, mas sintoma de uma cultura doente. Em locais tóxicos de trabalho, o descanso tem sido considerado um sinal de fraqueza. Espera que a pessoa se sacrifique pelo seu trabalho. Em culturas saudáveis o descanso é uma fonte de força. O bem-estar é vital para fazer o seu trabalho.

Assim, manter-se ocupado é o mal do século, mas desconsidera as especificações e limitações que estão presentes na natureza que Deus estabeleceu.

Depois de intensa atividade Jesus faz um apelo aos discípulos “…venham repousar um pouco, à parte, em um lugar deserto…” (Mc 6.31)

No campo da Somatoética (ética do corpo) do Novo Testamento, nosso corpo é o santuário de Deus, portanto devemos cuidar dele como gestores de nossa saúde, não apenas espiritual, mas também mental, emocional e física. Isso significa gerir o que entra em nossa mente (Fp 4.8) que irá também contribuir para nossa estrutura mental, afetiva e mesmo relacional.

Mas, também gerir nosso tempo e prioridades (Ef 5.16), que surgem da busca de clara razão de viver, da busca de propósito na vida. E isso vai mais longe, pois aos líderes da igreja Paulo, entre as características naturais da liderança, indica a necessidade de cuidar da sua família (1 Tm 3.4,5). Aliás, o próprio apóstolo nos apresenta a escala de prioridades (Ef 5.16-6.20) que Deus tem para nosso bem-estar – eu e Deus, eu e meu matrimônio, eu e minha família, daí é que vem o meu trabalho (incluindo o ministério). Depois disso estaremos preparados e com saúde total para a batalha espiritual.

Pena que há pastores e líderes de outras profissões que colocam o trabalho em primeiro lugar em relação ao matrimônio, à família e até mesmo em relação à sua própria saúde. Os resultados disso têm sido desastrosos para a sua vida e saúde pessoal, inclusive mental, emocional e mesmo espiritual e, se não bastasse, para o equilíbrio da vida matrimonial e familiar.

Assim ter sucesso no ministério ou profissional, mas fracasso na saúde, no matrimônio e na família, é contraditório, não é exemplar e nos desvia da alegria de Deus. Paulo até menciona que, nesse estado, o líder não está apto para cuidar do povo de Deus (“… pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?” 1Tm 3.5).

Ainda mais, os dois grandes mandamentos (Mc 12.28ss), são retratados em três níveis de relacionamentos e nesta ordem – amar a Deus sobre tudo, a mim mesmo e ao próximo como a mim mesmo (amor reflexivo). O amor a mim mesmo aqui não é algo ligado ao egoísmo, mas ao cuidado com nossa identidade, de nossa autoimagem, de tudo o que somos. Projetaremos nossa imagem no relacionamento com nosso próximo (Rm 12.3). Isso também é saúde – relacional – que refletirá em nossa própria saúde, por isso é o amor reflexivo.

No passado procurava-se um líder considerando-se em primeiro lugar qualificações ou habilidades técnicas ou “hard skills”, ligadas diretamente ao trabalho a ser exercício. Hoje a busca é por “soft skills”, que são um conjunto de competências conectadas ao comportamento, personalidade e relacionamento interpessoal, que determinam a forma como nos comunicamos, interagimos e nos adaptamos a diferentes situações no trabalho e na vida pessoal. Entre elas temos a comunicação clara, trabalho em equipe, inteligência emocional, capacidade de resolução de problemas, adaptabilidade, flexibilidade, pensamento avaliativo, criatividade etc. Uma pessoa com síndrome de burnout dificilmente conseguirá desenvolver essas competências, portanto, terá enorme dificuldade de progredir e ter sucesso no exercício de liderança.

Desrespeitando os princípios da natureza, que Deus mesmo estabeleceu, trazemos consequências danosas para nossa saúde, para nosso matrimônio, para nossa família e até mesmo para nosso trabalho e relacionamentos. Para o líder, seja no ministério ou não, estar pronto para os diversos desafios se torna imperativo e o cuidar de si mesmo se torna fundamental dentro da escala de prioridades que Deus estabeleceu para nossa vida.

Isso tudo nos levará ao estado de prontidão, de discernimento, de modo a nos preparar para defrontar os diversos dilemas e desafios do processo diário da liderança com resiliência e elevados índices de sucesso. E, então, que tal reavaliar seu estado atual de vida e buscar caminhos mais saudáveis?

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