A importância da boa gestão nas organizações missionárias
A diligência nas questões administrativas mostra o quanto levamos a sério usar bem o que Deus coloca em nossas mãos em prol da difusão de sua glória entre as nações
Rafael Bandeira
Os cristãos têm o desafio de cooperar com Deus na tarefa global. Para tanto, seja para o envio de obreiros transculturais, seja para atuar com cristãos perseguidos por conta da fé em Cristo ou com projetos de desenvolvimento em situações de vulnerabilidade social, precisam de “CNPJs”. (E aqui nem vamos tratar de igrejas!)
A maior parte dessas organizações são associações privadas – um conjunto de pessoas, jurídica e administrativamente organizadas, com um propósito comum. Algumas, em seu estatuto, definem-se como de natureza religiosa, outras estabelecem como finalidade, por exemplo, o desenvolvimento social. Apesar de não terem fins lucrativos, necessitam de recursos – dinheiro, pessoas, ativos – para realizar as atividades a que se propuseram. De saída, então, já surgem perguntas básicas:
- Quanto é necessário exatamente e para quê?
- Como esses recursos serão captados?
- Como serão geridos?
- Como se dará a prestação de contas sobre como são utilizados?
- Quem será o responsável por cuidar dessas questões na organização?
Noto que as principais lacunas das associações cristãs com quem tive e tenho contato (nem todas, é claro!) não dizem respeito a aspectos teológicos ou missiológicos, visão ou chamado, mas a questões da administração, da gestão. A administração é uma ciência e, como tal, envolve teorias, pesquisas, fundamentos, normas etc. No Brasil, há muito empirismo. É imprescindível que associações religiosas como agências missionárias zelem por uma boa administração.
É bíblico!
Apesar de parecer óbvio, vale esclarecer que afirmar a necessidade de uma gestão excelente por parte das agências missionárias não significa ter menos fé, tampouco colocar em segundo plano a atuação sobrenatural do Espírito Santo. Nossa diligência nas questões administrativas, na verdade, mostra o quanto levamos a sério usar bem o que Deus coloca em nossas mãos em prol da difusão de sua glória entre as nações. Em se tratando de gestão de organizações cristãs, excelência, retidão e transparência são imprescindíveis – a gestão por si só deve ser um prenúncio do reino de Deus já/ainda não inaugurado, um testemunho do caráter de Cristo.
A Bíblia traz muitos bons exemplos.
- Em Êxodo 25, Deus orienta Moisés sobre o planejamento da construção do tabernáculo e sobre como deveria ser feita a captação de recursos para tal.
- O livro de Neemias – que trata da reconstrução dos muros e do templo de Jerusalém – é repleto de princípios de uma boa gestão e de planejamento.
- Na parábola dos talentos (Mt 25.14-30, Lc 19.12-27), fica claro que o Senhor confiou a cada um a quantidade de talentos conforme a capacidade de administração desses recursos. O que recebeu cinco tinha capacidade para administrar cinco!
É para já!
O discurso de que uma boa gestão será implementada quando houver condições mínimas para tal, quando houver um volume considerável de recursos, é, como se diz, um tiro no pé. Não espere para mudar a cultura. Quem vai investir seu dinheiro ou tempo em uma organização que é negligente, não sabe para onde vai, aonde quer chegar, que não tem orçamento, fluxo de caixa, processos, projetos definidos, relatórios, estrutura de governança, códigos de conduta? Nem todos os diretores-executivos ou líderes de agências missionárias são administradores por formação, isso não significa que não possam (ou melhor, não devam) adquirir o conhecimento básico necessário para gerir sua organização com excelência e se cercar de pessoas que os complementem. Também é preciso dizer que nem todo missiólogo tem, necessariamente, perfil para gerir uma organização, por mais conhecimento que tenha das necessidades concernentes à tarefa global, por mais experiência de campo que tenha acumulado. No corpo de Cristo, há aqueles que não têm o dom de cantar ou tocar no louvor, de pregar, de pastorear, mas são excelentes gestores! Por que não desafiar essas pessoas a se envolver na tarefa global com suas habilidades profissionais?
Para o aperfeiçoamento dos líderes e diretores-executivos de agências missionárias, deixo aqui as seguintes indicações:
▹ Planejamento estratégico para igrejas, de Josué Campanhã (United Press). Apesar de ter sido escrito para igrejas, traz modelos aplicáveis às agências missionárias.
▹ Empreendedor Missional, de Toby Miles (Betel Brasileiro Publicações).
• Vídeos sobre captação de recursos que publiquei em meu canal no YouTube.
• Os cursos na modalidade EAD “Inteligência Financeira” e “Gestão de Pessoas”, do Haggai Brasil, disponíveis aqui.
Um pouco sobre captação de recursos
Essa é uma das áreas a que mais tenho me dedicado em termos de produção de conteúdo. Além dos vídeos mencionados anteriormente, escrevi o livro O Deus de todo recurso: Princípios bíblicos na captação de fundos para projetos transformadores (Editora Esperança para uma vida melhor).
Há três fontes de recursos para as associações (aqui estão incluídas as agências missionárias):
- Indivíduos (pessoas físicas);
- Instituições (pessoas jurídicas, como igrejas);
- Iniciativas geradoras de rendas (como eventos, cursos, publicação de livros etc.) Alguns pontos básicos para se atentar em termos de captação de recursos:
- Planejamento – Quanto precisa ser captado? De que forma isso vai ser feito?
- Relacionamentos – É imprescindível desenvolver relacionamentos, as pessoas investem em projetos que conhecem e de pessoas em quem confiam.
- Finalidade – Em que exatamente o recurso será aplicado? No caso de uma organização missionária, quanto do que é doado vai para o sustento de obreiros, quando vai para a área administrativa da organização e assim por diante.
- Ética – A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) tem um Código de Ética disponível aqui, um ótimo balizador para organizações e missionários.
- Diversificação – É muito aconselhável que não haja dependência de um único mantenedor/investidor.
- Monitoramento – Quando do planejado foi de fato arrecadado? Como se dá a prestação de contas?
Hoje, boa parte das agências missionárias enviadoras delega ao próprio obreiro a captação dos recursos para o “projeto/ministério” em que ele está envolvido junto a igrejas e junto a irmãos individualmente. É comum a agência a que o missionário está vinculado reter um percentual desse valor para cobrir despesas administrativas, investir em captação de novos recursos (incluindo mais trabalhadores transculturais), realizar pesquisas e treinamentos etc. Outras, por sua vez, têm tais despesas cobertas por outras fontes de receita – fundos que a denominação destina a missões, por exemplo, ou igrejas e cristãos que contribuem para esse fim (o que é raro pela falta de visão de que uma estrutura mínima administrativa é necessária) – de forma que 100% do valor captado seja repassado para o missionário “na ponta”. Não há um modelo único, o importante, como já foi dito, é que haja uma boa gestão dos recursos.
Sobre o autor
Rafael Bandeira é administrador, mestre em políticas públicas e doutorando em administração pela Florida Christian University (EUA). Missionário da Sepal, coordena o Departamento de Administração Missionária (DAM) da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB). É professor, escritor, consultor e pesquisador na área de captação de recursos. Atualmente é presidente executivo do Fundo Brasileiro para Missões.