Alá é Deus? – Parte 2
Artigos escritos a partir da polêmica iniciada na Wheaton College sobre se muçulmanos e cristãos adoram o mesmo Deus
A seguir estão os ensaios 4 a 7 de um total de 23 que a EMS – Evangelical Missiological Society [Sociedade Missiológica Evangélica] publicou como uma edição especial do Occasional Bulletin em 2016. Os textos 1 a 3 estão disponíveis aqui.
O JOGO “ENCONTRE AS DIFERENÇAS”: COMO AJUDAR OS CRISTÃOS A PENSAR SOBRE “ALÁ” E QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA MISSIOLÓGICA
Leonard N. (Len) Bartlotti
Durante as férias, tive a calorosa e agradável experiência de brincar com o jogo “encontre as diferenças” com um aluno do 3º ano do Ensino Fundamental (EF). Meu neto Cooper pegou um livro de passatempos com a brincadeira “encontre as diferenças”. Enquanto folheávamos o livro, encontramos desenhos incrivelmente complexos. Olhando rapidamente, as duas imagens pareciam absolutamente as mesmas! Entretanto, olhe com atenção e você verá dez ou mais “coisas que são diferentes” entre as imagens (importante: alunos dos 3º ano do EF, com 8 ou 9 anos de idade, são muito rápidos!).
Essa prática de identificar objetos que são “parecidos mas não iguais” é uma habilidade que se aprende ao longo da vida. As crianças se divertem aprendendo como olhar com atenção aos detalhes. Mas os jogos, assim como a vida, vão ficando cada vez mais complexos.
O atual debate público se muçulmanos e cristãos adoram o “mesmo Deus” – provocado pelos comentários da professora da faculdade Wheaton que usava um hijab (véu usado por muçulmanas) – é um exemplo. Cristãos, estudantes, pastores e professores estão sendo desafiados a ir além de observações casuais no Facebook, respostas emotivas (de raiva ou de simpatia) e de teologias apressadas.
Este é um “momento de aprendizado” para o Corpo de Cristo! Devido à variedade de encontros entre o islã e o Ocidente (por exemplo, a grande quantidade de imigrantes muçulmanos, salafismo e islamismo radical, tensões entre sunitas e xiitas), educadores e pastores têm oportunidades dadas por Deus (que não foram planejadas) para ajudar os crentes a aprender uma “missiologia mais pé no chão”, que relaciona a fé que professam com a vida diária!
Enquanto consideramos as implicações missiológicas de se afirmar ou negar que adoramos o mesmo Deus, é importante explorar a questão pedagógica que aí está inserida. Como podemos nós, que somos acadêmicos e estamos envolvidos na prática, assim como os líderes de missões, capitalizar este momento de aprendizado, e usá-lo para instrução, discipulado e formação missional?
Antes de (ou em vez de) nos apressarmos a dizer aos nossos alunos ou às nossas igrejas o que pensar, como podemos ajudá-los a explorar como pensar as implicações missiológicas dessa e de outras questões que surgem em nossos encontros espirituais e culturais com muçulmanos e com outros?
Podemos aprender muito a respeito de Deus a partir de nossos encontros com os que pensam diferentemente de nós. Essas experiências, incluindo os comportamentos controversos dos outros, têm um impacto poderoso em nossas vidas e em como nos aproximamos dos outros, e podem informar que tipo de pessoas, líderes e testemunhas queremos ser em um mundo multicultural pluralista.
Gostaria de sugerir que igrejas e educadores usem a questão do “mesmo Deus” e o incidente na Wheaton como um estudo de caso missionário, uma espécie de jogo “encontre as diferenças”, e ajudem os cristãos a aprender lições cada vez mais complexas sobre como nos envolvermos de maneira inteligente e efetiva com muçulmanos e com outros. Em um estudo de caso, um problema da vida real é apresentado a um grupo para discussão. O alvo é ajudar os cristãos a pensar de maneira bíblica, reflexiva, dialógica e em oração, tudo isso em comunidade.
Há muito material na controvérsia do “mesmo Deus” da Wheaton para desenvolver um conciso “estudo de caso” de duas ou três páginas. A especificidade de um estudo de caso – incorporando comentários feitos pela professora que usava o hijab, as respostas da faculdade e de outros, assim como detalhes que surgiram em reportagens – pode ser útil como uma ferramenta pedagógica para palestras e textos mais abstratos.
Para missiólogos, o assunto, o “texto” em discussão, não é simplesmente uma postagem de Facebook, uma declaração on-line ou um argumento de teologia a ser defendido ou rejeitado isoladamente. Em missiologia, o contexto é crítico. Portanto, ajudar os crentes a explorar o contexto social, cultural, religioso e geopolítico mais amplo dessa controvérsia é central para o entendimento e a prática evangélica, bem como para o projeto missiológico. Trata-se de uma aplicação do “círculo hermenêutico”, o processo de entendimento de todo um “texto” com referência às suas partes individuais, e como essas partes ou um elemento relacionam-se com o todo.
Situar o incidente da Wheaton ou a questão do “mesmo Deus” dessa maneira leva-nos a explorar como esse elemento único se relaciona com os contextos mais amplos da teologia, com crenças, práticas e instituições evangélicas contemporâneas; com a importância, o significado e a função simbólica de declarações doutrinais; com os privilégios e responsabilidades da faculdade; e com as respostas evangélicas contemporâneas ao islã e aos muçulmanos que vivem entre nós.
Também é possível ter uma discussão frutífera sobre os diferentes significados de um único elemento, como o hijab, e o choque simbólico de civilizações representado pelo comportamento (sincero, mas inoportuno, e, por isso, mal aconselhado?) ocorrido durante o universalmente sagrado mês cristão do Advento. Essa discussão destina-se não a aumentar o conflito, mas a nos ajudar a entendê-lo como parte de um conjunto mais amplo de questões.
Logo, a questão em si (se muçulmanos e cristãos adoram o mesmo Deus) apresenta de maneira plena a importância crítica de ajudar estudantes, líderes, igrejas e instituições a aprender a como pensar missiologicamente. Em um mundo globalizado, a “inteligência cultural” ou “IC” é um componente essencial do discipulado cristão (os livros de David Livermore e os recursos por ele desenvolvidos tratam disso). Isto é, o processo de responder à questão colocada é tão importante como as respostas em si.
Finalmente, a abordagem de “estudo de caso” sugere o valor potencial da “prática reflexiva” como uma abordagem pedagógica para questões missiológicas contemporâneas como essa. David Schon definiu a prática reflexiva como envolvendo “uma consideração atenta da experiência ao aplicar o conhecimento à prática enquanto instruída por profissionais na disciplina” (Educating the reflective practitioner: Toward a new design for teaching and learning in the professions. San Francisco: Jossey-Bass, Inc., 1996).
As reflexões estão então relacionadas à “teoria” – o corpo de conhecimento profissional, perspectivas teóricas, conceitos, estudos de caso e críticas na literatura especializada em um tópico sobre um ou mais campos de pesquisa. O processo crítico e a “descrição maciça” têm o propósito de equipar os envolvidos (por exemplo, alunos ou profissionais de desenvolvimento como professores, enfermeiras ou outros) a se tornarem “praticantes reflexivos” e a desenvolver uma autêntica “habilidade artística” e “habilidade de artesão” em qualquer área. O processo é designado para trazer à luz uma gama de questões pessoais, conceituais, afetivas (emocionais, intuitivas), relacionais e comportamentais – muito necessárias nas discussões de questões voláteis.
Nesse caso, pessoas e alunos não envolvidos no incidente real podem, não obstante, ser orientados a estabelecer ligações entre suas crenças e experiências em uma estrutura conceitual mais ampla e um campo de prática. Missiólogos podem ajudar a visualizar e equipar o Corpo de Cristo para envolvimento na missio Dei. A “habilidade artística” que buscamos é uma atitude de semelhança com Cristo; e a “habilidade de artesão”, a de participar na missio Dei, a graça, compreensão e habilidades necessárias para amar, respeitar e testemunhar com clareza, e ver comunidades de fé estabelecidas entre todos os povos muçulmanos.
A controvérsia a respeito de se cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus é um desafio aos missiólogos para encontrar novas maneiras de contribuir a dar forma a uma discussão evangélica mais ampla e a responder a essas questões. O tipo de autocompreensão e pensamento missional para obreiros transculturais é o que toda nossa comunidade evangélica atualmente precisa.
Em um mundo pluralista, seguidores de Cristo precisam aprender as habilidades críticas de “igual e diferente”: como andar em justiça em sociedades com valores virados de cabeça para baixo; relacionar-se respeitosamente com os outros na mesa de discussão religiosa; envolver-se redentivamente com um mundo caído; pensar biblicamente a respeito de Deus, da vida e do mundo ao nosso redor.
Contextualização pé no chão – o jogo “encontre a diferença” da vida e do testemunho diários – exige mais que simpatia, tolerância ou identificação simplista com muçulmanos ou com outros. Mais que nunca, precisamos estar “cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual. E isso para que vocês vivam de maneira digna do Senhor e em tudo possam agradá-lo, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus” (Cl 1.9-10).
Sobre o autor
Leonard N. (Len) Bartlotti é consultor intercultural e professor adjunto no Graduate Institute of Applied Linguistics (Dallas, TX). Trabalhou por muitos anos na Ásia Central.
“NÃO POSSO ADORAR UM DEUS QUE NÃO ENTENDE O SOFRIMENTO HUMANO”
David Cashin
Vivemos em uma época pós-moderna que valoriza a “igualdade” [“sameness”] como fonte de entendimento intercultural, tolerância e conhecimento. A reação oficial da faculdade Wheaton à declaração de uma de suas professoras que “cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus”[1] inclui sua suspensão. Esse conflito ilustra um problema missiológico e epistemológico.
O mais conciso axioma do conhecimento, que aprendi de um professor judeu, é o seguinte: “Sem contraste, não há conhecimento”. O que esse axioma essencialmente significa é que o conhecido é obtido das diferenças, não das similaridades. Diferenças são também uma chave para conversão. Se não há diferenças, então não há o que ser aprendido, e nada para o qual se converter. É por isso que esforços dialógicos entre muçulmanos e cristãos raramente levam a conversões. A ênfase está na “igualdade”, e há um universalismo implícito que é sinônimo de “igualdade”.
Já me assentei dezenas de vezes em masjids[2], tanto nos Estados Unidos como em outros países, ouvindo uma defesa islâmica. A missiologia islâmica é muito parecida com a nossa. Eles sempre começam compartilhando similaridades. Isso cria um terreno comum. “Cremos no mesmo Deus”. “Cremos em anjos e no dia do juízo assim como vocês cristãos!” “Muçulmanos creem em Jesus, na verdade, nós o respeitamos mais até que os cristãos!” Nesse ponto, missiologicamente, eles passam para a questão chave das diferenças. “Respeitamos Jesus mais porque não lhe atribuímos filiação divina, que entendemos como sendo blasfêmia”. “Onde na Bíblia Jesus alega que é o Filho de Deus?” “A Bíblia foi modificada, como já afirmaram vários dos estudiosos cristãos”. “O Alcorão que temos em nossas mãos é exatamente o mesmo que foi ditado ao profeta Maomé, que a paz esteja sobre ele, pelo anjo Gabriel”[3]. A questão missiológica é: “A professora da Wheaton estava construindo pontes para alcançar muçulmanos ou estava afirmando a igualdade entre cristianismo e islamismo?”.
Há aqui dois fatos, um etnolinguístico e outro missiológico. Primeiro, cristãos nos países de língua árabe usam a palavra “Alá” para Deus. Claramente, o Deus cristão é concebido como muito diferente do “Alá” do islã, mas a palavra é usada como uma espécie de ponte. Alguns governos muçulmanos reconhecem isso, e baniram o uso da palavra Alá nas traduções cristãs da Bíblia. A segunda questão é missiológica. Trabalho com muçulmanos há mais de 40 anos. Todo cristão de origem islâmica que conheci afirmou que o Alá que eles conheceram como uma unidade absoluta e distante no islã, eles só vieram a conhecer como “pai” no cristianismo. Bilquis Sheik, uma paquistanesa convertida a Cristo décadas atrás, afirmou isso em seu livro Atrevi-me a chamar-lhe Pai, que se tornou um clássico.
Permita-me ilustrar isso um pouco mais utilizando os textos de um poeta paquistanês urdu chamado Daoud Rahbar. Ele se doutorou em Estudos Islâmicos na Europa no início dos anos de 1960. Seus estudos culminaram em um livro sobre a natureza de Deus no Alcorão intitulado The God of Justice [O Deus da justiça], publicado pela editora Brill em 1963. Nessa pesquisa, Rahbar concluiu que a natureza de Deus no Alcorão é de “absoluta justiça”. Isso quer dizer que “misericórdia” e “graça”, que são termos entendidos funcionalmente apenas por intermédio de relacionamentos, permanecem como títulos de Deus que não são corroborados pelo Alcorão. As palavras bism’illah ar rahman ar rahmin [em nome de Deus, clemente e misericordioso] estão nos lábios de todo carrasco iemenita, paquistanês, saudita, do EI ou da al-Qaeda enquanto eles degolam seus presos ou reféns yeziddis[4]. Essas palavras são títulos sem sentido, algo pelo qual se espera, mas que nunca é demonstrado. Rahbar capturou isso em uma única declaração: “Não posso adorar um Deus que não entende o sofrimento humano”[5]. Mais tarde, ele se tornou cristão.
Missiologicamente, é essencial que construamos pontes para os muçulmanos. Afirmar que Alá é Deus é essencial para manter a relevância da mensagem cristã para os muçulmanos. Por outro lado, a fidelidade ao evangelho exige que entendamos e comuniquemos as diferenças. Ismail Faruki, talvez o maior pensador islâmico do século 20, disse: “Deus não se revela… Deus revela apenas sua vontade”[6]. É por isso que a sharia (lei/Fiqh) é a essência do islã. O conceito de “conhecer a Deus” em sentido experimental ocorre diretamente 250 vezes na Bíblia, e milhares de vezes por inferência. É por isso que a teologia é a essência do cristianismo. O conceito de conhecer a Deus experimentalmente simplesmente não ocorre no Alcorão.
Dessa maneira, a professora da Wheaton errou missiologicamente ao dizer que cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus? Se ela teve a intenção de usar o conceito de “igualdade” como afirmação de universalismo, isso constituiria, na minha opinião, uma base apropriada para sua demissão da faculdade Wheaton. Entretanto, se a intenção dela foi construir pontes a serviço de uma presença e um testemunho cristão positivos, afirmando, ao mesmo tempo, que a salvação acontece apenas em Cristo e por intermédio da obra de Cristo, então estamos juntos no mesmo barco.
Sobre o autor
David Cashin é professor de Estudos Interculturais e Islâmicos na Columbia International University
“JÁ QUE ADORAMOS A ALÁ, POR QUE VOCÊ NÃO SE TORNA MUÇULMANO?”
John Cheong
Ano passado, na Malásia, fui convidado para ser o preletor principal em retiro com cerca de 600 estudantes do Ensino Médio. Fui convidado a falar sobre islamização, e a ensiná-los a reagir às tentativas muçulmanas de convertê-los ao islã no país. Depois de uma breve apresentação de 20 minutos sobre os fundamentos do islã, abri para perguntas dos alunos. Entre as questões apresentadas, a mais difícil veio de um desafio da parte dos muçulmanos: “Já que adoramos a Alá, por que você não se torna muçulmano?”.
De fato, mesmo antes da recente controvérsia do hijab envolvendo a professora Larycia Hawkins da faculdade Wheaton ter explodido no contexto evangélico norte-americano (e extrapolar para um contexto muito mais amplo), os malásios já têm lidado com as implicações de usar a palavra Alá, bem como com a questão de se esse é o mesmo Deus do islã e do cristianismo. Desde 2008, o governo proíbe os cristãos de usarem a palavra “Alá” em contextos reservados apenas ao islã. Isso porque o uso cristão da palavra poderia confundir os muçulmanos. Havia a preocupação de os cristãos usarem-na como um ardil para atrair muçulmanos para o cristianismo. Para os cristãos, seu direito religioso de usar a palavra em seus cultos, orações litúrgicas e na Bíblia na língua bahasa Melayu [Alkitab] estava ameaçado.
Entretanto, durante quase 400 anos, essa nunca foi uma preocupação muçulmana. Um fato pouco conhecido da história missionária é que a Bíblia na língua malaia foi a primeira tradução não europeia da Bíblia, feita em 1629, quando o evangelho de Mateus foi traduzido, e a palavra Alá foi usada para Deus.
Mas, desde os anos de 1970, a Malásia tem experimentado uma revitalização islâmica, o que levou à proibição, em 1986, do uso de Alá (e de três outras conhecidas palavras corânicas) em publicações cristãs “para manter a ordem pública e prevenir confusão entre muçulmanos e cristãos”. Depois disso, por conta do uso da palavra, os cristãos travaram muitas batalhas administrativas contra o Estado por quase duas décadas. Em 2006, os cristãos finalmente conseguiram uma reparação legal, mas, em 2014, a Suprema Corte da Malásia decidiu que os cristãos estariam proibidos de usar a palavra Alá, alegando que não se trata de palavra essencial para o cristianismo, a despeito de sua longa presença histórica no Alkitab. O resultado foi interessante: os muçulmanos, de forma geral, consideraram tal decisão uma afronta, até mesmo os do Oriente Médio consideraram-na absurda. Algumas ONGs muçulmanas locais censuraram a decisão do governo, declarando que a palavra é mais antiga que o islã, e que é um termo genérico para “Deus”. A Suprema Corte, então, apresentou bases frágeis para proibir os cristãos de usá-la.
Mas o apoio desses muçulmanos aos cristãos malaios não os preparou para um novo desafio que surgiu não muito tempo depois: grupos missionários muçulmanos iniciaram campanhas “Street Dakwah” (nas ruas, ao estilo da evangelização urbana dos cristãos) em cidades malaias, enquanto em algumas escolas públicas, professores e alunos muçulmanos tentavam agressivamente converter cristãos ao islã. Dentre os questionamentos apresentados aos cristãos, estava o mesmo que me foi feito naquele retiro: “Já que vocês adoram a Alá, por que você não se tornam muçulmanos?”.
A questão sobre se cristãos e muçulmanos adoram o “mesmo Deus” requer atenção cuidadosa no contexto da Malásia. Se o Deus que cristãos e muçulmanos adoram é o mesmo, por que os cristãos não deveriam abraçar o islã? De fato, os muçulmanos têm no Alcorão muito da base que necessitam para convencer os cristãos. No islã, o Deus de Noé, Abraão, Moisés e Davi é o mesmo Deus que mais tarde também convoca os cristãos a ouvirem a voz de Maomé. Ele é o profeta definitivo de Alá, convocando toda a humanidade para o islã. Então, por que deveriam os cristãos que concordam com a opinião do “mesmo Deus” desistir do cristianismo se é o mesmo Deus (no islã)?
Entretanto, se esse Deus não é o mesmo, então os muçulmanos não podem fazer asseverações tão ousadas. Como Timothy George lembra em seu livro Is the God of Muhammad the Father of Jesus? [O Deus de Maomé é o Pai de Jesus?], a resposta à pergunta do “mesmo Deus” depende da maneira como se define Alá. Um passo inicial e importante é os cristãos examinarem cuidadosamente como as palavras são usadas e entendidas em uma comunidade particular de fé (por exemplo, o uso muçulmano da palavra Alá) antes que se possa avaliar quão semelhantes/diferentes elas são. Quando os cristãos fazem afirmações que parecem lógicas e compassivas sobre bases políticas e humanitárias, isso também levanta questões teológicas e missiológicas difíceis. No caso da Malásia, é um convite a erros religiosos e políticos enquanto eles maculam o nosso entendimento de Deus.
Por conseguinte, faz-se necessário que proponentes da opinião do “mesmo Deus” (como Volf e Hawkins) respondam com clareza a essa questão. Missiologicamente, para obreiros que enfatizam a contextualização como chave para a tradução da Bíblia (usando conceitos locais que são compreensíveis para a cultura sem comprometer a fidelidade essencial de significado do texto bíblico), o uso de Alá deve ser cuidadosamente examinado em diferentes contextos (por exemplo, em Brunei e na Malásia, onde o uso é proibido). Além disso, os missionários e os cristãos nacionais deveriam continuar a usá-lo a despeito dos riscos religiosos e legais? Ou eles deveriam empregar outro termo (como Javé, como é o caso atualmente entre alguns missionários na Malásia), mas correndo o risco de introduzir uma palavra estranha aos convertidos e interessados locais?
De volta à questão original: como os estudantes naquele retiro responderam ao enigma? Depois de um longo silêncio, um garoto de 14 anos levantou sua mão, levantou-se e disse: “Bem, se isso é verdade, então por que você muçulmano não se torna cristão?”. Todo mundo explodiu em gargalhadas e aplausos.
Sobre o autor
John Cheong é professor em tempo integral de Missões e Estudos Interculturais em um seminário na Ásia. Possui especializações em islamismo, globalização, religiões populares, pentecostalismo asiático e teologia do trabalho, de finanças e de missões.
DIVAGAÇÕES SOBRE O DEUS MUÇULMANO
Timothy Paul Erdel
Pode parecer que cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus, o único Deus vivo e verdadeiro, um Deus de graça e amor, a quem devemos eterna gratidão. Cristãos e muçulmanos adoram o Deus de Abrão, o Deus que ouviu o clamor de Ismael, que falou a Hagar, a mãe dele que chorava, que poupou ambos, e que prometeu fazer de Ismael uma grande nação. Então, pareceu ser correto quando William Lane Craig resgatou o argumento cosmológico muçulmano medieval chamado Kalam para provar a existência de Deus. Então, pareceu ser natural quando meu querido aluno muçulmano do Senegal, Abdou Aziz Thiandoum, rotineiramente levantou sua mão e pediu por necessidades específicas em sua vida, isso quando eu perguntava se algum aluno queria apresentar algum pedido de oração no início de cada aula de Introdução à Filosofia na última primavera no Bethel College em Mishawaka, Indiana.
Naquela mesma primavera, Aziz fez o discurso de despedida na festa do Bethel College Pilots, o time de basquete masculino da faculdade. Ninguém se esforçou mais que ele nos treinos durante o tempo que passou em Bethel, mas, devido a uma série de problemas de comunicação e decisões burocráticas extremamente frustrantes, ele, que fora candidato a uma posição de titular do time (e ele já fora no passado formalmente liberado para jogar basquete no NCAA I), nunca foi autorizado a jogar nem na segunda divisão da NAIA para a Bethel. Nem sequer um segundo em um jogo oficial. Não obstante, seu discurso de despedida foi de extrema gratidão por tudo que Bethel é e pelo que a família Bethel fez para ajudá-lo. Ainda que ele tivesse iniciado com um pedido desculpas por não ser capaz de expressar de maneira adequada suas verdadeiras emoções pois ele “nunca chorou”, ele logo irrompeu em prantos, soluçando descontroladamente e, por fim, depois de repetidos esforços para manter sua compostura, voltou à sua mesa, onde curvou sua cabeça e chorou silenciosamente durante todo o tempo da festa. Parece que a graça de Deus estava mais evidente nele que na vida de qualquer outra pessoa no campus que se dizia cristão.
Ao contrário, o Deus cristão é o Deus trino da ortodoxia cristã histórica. Pai, Filho e Espírito Santo, o Deus que é amor em seu próprio ser desde toda a eternidade precisamente porque há um relacionamento eterno de amor entre essas três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Esse Deus trino, que os muçulmanos negam, criou todo o universo, fazendo os seres humanos à sua imagem. Esse Deus de graça e misericórdia não pesa nossas boas e más ações em uma balança para ver se vamos para o céu ou para o inferno. Antes, o Deus revelado nas Escrituras faz a balança pesar radicalmente a nosso favor, muito além de qualquer mérito possível da nossa parte. Ele o faz por causa da expiação conseguida por seu Filho unigênito, que sofreu e morreu por nossa causa, suportando uma sequência inacreditavelmente cruel: traição, negação, abandono, zombaria, espancamentos, açoitamentos e crucificação. Ninguém que nega abertamente o sacrifício salvífico de Jesus na cruz deve esperar entrar no Reino de Deus.
Se alguns ramos do islã, como o sufismo, parecem mais abertos à graça e misericórdia divina que outros, é sabido que os sufis são considerados hereges por outras correntes do islã. Assim, o caminho para o Deus da graça e misericórdia é bloqueado pelas alegações dogmáticas que negam a pessoa divina e a obra de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Minha resposta é que há apenas um juiz, e ainda enxergamos através de lentes escuras. Se nossas orações são ouvidas e respondidas, além de todo deserto, esperança ou expectativa, então, quem somos nós para determinar se Deus ouve e responde ou não às orações e ao culto de um muçulmano? Muito da atuação de Deus continua sendo um mistério para nós. Quem somos nós para declarar com certeza o que Deus deve ou deveria fazer em resposta aos clamores, pedidos e orações daqueles que foram criados à sua imagem? Conquanto devamos pregar e ensinar a verdade cristã tão clara e cuidadosamente quanto pudermos, jamais comprometendo as alegações das Escrituras, instando junto aos muçulmanos que venham à verdadeira fé em Jesus o Cristo, o Filho de Deus, não estamos em posição de determinar o que é de responsabilidade apenas de Deus. Deus vai decidir, não nós, quão grande sua misericórdia é. Oro pela salvação de Aziz, e oro pela minha própria e dos integrantes da minha família. Que Deus, em sua grande misericórdia, ouça as orações dos seus filhos.
Sobre o autor
Timothy Paul Erdel é professor de Religião e Filosofia no Bethel College em Indiana.
[1] http://www.csmonitor.com/USA/Society/2015/1217/Wheaton-College-professor-Christians-and-Muslims-worship-the-same-God-video. Acesso em 29 de dezembro de 2015.
[2] Masjid é a transliteração de uma palavra árabe para designar o local islâmico de adoração (N. do T.).
[3] Essas são citações aproximadas de um imã wahabita que ouvi em uma mesquita em Dearborn, Michigan, no dia 12 de dezembro de 2015.
[4] O povo yezidi constitui um minoria étnica e religiosa do Iraque (N. do T.).
[5] Citado pelo Dr. Don McCurry, que foi amigo do falecido Dr. Rahbar.
[6] Al-Faruki, Ismail R. Islamic Da’wah. Its Nature and Demands. Indianapolis: American Trust Publications, 1986, p. 17.