O Futuro das Agências Missionárias
Eddie Arthur
Apresentação
por Silas Tostes
As agências missionárias surgiram originalmente no contexto do mundo cristão para enviar obreiros ao mundo não cristão, com o propósito de pregar o evangelho. Neste artigo, com base na situação do Reino Unido, Eddie Arthur reflete sobre a relevância e o papel das agências missionárias da atualidade. O mundo em que as agências operavam mudou:
• Hoje, o que antes eram campos missionários, têm um número maior de cristãos do que os países que antes enviavam missionários.
• Devido à globalização, há pessoas de todas as nações nas grandes cidades do mundo.
• Os países que enviavam missionários, e que se consideravam parte do mundo cristão, hoje não se consideram países cristãos.
Sendo assim, qual seria o papel de uma agência missionária nesta nova realidade? Dado que o campo missionário mudou, manter as mesmas estratégias não funciona mais; mudanças devem ser feitas a partir de uma reflexão que leve em consideração o contexto no qual a ação missionária se dará em relação à base bíblica para a proclamação do evangelho.
No Brasil, temos de fazer também a nossa lição de casa. Com base no nosso contexto brasileiro, devemos considerar qual é o papel das agências missionárias hoje.
E, assim, a consideração a ser feita é qual é o papel de uma agência missionária à luz das Escrituras. Embora este artigo pesquise a realidade inglesa e fale à mesma, não deixa de ter relevância para as agências missionárias brasileiras. Ele nos leva a refletir sobre a importância e o papel primordial da nossa existência.
Silas Tostes
Missão Antioquia
Aliança Cristã Evangélica Brasileira
1. Introdução
Antes de iniciarmos, precisamos definir brevemente o que entendemos por “agências missionárias”. Ralph Winter faz distinção entre dois tipos de estruturas de igreja: a estrutura ou modalidade eclesiástica estabelecida e a estrutura ou associação missionária.[1] No entanto, ainda que seja amplamente utilizada e discutida (veja 3.1 abaixo), a definição de Winter é ampla demais para nossas necessidades, por cobrir uma vasta gama de estruturas das quais nem todas seriam consideradas agências missionárias.
Em termos históricos, a gênese das agências missionárias é com frequência remontada à obra de Carey, publicada em 1792: Enquiry into the Obligation of Christians, to use Means for the Conversion of the Heathen [Uma inquirição sobre a responsabilidade de os cristãos usarem meios para a conversão dos pagãos] e a subsequente fundação da Sociedade Missionária Batista.[2] Carey propôs o estabelecimento de sociedades voluntárias com o propósito de dar condições para os cristãos protestantes servirem como missionários em lugares distantes. Essas sociedades seriam dirigidas por diretorias independentes que cuidariam da administração e do recrutamento necessários no Reino Unido. Mais de duzentos anos depois, a maior parte das agências missionárias ainda funciona de modo bem semelhante ao sugerido por Carey, embora com a complexidade adicional que decorre do fato de serem organizações internacionais com estruturas para administração e governança em vários países.
É difícil definir as agências em termos do que elas fazem. No início, o propósito principal das agências missionárias era evangelístico, ainda que os serviços educativos e médicos muitas vezes também fizessem parte de sua missão. Mais tarde, passaram a existir organizações especialistas que têm por foco, por exemplo, o apoio à igreja perseguida, a tradução da Bíblia, assistência social e desenvolvimento e outras áreas de ação social.
É igualmente difícil definir as agências missionárias em termos do relacionamento delas com as igrejas. Algumas, como a Sociedade Wycliffe de Tradutores da Bíblia, são governadas independentemente de qualquer estrutura eclesiástica ou denominacional. Outras, como a Grace Baptist Mission [Missão Batista Graça], são quase independentes, como o braço missionário de uma denominação. A Sociedade Missionária da Igreja Anglicana (CMS) tem muitas das características de uma agência missionária, mas é na realidade uma comunidade da Igreja da Inglaterra — uma expressão missionária dispersa da Igreja. Dando mais um passo, há também igrejas e denominações envolvidas em trabalho missionário em outros países, sem nenhuma intervenção de uma estrutura agenciadora.
Falando em termos práticos, no contexto do Reino Unido o modo mais simples de identificar agências evangélicas é pelo exame das organizações que se autoidentificam como tais por meio de sua afiliação à Global Connections, uma rede britânica de agências, igrejas, faculdades e serviços de apoio.[3] Isso exclui um pequeno número de agências que optaram por não se juntarem à Global Connections, mas inclui a grande maioria delas.
Mesmo essa definição nos deixa com uma vasta gama de organizações para considerar. Para os propósitos deste artigo, vamos nos concentrar principalmente no que Fiedler chama de “missões de fé” — aquelas que “remontam suas origens, ou as origens dos seus princípios, direta ou indiretamente à Missão para o Interior da China”.[4] Isso inclui a maioria das agências grandes e bem conhecidas como OMF, AIM, SIM e Wycliffe. Essas agências colocam missionários em todo o mundo e têm ligações com muitas igrejas e denominações, mas não prestam contas a nenhum grupo eclesiástico específico.
1.1 O contexto histórico
As missões evangelísticas desenvolveram-se numa época em que era possível considerar o mundo como sendo dividido entre o Ocidente cristão e o restante não cristão. A distinção entre os dois era clara e a missão podia ser distinguida de outras formas de serviço cristão porque envolvia viajar para fora do mundo cristão e entrar num mundo não cristão.
O mundo político em que as agências missionárias britânicas se desenvolveram era dominado pelo Império. Os lugares a que agências britânicas enviavam missionários eram também, com muita frequência, os mesmos lugares que se tornaram colônias do Império Britânico. Ainda que o relacionamento entre as autoridades coloniais e os missionários fosse complexo, de certo modo eles estavam estreitamente entrelaçados, uma vez que o governo via os missionários como parte da estratégia para a expansão do domínio colonial.[5] Do ponto de vista dos que estavam recebendo os missionários, podia ser muito difícil separar o programa religioso dos missionários do programa político e comercial dos seus supervisores coloniais. Também havia a inevitável desigualdade de poder; os missionários eram vistos como pessoas amparadas pelas vastas riquezas e pelo poder militar do império.
As agências missionárias desenvolveram-se num clima intelectual dominado pelo Iluminismo, num período de rápido desenvolvimento tecnológico. As agências tendiam a ser organizações altamente pragmáticas que adotavam rapidamente novas práticas do mundo empresarial e comercial para fazer avançar a causa missionária.[6] Nos duzentos anos subsequentes, as agências missionárias também foram rápidas em adotar novas tecnologias como o rádio, os computadores e a internet para expandir sua obra. Ao mesmo tempo, a separação entre sagrado e secular, associada ao Iluminismo, tendia a distanciar os missionários das pessoas às quais eles estavam servindo, uma vez que com frequência não conseguiam avaliar as complexas cosmovisões espirituais de muitas sociedades ao redor do mundo.[7]
1.2 A situação hoje
1.2.1 Religião
Nos últimos cinquenta anos, o perfil religioso do mundo mudou de maneira impressionante. O que Andrew Walls chama de centro de gravidade cristão passou do Ocidente para a África, a Ásia e a América Latina.[8]
Philip Jenkins descreve essa mudança do seguinte modo:
Já hoje, as maiores comunidades cristãs no planeta encontram-se na África e na América Latina. Se quisermos visualizar um “típico” cristão contemporâneo, devemos pensar numa mulher que vive numa vila na Nigéria ou numa favela brasileira.[9]
Comparações entre tendências em Uganda e no Reino Unido fornecem uma indicação do processo que está em andamento. O cristianismo só fincou raízes em Uganda cerca de 150 anos atrás, mas hoje 75% da população descrever-se-iam como cristãos.[10] Em contraste, um estudo realizado em 2005 pela Universidade de Manchester mostrou que apenas 50% dos pais cristãos britânicos conseguiram transmitir sua fé aos filhos,[11] enquanto um relatório de Peter Brierly sugere que o número de membros de denominações cristãs no Reino Unido cairá para menos de 5% por volta de 2040, comparado com um pouco menos de 10% em 2005.[12]
Sanneh resume o efeito cumulativo dessas duas tendências:
Por volta de 1985 houve mais de 16.500 conversões por dia (na África), produzindo uma taxa anual de mais de 6 milhões. No mesmo período, cerca de 4.300 pessoas estavam deixando a Igreja a cada dia na Europa e na América do Norte.[13]
As diferentes experiências da igreja no Ocidente e em outros lugares produziram uma mudança no perfil dos cristãos no mundo. Em 1800, bem mais de 90% dos cristãos viviam na Europa e na América do Norte, enquanto em 1990, mais de 60% viviam na África, na América do Sul, na Ásia e no Pacífico, sendo que essa proporção aumenta anualmente.[14]
As agências missionárias evangélicas que foram originalmente fundadas para levar o evangelho à Ásia e à África agora trabalham num contexto em que com frequência há uma proporção mais elevada de cristãos nos “campos missionários” do que nos países que tradicionalmente enviavam missionários.
Há uma crescente disparidade entre a cosmovisão da igreja no mundo em desenvolvimento e a das igrejas que enviam missionários. As igrejas do hemisfério Sul tendem a ser espiritualmente vibrantes, esperando que Deus intervenha em situações em que suas contrapartes do Norte buscariam causas e soluções racionais e científicas.[15]
Há um perigo de o Sul cada vez mais cristão definir-se contra o que eles veem como o Norte secular e por demais liberal e de que isso possa levar a uma nova cisão na igreja.[16] Podemos já estar vendo isso demonstrado na diversidade de atitudes em relação à homossexualidade dentro da Comunhão Anglicana.
1.2.2. Política
Desde a Segunda Guerra Mundial, praticamente todos os países que já fizeram parte do Império Britânico obtiveram independência, o que alterou fundamentalmente o relacionamento entre o Reino Unido e suas ex-colônias.
O relacionamento entre os missionários e os cristãos locais também mudou. Já não se pode pressupor que os missionários serão os responsáveis; eles têm de aprender a trabalhar sob a direção de líderes cristãos locais.
No Reino Unido, o desaparecimento do Império tem sido acompanhado de um crescimento da culpa pós-colonial que, por si, causa um impacto na obra missionária. A missão de proselitismo, que incentiva as pessoas a trocarem a religião que seguem pelo cristianismo, já não é considerada adequada no mundo contemporâneo.[17] Lamin Sanneh relata a história de um missionário britânico metodista que o desencorajou a converter-se do islamismo para o cristianismo.[18] O teólogo evangélico Steve Holmes demonstrou que as críticas da sociedade contra as missões estão causando um impacto cada vez maior na maneira pela qual as congregações percebem as agências missionárias e a obra delas.[19] Paul Hildreth chama a atenção para uma situação paradoxal em que igrejas do Reino Unido estão cada vez mais interessadas em missões para muçulmanos, mas sentem-se constrangidas pelo politicamente correto quanto a que podem dizer.[20]
Ao mesmo tempo, há uma hostilidade ativa na mídia secular em geral em relação à obra da missão cristã. Isso pode ser visto nas páginas de comentários dos jornais ou de publicações importantes como The Missionaries de Norman Lewis.[21]
Talvez seja significativo que em 2011 uma importante pesquisa sobre crenças e hábitos dos cristãos evangélicos no Reino Unido não fazia referência a missões em outros países.[22]
1.2.3. Globalização
Globalização é a disseminação do progresso e da influência econômica ocidental por todo o mundo, em particular pela tecnologia da informação. “Ela tem um potencial benéfico, mas também tem sido a origem de uma sociedade de consumo no Ocidente, uma crescente separação entre ricos e pobres, destruição ecológica, deslocamento massivo de pessoas e uma força homogeneizadora que impõe o espírito da cultura ocidental às culturas do mundo.”[23] A missão cristã sempre foi desenvolvida dentro de um dado contexto. No entanto, o impacto da globalização é que agora não existe isso de um contexto puramente local. Cada situação no mundo é informada pelo contexto global maior.[24]
A antiga distinção entre missões “nacionais” e missões “estrangeiras” está se tornando cada vez mais redundante num mundo globalizado. Conquanto continuaremos a usar esses temos neste artigo, trata-se mais de uma conveniência que nos permite evitar longas explanações em vez de um reflexo da situação atual.
1.2.4. Mudanças rápidas
Estamos vivendo num período de enormes mudanças: o mundo está cada vez mais urbanizado, a tecnologia da comunicação está evoluindo a um ritmo acelerado, enquanto o equilíbrio econômico do mundo está se deslocando. A população na Europa e no Japão está envelhecendo, enquanto na África e em outras partes da Ásia a população está crescendo a taxas explosivas. Em todo o globo, vasto número de pessoas está se deslocando para fugir de conflitos ou simplesmente para melhorar seus padrões de vida. Uma consequência dessa tendência é uma grande transferência de população que se afasta de áreas rurais em direção a centros urbanos.[25] Estamos vivendo em meio a essas mudanças hoje e é difícil predizer como será o impacto disso no futuro das agências missionárias. No entanto, algo está claro: as agências que desejam corresponder a essas mudanças precisarão ser muito adaptáveis.[26]
1.2.5. Tendências no Reino Unido
Observamos que a igreja tem crescido enormemente em todo o globo nas últimas décadas. No entanto, de modo geral o crescimento da população mundial acompanha o crescimento da igreja de tal modo que o número de cristãos como porcentagem da população mundial muda muito pouco.[27] Portanto, a necessidade de missões evangelísticas alcançarem pessoas que não têm oportunidade de ouvir a respeito de Jesus é crucial como sempre foi.
Contudo, pelo menos no Reino Unido, há uma consciência de que as igrejas e as agências missionárias estão perdendo o foco na missão evangelística. Em 1974, o Pacto de Lausanne ajudou os evangélicos a recapturarem a importância da ação social como parte essencial da obra missionária.[28] Entretanto, nos últimos anos, o pêndulo parece ter se movido em outra direção de modo tal que a proclamação evangelística está sendo sobrepujada por preocupações com mudanças climáticas, diminuição da pobreza e justiça.[29] Em setembro de 2015, Martin Lee, da Global Connections, escreveu: “A igreja evangélica perdeu seu desejo de ajudar as pessoas a chegarem à fé no Senhor Jesus Cristo, contentando-se apenas em promover ação social e fazer o bem”.[30]
Ao mesmo tempo, um número crescente de igrejas e denominações está se envolvendo em missões sem a intermediação de agências missionárias.[31] Às vezes, isso implica apenas uma parceria com um projeto, igreja ou diocese em outra parte do mundo, enquanto em alguns casos as igrejas estão diretamente envolvidas na fundação de igrejas por todo o globo.[32]
1.2.5.1. Número de agências
Dadas as tensões que mencionamos (o declínio na igreja no Ocidente, a ambivalência para com a missão e a tendência crescente de igrejas que optam por não trabalhar com agências) seria lógico pressupor que o número de agências no Reino Unido estaria declinando. No entanto, a realidade é o oposto disso. O gráfico abaixo compara o número de agências missionárias que são membros da Global Connections com a frequência semanal nas igrejas anglicanas no Reino Unido.
É possível argumentar que os números da Igreja da Inglaterra não representam inteiramente a igreja evangélica no Reino Unido. Contudo, eles ilustram uma tendência geral. Em última análise, há mais e mais agências buscando apoio financeiro de um contingente que está encolhendo. Isso não é sustentável nem mesmo a curto e médio prazo.
1.2.6. Missionários hoje
Seria incorreto pressupor, de acordo com a discussão precedente, que não há lugar para missionários na igreja contemporânea. Podemos identificar três funções-chave para missionários no mundo hoje:
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______ Frequência semanal média
______ Agências
- Levar a mensagem cristã a pessoas que ainda não ouviram a mensagem de Cristo.
- Servir à igreja por meio de habilidades técnicas e fornecer treinamento.
- Incentivar e ensinar a igreja por meio de experiências obtidas em contextos culturais muito diferentes.
No entanto, a maioria desses missionários não será de ocidentais e é pouco provável que eles dependam das estruturas ocidentais para a obra que desenvolverão.[33]
1.3. Resumo
Essa introdução demonstrou que o mundo em que as agências missionárias evangélicas operam mudou de modo significativo nos últimos cinquenta anos. David Smith descreve o impacto dessas mudanças com termos marcantes:
O que está claro no momento é que tanto o conceito de missão como um movimento de mão única da cristandade para o mundo não evangelizado, quanto as estruturas elaboradas no final do século 18 para facilitar esse movimento, têm sido surpreendidos por desenvolvimentos históricos que os tornam cada vez mais irrelevantes e redundantes.[34]
Ao mesmo tempo em que as agências confrontam questões a respeito de seu propósito e estrutura, precisam enfrentar o desafio de obter recursos provenientes de uma igreja que tanto está em declínio quanto aparentemente menos interessada na obra de missões internacionais do que as gerações anteriores e para quem o foco da missão tem muitas vezes se deslocado para o Reino Unido.[35]
2. Abordagens atuais
Em reação a essas questões, as agências missionárias britânicas têm feito algumas mudanças quanto ao modo em que operam. Estas podem ser divididas em duas amplas categorias: ajuste e reforma.
2.1. Ajuste
A resposta de algumas agências, em particular as maiores, que são menos ameaçadas pela situação atual, é melhorar seus processos administrativos, aprimorar suas comunicações e levantamento de recursos e adaptar seus modelos de sustento financeiro para fazer frente aos novos desafios. Esses ajustes são bem-intencionados e com frequência demonstram boa mordomia. No entanto, eles não refletem as dimensões das mudanças que ocorreram no ambiente em que as agências missionárias operam e é pouco provável que sejam bem-sucedidos no longo prazo.
Paul Hildreth, no seu relatório sobre agências missionárias, referiu-se a essa abordagem como “operar dentro do modelo”.[36]
2.2. Reforma
A alternativa recomendada por Hildreth é reformar o modelo — que as agências encontrem maneiras de empregar suas forças de trabalho de um modo que reflita as atuais realidades do mundo. De modo geral, são as agências menores e de médio porte que estão adotando essas estratégias. Elas não só estão mais ameaçadas pelas mudanças no mundo, mas também têm flexibilidade para mudanças e adaptações que podem não estar presentes entre algumas das agências maiores. A próxima seção ilustra algumas abordagens que estão sendo adotadas.
2.2.1. Missão de redes em diáspora
Em geral, as agências missionárias acumulavam expertise e experiência no trabalho com pessoas de línguas e culturas específicas. Isso era feito pelo envio de missionários para as regiões em que essas línguas e culturas eram nativas. Hoje, porém, num mundo muito móvel, pessoas de vasta gama de contextos linguísticos e culturais são encontradas na maioria das principais cidades do Ocidente. É sugerido que um futuro papel das agências missionárias será alcançar essas comunidades em diáspora.
O ministério da diáspora tem vários aspectos que são dignos de nota.
O primeiro, e talvez o mais óbvio, é fazer o evangelho chegar a comunidades imigrantes estabelecidas. Por exemplo, há missionários com experiência no Subcontinente Indiano trabalhando com igrejas e grupos missionários indianos em cidades do Reino Unido. O trabalho que fazem na Grã-Bretanha é muito parecido com o que faziam na Índia, exceto por não precisarem viajar atravessando meio mundo. No Reino Unido existem várias comunidades que podem ser alcançadas dessa maneira.
Igualmente, no mundo dos negócios e dos estudos, há comunidades em diáspora mais transientes em que a expertise e a experiência das agências missionárias transculturais podem ser úteis. É estrategicamente importante alcançar essas comunidades transitórias, pois os que são visitantes no Ocidente vão retornar algum dia para o próprio país, e talvez levem o evangelho para lugares em que missionários expatriados encontram muita dificuldade para trabalhar.
O ministério a refugiados e asilados no Ocidente é uma área de crescente interesse, possibilidades e preocupação. Muitas igrejas se preocupam com as populações de refugiados que estão se mudando para suas cidades, mas não têm ideia sobre como poderiam servir a eles de um modo melhor. As agências missionárias bem podem ser capazes de dar apoio e auxílio nessa área.
O ministério à diáspora é complexo e as vias para envolvimento estão se expandindo.[37] Sem dúvida, as igrejas do Ocidente precisarão de suporte e conselhos à medida que tentarem ministrar para o crescente número de comunidades internacionais no seu meio. O desafio para as agências missionárias é aprender a trabalhar ao lado das igrejas, dando-lhes suporte, mas sem suplantá-las.
2.2.2. A missão no Ocidente
Uma vez que a igreja cresce e se desenvolve nos países em desenvolvimento e encolhe no Ocidente, a missão deixou de ser unidirecional. Particularmente relevante para nós nesse contexto é o fluxo de missionários que saem de antigos campos missionários e rumam para o Reino Unido e outras nações ocidentais. Algumas agências missionárias, a Latin Link, por exemplo, estão patrocinando missionários para que fundem igrejas entre a população britânica nativa. Harvey Kwiyani refere-se a esse fenômeno como “o reflexo bendito”.[38]
Pode-se argumentar que não há necessidade de as agências missionárias se envolverem nesse movimento. Há muitos cristãos e líderes cristãos que estão migrando para o Ocidente, especialmente da África, como parte de um movimento econômico geral. Essas comunidades estão fundando igrejas onde elas se estabelecem. Hoje, em Londres, há muitas igrejas africanas e foi sugerido que o número de africanos que frequentam igrejas na cidade ultrapassa o de britânicos. Contudo, essas igrejas africanas tiveram impacto limitado na população britânica.
2.2.3. Treinamento da igreja no país de origem
Outro canal para envolvimento é dar às igrejas, no país de origem, o treinamento para o ministério transcultural. A Interserve oferece vários cursos com o objetivo de treinar cristãos britânicos para alcançarem vizinhos que vieram de outros países. À medida que o Reino Unido e o Ocidente em geral tornam-se mais multiculturais, é evidente que esse tipo de treinamento passa a ser cada vez mais necessário. No entanto, é óbvio que o número de agências que têm potencial para oferecer treinamento excede em muito o número que deve vir a ser necessário no contexto do Reino Unido.
2.2.4. Passar para um modelo de consultoria
Bryan Knell sugere que as agências missionárias precisam incentivar as igrejas a assumirem o papel que as agências um dia exerceram, enquanto as agências tornam-se entidades de consultoria e conselho, para apoiar as igrejas na obra missionária.[39] Contudo, isso não leva em consideração os serviços práticos e administrativos que as agências podem oferecer no apoio a obreiros no exterior.
Numa observação mais prática, ainda que empírica, há bem poucos indícios de que as igrejas estejam usando os serviços de consultoria que as agências já estão oferecendo.
Outra questão pragmática é que, no Reino Unido, as igrejas demonstram pouca disposição de se envolverem diretamente em missões para os não alcançados de além-mar. Embora haja algumas exceções louváveis, a maioria das igrejas da Grã-Bretanha que assume responsabilidade direta por missões, ou que se envolve em parcerias no exterior, tende a trabalhar na África Oriental, onde é possível empregar o inglês e já existe uma presença cristã significativa. Para que as agências possam transferir muito do que fazem para as igrejas, é necessário haver um desenvolvimento significativo na visão missionária da igreja britânica. No momento, não há sinal visível de que isso esteja ocorrendo.
2.3. Onde ficamos?
Todas essas opções têm sido adotadas de um modo ou outro por agências missionárias no Reino Unido, mas todas essas abordagens têm em comum problemas significativos.
Na introdução observamos a situação insustentável de ter um número crescente de agências missionárias em paralelo com uma frequência cada vez menor nas igrejas. Nenhuma das abordagens acima trata dessa questão; de fato, algumas a exacerbam. Se as agências missionárias deixarem de ser agências que enviam e passarem a servir às igrejas com consultoria, então haverá necessidade de um número significativamente menor de agências em relação ao que existe hoje.
Outra questão é que cada uma dessas sugestões depende de a igreja, seja como congregação local, seja como denominação, tomar certo curso de ação para fazer uso dos serviços fornecidos pelas agências. Pelo que se observa, não há muitos indícios de que as igrejas estejam usando as agências desse modo.
Os passos que as agências deram para fazer frente às mudanças na situação são simplesmente muito menos radicais do que é necessário. Mas Hildreth entende que é pouco provável que as agências adotem soluções realmente radicais a menos que experimentem um grau muito maior de dificuldades do que experimentam no momento.[40]
Na próxima seção vamos explorar algumas das questões com as quais seria necessário lidar para as agências fazerem mudanças radicais no modo como operam. Um primeiro passo é explorar brevemente a legitimidade das agências como estruturas separadas, para começar.
3. De quem é o problema, afinal?
3.1. A legitimidade das agências
Até este ponto, tomamos como certa a existência de agências missionárias, sem questionar a validade delas. Entretanto, há algumas ambiguidades quanto à natureza das agências que precisam ser brevemente examinadas antes de prosseguirmos.
O Pacto de Lausanne é positivo acerca da existência de agências especialistas:
Também agradecemos a Deus pela existência de instituições que laboram na tradução da Bíblia, na educação teológica, no uso dos meios de comunicação de massa, na literatura cristã, na evangelização, em missões, no avivamento de igrejas e em outros campos especializados.[41]
Como mencionamos na introdução, Winter racionaliza a existência das agências indicando que a igreja, em termos tanto globais quanto históricos, sempre teve dois tipos de estruturas: as associações (ordens voluntárias) e as modalidades (as congregações locais ou igrejas).[42]
No entanto, a conclusão de Winter não tem aceitação universal. Schnable, por exemplo, argumenta que a explicação sociológica de Winter para estruturas eclesiásticas e missionais não tem validade bíblica.[43]
Talvez uma abordagem mais proveitosa seja a adotada por alguns autores que, em vez de se prenderem a detalhes quanto à legitimidade das agências, procuram lidar com elas em termos pragmáticos. Assim, Neill escreve:
As sociedades missionárias, como as conhecemos hoje, não são, de modo algum, parte necessária da existência da igreja; são simplesmente um expediente temporário para o desempenho de certas funções que poderiam ser desempenhadas de diferentes maneiras.[44]
De modo semelhante, Kirk conclui:
A única justificativa teológica delas está no serviço que podem prestar às igrejas, cumprindo aquelas tarefas que as igrejas consideram necessárias, mas para as quais não têm recursos em nível local. O objetivo principal delas deve ser facilitar a cooperação entre igrejas e atravessar fronteiras denominacionais. Elas podem fornecer oportunidades para comunhão, adoração, ensino, evangelização e serviço, atuando como catalisadoras e dando incentivo, mas sem nunca tentar substituir as igrejas.[45]
Scott Sunquist acrescenta: “O conceito de sociedades voluntárias, como uma estrutura paralela para missões, não era uma convicção teológica – era uma necessidade prática”.[46]
A função da agência, então, é servir como um braço especialista da igreja, fazendo o que a igreja considera necessário, mas que requer um grau de especialização ou alcance internacional que a igreja local não consegue obter. No entanto, isso significa que as agências precisam ouvir as igrejas e ser, de algum modo, orientadas por elas. Por vários motivos, nem sempre isso aconteceu.
De novo, Neill deixa bem claro:
Foi o fato de as igrejas não terem conseguido desenvolver um senso missionário que levou certas sociedades missionárias a adotarem posições e políticas desassociadas de qualquer coisa no Novo Testamento, e subsequentemente tentarem forjar uma justificativa teológica para o que em si é teologicamente indefensável.[47]
Contudo, nem todas as posições e políticas adotadas pelas agências missionárias são “teologicamente indefensáveis”.
Sem dúvida, membros da Igreja têm às vezes sucumbido desnecessariamente ao espírito empreendedor da época, iniciando projetos e fundando instituições e organizações que têm sido prejudiciais à missão, em vez de promovê-la. Por outro lado, naquilo em que a Igreja em geral está claramente falhando em cumprir sua vocação missionária com responsabilidade e dedicação, parecem perfeitamente cabíveis as iniciativas de grupos cristãos em obediência ao evangelho.[48]
No entanto, essas ocasiões em que a igreja é deficiente na sua vocação missionária devem ser vistas como exceções, não a norma. Mesmo quando as agências percebem que a igreja não está cumprindo seu chamado missionário, a agência não deve simplesmente ocupar o espaço, mas trabalhar em diálogo, provendo tanto um modelo quanto um incentivo para a igreja.
Quando um missionário é enviado por uma dentre os milhares de missões, ainda há a necessidade de a igreja ser o corpo primário que envia, uma vez que missão é o trabalho da igreja — a igreja universal, por meio de uma igreja local, particular.[49]
3.2. Trabalhando com igrejas na terra mãe
O conteúdo desta e da próxima seção simplificará inevitavelmente a situação um tanto complexa enfrentada pelas agências no momento. Entretanto, um princípio central precisa ser mantido. A função futura das agências missionárias deve ser determinada em diálogo com as igrejas às quais as agências devem prestar contas.
Ao considerar o relacionamento entre a agência missionária e a igreja, é conveniente identificar três tipos de agências.
- As agências denominacionais, tais como a Sociedade Missionária Batista e a Sociedade Missionária da Igreja Anglicana, estão de algum modo ligadas a uma estrutura denominacional que possibilita (pelo menos em tese) comunicação e prestação de contas transparentes. Em certo sentido, as agências denominacionais protestantes podem ser consideradas como homólogas às Ordens Católicas que estão ligadas de um modo ou de outro à estrutura eclesiástica mais ampla.
- Há também um número de agências menores que têm ligações estreitas com um número limitado de igrejas — muitas vezes as igrejas que o fundador da agência frequentou. Essas agências, estando dispostas a isso, têm condições de buscar conselho e opiniões a respeito de seu futuro nas igrejas às quais prestam contas.
- No entanto, esses dois tipos de agências representam uma minoria tanto em termos de número de agências quanto de número de missionários enviados do Reino Unido. As missões de fé, como a OMF, a Associação Wycliffe de Tradutores da Bíblia e a Interserve, representam uma situação muito mais complexa. Essas organizações tendem a ter ligações com um grande número de igrejas individuais, mas vínculos muito mais tênues com estruturas denominacionais ou interdenominacionais. Isso significa que é muito difícil estabelecer qualquer comunicação significativa entre igrejas e as agências no que se refere ao futuro das agências.
Em geral, o conselho administrativo tem sido o mecanismo pelo qual as igrejas têm conseguido interferir no trabalho e nos planos futuros das agências. Ao longo dos anos, a maior parte das agências missionárias tem designado em suas diretorias um número de clérigos que, mesmo sem caráter representativo oficial, podem dar conselho e orientação da perspectiva de suas igrejas. Entretanto, em anos recentes, a legislação filantrópica britânica tornou-se mais complexa e os conselhos administrativos precisam lidar com um ambiente legal e financeiro complexo. Por esse motivo, nas reuniões do conselho há menos tempo disponível para discutir estratégias missionárias, e as agências são obrigadas a incluir diretores com capacitação em leis, contabilidade e outras áreas profissionais.
Do mesmo modo, a fragmentação do evangelicalismo britânico numa série de novas “tribos”[50] torna difícil, se não impossível, as agências terem diretorias que representem todo o espectro do evangelicalismo.
A proliferação de agências missionárias é outro problema moderno neste momento. Para os entendidos, as várias agências têm diferentes propósitos e características, mas para um líder eclesiástico ocupado, são muito parecidas e é impossível envolver-se com todas elas.
Talvez haja a necessidade de um diálogo nacional que envolva líderes de diferentes contextos eclesiásticos, bem como um bom número de agências, para considerar o modelo futuro de apoio e envolvimento missionário por parte do Reino Unido.
3.3. Trabalhando com igrejas no campo
Aparentemente, é mais simples buscar conselhos e opiniões das igrejas no “campo” do que na situação no “país de origem”. Embora as agências tenham de se relacionar com múltiplas igrejas na terra natal, com raras exceções elas se relacionam com uma ou duas denominações no campo e é bem possível que tenham ligações organizacionais diretas com essa denominação.
No entanto, duas questões significativas podem impactar a qualidade do diálogo: a primeira é a qualidade da parceria entre a missão e a igreja, e a segunda diz respeito à futura direção da igreja pelo mundo.
A parceria é uma ideia maravilhosa; lamentável a sua prática! Uma participação realmente igualitária continuará problemática para a Igreja em todo o mundo enquanto os recursos materiais continuarem sendo distribuídos de modo tão irregular. É muito comum Igreja e agências missionárias ocidentais usarem estímulos financeiros ou ameaças veladas de suspensões para promoverem conceitos próprios de missão e evangelização, crescimento, desenvolvimento de igreja e luta social. Às vezes, os programas e estratégias ocidentais recebem um manto de respeitabilidade ao assegurar que a liderança nativa do Terceiro Mundo terá voz ativa. Contudo, a tomada de decisões e o planejamento de longo prazo mais importantes ainda são feitos do lado externo da situação.[51]
Esse tema do relacionamento entre as agências e as igrejas que elas ajudaram a fundar tem sido alvo de interesse desde os dias de Henry Venn. Mas para que descubra sua função futura, as agências precisam encontrar meios para facilitar um diálogo honesto, aberto e sem preconceitos com seus parceiros nos países em que trabalham. [52]
Esse diálogo precisa levar em consideração a mudança básica na natureza da igreja que destacamos na introdução — o fato de que a maioria dos cristãos vive hoje nos continentes do Sul e do Leste, não no lar ocidental das agências missionárias.
Hanciles destaca esse ponto: “há pouca dúvida de que o futuro do cristianismo global está agora inseparavelmente ligado a iniciativas e desenvolvimentos não ocidentais. Isso é aplicável supremamente ao empreendimento missionário”.[53]
À luz disso, Hanciles entende que há uma necessidade de tratar de algumas questões:
- A preponderância de conceitos americanos / ocidentais que dominam as abordagens missionárias. Entre elas estão as missões de curto prazo (“muitas das quais mal passam de turismo cristão com um toque de humanitarismo programado”) e expressões como “povos inalcançados” e “a janela 10/40” (“que refletem o mapeamento ocidental do mundo e ignoram o testemunho vivo de cristãos que residem em contextos não ocidentais”).
- A ação e o pensamento missionário ocidental refletem superdependência de recursos materiais e confundem medidas quantificáveis de crescimento ou desenvolvimento humano com sucesso missionário.
- Há uma necessidade de repensar nosso entendimento da missão cristã, mas as estruturas atuais podem estar cristalizadas demais para permitirem que se faça essa reflexão.
Hanciles conclui seu argumento:
O principal problema é que os missiólogos ocidentais estão presos a definições, modelos e instrumentos de medição associados a operações ocidentais que não se adaptam às novas iniciativas não ocidentais. Para os iniciantes, o termo “missionário” é em geral associado a “estruturas de comando e ida sendo comumente aplicado a pessoas “enviadas” por uma organização para um país estrangeiro (em geral fora do Ocidente). As iniciativas, movimentos e números envolvidos no movimento missionário não ocidental são de uma escala e magnitude que desafiam a análise estatística; e também não são dirigidas por cálculos orientados por resultados pelos quais o movimento missionário americano é notoriamente obcecado. Não é difícil encontrar as razões: as iniciativas não ocidentais estão desconectadas de estruturas de dominação e controle, são livres da desgraça do triunfalismo (e da agressão militante associada a ele), dependem menos de recursos e são menos orientadas por eles, bem como são desprovidas do entendimento territorial de missões. Mas esses desenvolvimentos indicam algo muito mais significativo. O novo “centro” é radicalmente diferente e o fato de não se avaliar esse fato empobrece nosso entendimento das suas profundas implicações históricas.[54]
O que Hanciles quer ressaltar é que a mudança no centro de gravidade da igreja não é só uma questão numérica, é também uma mudança conceitual e teológica e as agências missionárias precisam levar isso em conta.
4. Conclusão
As agências missionárias britânicas enfrentam um problema duplo: o declínio da igreja no Reino Unido está minando a base de apoio delas (numa época em que o número de agências ainda está crescendo) e a razão de ser delas é contestada pelo crescimento da igreja em todo o mundo.
Na maioria das vezes, as agências têm reagido às suas circunstâncias drasticamente alteradas realizando mudanças limitadas ou suplementares que não refletem a natureza copernicana da transformação da igreja mundial.[55]
Se é função das agências apoiar igrejas em sua missão, e elas não estão servindo às igrejas, então as agências já não têm função. Se as agências não conseguem se adaptar adequadamente a uma situação mutante, então deveriam ser fechadas.
Os planos futuros para as agências, quaisquer que sejam, devem ser direcionados para ajudá-las a apoiarem as igrejas em todo o mundo, não para a sobrevivência delas mesmas. Muito provavelmente, o número de agências missionárias no Reino Unido começará a declinar em poucos anos. Idealmente, isso deve ser feito de maneira inteligente, com o cuidado de preservar aquelas funções que apoiam a igreja. O temor é de que pressões financeiras ou de outra natureza façam com que as agências fechem sem que tenham oportunidade de cuidarem da continuação do que fazem bem.
Para encontrar sua função no futuro, as agências precisam estar em diálogo com igrejas nos seus países que enviam e também com igrejas nos países em que trabalham. É provável, porém, que igrejas em diferentes contextos tenham diferentes prioridades. Um exemplo simples disso diz respeito à colocação dos missionários. O Pacto de Lausanne indica que há situações em que missionários expatriados são mais um obstáculo que um auxílio para a missão local:
A redução de missionários estrangeiros e de dinheiro num país evangelizado algumas vezes talvez seja necessária para facilitar o crescimento da igreja nacional em autonomia, e para liberar recursos para áreas ainda não evangelizadas.[56]
A presença de missionários estrangeiros (e financiamento estrangeiro) pode sufocar o crescimento da igreja. Mesmo assim, uma “igreja que envia” pode ainda desejar enviar um missionário para essa situação. Pode ser que “sintam um chamado” para trabalhar num país específico, ou pode ser que sintam que, enviando missionários, isso ajude sua congregação a compreender as necessidades do mundo. Quaisquer que sejam as razões, há um conflito em potencial entre os interesses das igrejas que enviam e os das igrejas que recebem.
Equilibrar essas prioridades e concepções que competem entre si será uma preocupação importante para as agências missionárias no futuro. Isso não será fácil. Na sua maioria, as agências dependem das igrejas no Ocidente quanto a pessoal e finanças, mas como observou Hanciles, a maneira de as igrejas novas e crescentes do Sul entender missões pode ser bem diferente da das suas contrapartes ocidentais. É provável que seja extremamente difícil encontrar um meio de servir à igreja do hemisfério Sul, sem alienar as do Ocidente que fornecem os recursos. Ainda assim, as agências devem evitar, a todo custo, impor um programa ocidental a outras igrejas simplesmente porque o Ocidente dispõe de mais recursos financeiros.
Entretanto, embora represente um desafio significativo, isso também oferece a possibilidade de uma importante nova função para as agências missionárias: estimular o diálogo entre as igrejas do Ocidente e do restante do mundo.
O Concílio Mundial de Igrejas surgiu da Conferência Missionária de Edimburgo de 1910 e embora os evangélicos possam argumentar que o CMI perdeu o rumo teológico, é evidente que missões é um tema que pode servir para juntar cristãos e igrejas. Denominações internacionais como a Comunidade Anglicana, estão aptas a criar ligações entre igrejas e dioceses em todo o mundo. No entanto, as agências missionárias, com sua amplitude de afiliações eclesiásticas, estão em boa posição para facilitar um diálogo muito mais amplo do que o que pode ser alcançado dentro de uma estrutura denominacional. Isso não é uma sugestão de que se recrie um grande conselho ou organização nos moldes do CMI ou do Movimento de Lausanne, cujas estruturas já existem, ainda que se possa afirmar que têm pouco efeito no nível local.[57] Contudo, as agências, com seus contatos locais, terão uma função-chave no futuro, encontrando maneiras de realizar trocas, comunicação e missões compartilhadas entre igrejas em partes muito diferentes do mundo. MRT
Eddie Arthur trabalhou com a Associação Wycliffe de Tradutores da Bíblia por mais de trinta anos. Ele e sua esposa, Sue, fizeram parte da equipe de tradução na Costa do Marfim e Eddie esteve envolvido em várias funções de liderança e treinamento na África e no Reino Unido. Ele também apoiou a Global Connections, rede de igrejas e agências missionárias do Reino Unido. Eddie é consultor em tempo parcial e está estudando para obter PhD em Teologia e Estudos Religiosos na Leeds Trinity University. Tem um blog onde escreve regularmente sobre missiologia e tradução da Bíblia em www.kouya.net.
NOTAS
[1] Ralph D. Winter. “The Two Structures of God’s Redemptive Mission”, Missiology: An International Review 2, no. 1 (1974): 121-139.
[2] William Carey. An Enquiry Into the Obligations of Christians, to Use Means for the Conversion of the Heathens (Londres: Carey Kingsgate Press, 1961); http://www.wmcarey.edu/carey/enquiry/ anenquiry.pdf (acessado em 19/ jan/2017). Havia diversas estruturas missionárias protestantes anteriores a Carey, incluindo a Sociedade para Promoção do Conhecimento Cristão (SPCK, 1698) e a Sociedade Unida para Promoção do Evangelho (1701). Em 1649, o parlamento de Cromwell debateu sobre o estabelecimento de uma sociedade para apoiar a missão na América do Norte (J. Cox.. The British Missionary Enterprise since 1700 (Londres: Routledge, 2009), 8, 13). Havia também várias estruturas missionárias continentais, como Carey reconhece no seu Enquiry. Contudo, Carey forneceu tanto uma base teológica quanto uma estrutura pragmática que permitiu o florescimento do movimento missionário protestante.
[3] Global Connections. “List of Members”, Global Connections, http://www.globalconnections. org.uk/list-of-members/all (acessado em 25/jan/2017).
[4] Klaus Fiedler. The Story of Faith Missions (Oxford: Regnum, 1994), 11.
[5] D. W. Smith. Mission After Christendom (Londres: Darton, Longman and Todd, 2003), 25.
[6] D. J. Bosch. Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (Maryknoll, NY: Orbis, 1991), 330.
[7] Veja, por exemplo, P. G. Hiebert. “The Flaw of the Excluded Middle”, Missiology 10, no. 1 (1982): 35-47.
[8] Andrew F. Walls. The Cross-Cultural Process in Christian History: Studies in the Transmission and Appropriation of Faith (Maryknoll, NY: Orbis, 2002), 31.
[9] Peter Jenkins. The Next Christendom: The Coming of Global Christianity (Oxford: Oxford University Press, 2002), 2.
[10] Jenkins. The Next Christendom, 91.
[11] Matt Barnwell e Amy Iggulden.. “Religious belief ‘falling faster than church attendance’”, Daily Telegraph, 17 de agosto de 2005, http://www. telegraph.co.uk/news/uknews/1496384/ Religious-belief-falling-faster-than-churchattendance.html (acessado em 25/ jan/2017).
[12] Jonathan Petre. “Churches ‘on road to doom if trends continue’”, Daily Telegraph, 3 de setembro de 2005, http://www.telegraph.co.uk/news/ uknews/1497493/Churches-on-road-to-doom-iftrends-continue.html (acessado em 25/jan/2017).
[13] Lamin O. Sanneh. Whose Religion Is Christianity? The Gospel Beyond the West (Grand Rapids: Eerdmans, 2003), 15.
[14] Walls. The Cross-Cultural Process, 31.
[15] D. W. Smith. Against the Stream: Christianity and Mission in an Age of Globalization (Downers Grove: IVP, 2003), 19.
[16] Smith. Against the Stream, 23. Veja também, Jenkins. The Next Christendom, 107-108.
[17] Kirsteen Kim. Joining in with the Spirit: Connecting World Church and Local Mission (Londres: Epworth, 2009), 11.
[18] Smith. Mission after Christendom, 10.
[19] Steve Holmes. “‘A Love I seem to Lose with my Lost Saints’: Mission and Evangelical Identity”,http://steverholmes.org.uk/ blog/?p=7261 (acessado em 11/abr/2016).
[20] Paul Hildreth. “UK to Global Mission: What Is Really Going on? A Strategic Review for Global Connections”, Global Connections, http://www. globalconnections.org.uk/sites/newgc.localhost/ files/papers/GCSR2011%20Summary.pdf (acessado em 25/ jan/2017).
[21] Norman Lewis. The Missionaries: God against the Indians (Londres: Secker and Warburg e Nova York: McGraw-Hill, 1988). Veja também as reações ao meu artigo no The Guardian: http://www.theguardian.com/commentisfree/ belief/2011/dec/20/bible-translation-ivorianvillage?commentpage=9#start-of-comments (acessado em 25/jan/2017).
[22] “21st Century Evangelicals: A Snapshot”, Evangelical Alliance, http://www.eauk.org/ church/resources/snapshot/21st-centuryevangelicals.cfm (acessado em 25/jan/2017).
[23] Michael W. Goheen. Introducing Christian Mission Today: Scripture, History and Issues (Downers Grove: IVP Academic, 2014): 21.
[24] Timothy C. Tennent. Invitation to World Missions: A Trinitarian Missiology for the Twenty-First Century (Grand Rapids: Kregel, 2010), 42.
[25] Tennent. Invitation to World Missions, 42.
[26] Kirk J. Franklin. “A Paradigm for Global Mission Leadership: The Journey of the Wycliffe Global Alliance” (tese de PhD, University of Pretoria, 2016), 17-19; http:// repository.up.ac.za/dspace/bitstream/ handle/2263/53075/Franklin_Paradigm_2016. pdf?sequence=1&isAllowed=y (acessado em 19/jan/2017).
[27] “Global Christianity: A Report on the Size and Distribution of the World’s Christian Population”, Pew Research Center, 19 de dezembro de 2011, http://www.pewforum.org/2011/12/19/globalchristianity-exec/ (acessado em 25/jan/2017).
[28] John Stott. Pacto de Lausanne Comentado por John Stott. 2ª. ed. (São Paulo: ABU; Belo Horizonte: Visão Mundial, 2003).
[29] Hildreth. “UK to Global Mission”.
[30] Martin Lee. “Integral Mission: an Analysis”, ensaio apresentado no Conselho da Global Connections, Londres, 2015.
[31] Ted Ward. “Repositioning Mission Agencies for the Twenty-First Century”, International Bulletin of Missionary Research 23, no. 4 (out/1999): 146-153.
[32] David Devenish. What on Earth Is the Church for: A Blueprint for the Future of Church Based Mission and Social Action (Milton Keynes: Authentic Media, 2005).
[33] No entanto, enquanto houver alguns missionários ocidentais, ainda haverá lugar para alguns tipos de agências administrativas. Por exemplo, uma contribuição significativa das agências é em termos de “escala econômica”. Ao enviar sustento financeiro para grande número de missionários, elas são também capazes de se beneficiarem com taxas de câmbio e tarifas de transferências bancárias vantajosas. Não apenas isso, mas à medida que aumenta o controle governamental sobre transferências internacionais de fundos, as agências missionárias são capazes de lidar com a complexidade envolvida numa grande escala. As despesas gerais implicadas para uma igreja sustentar um missionário no estrangeiro são significativas e tendem a aumentar. Isso parece indicar que pode continuar a haver uma função para as agências no futuro, mesmo que o número delas fique reduzido.
[34] Smith. Mission After Christendom, 116.
[35] Kim. Joining in with the Spirit, 13.
[36] Hildreth. “UK to Global Mission”.
[37] Aspectos alternativos do ministério em diáspora podem ser vistos no trabalho da Associação Wycliffe de Tradutores da Bíblia no Reino Unido. A Wycliffe da Coreia enviou um casal à Inglaterra para recrutar coreanos como tradutores. Eles trabalham em meio às igrejas coreanas no Reino Unido com o objetivo de mobilizar pessoas para que se juntem à Wycliffe em alguma instância. A ideia é que os cristãos que viveram num ambiente transcultural estariam mais dispostos e preparados para trabalhar como missionários do que os que nunca deixaram sua cultura natal. Outra iniciativa envolve equipes britânicas de tradutores trabalhando com cristãos em diáspora para traduzir as Escrituras para comunidades linguísticas em regiões em que seria muito difícil fazer trabalhos de tradução e alfabetização. Entretanto, enquanto essas abordagens possam parecer radicais à primeira vista, na realidade estão simplesmente levando adiante o ministério tradicional da Wycliffe num ambiente levemente diferente.
[38] Harvey C. Kwiyani. Sent Forth (Maryknoll, NY: Orbis, 2014).
[39] Bryan Knell. The Heart of Church and Mission (Nürnberg: VTR, 2015).
[40] Hildreth. “UK to Global Mission.”
[41] Movimento de Lausanne, https://www.lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/pacto-de-lausanne-pt-br/pacto-de-lausanne (acessado em 19/ set/2017).
[42] Winter. “The Two Structures”, 121-139.
[43] Eckhard J. Schnable. Early Christian Mission, Vol. 2, Paul and the Early Church (Downers Grove: IVP
e Leicester: Apollos, 2004), 1578-9.
[44] Stephen Neill. Creative Tension (Londres: Edinburgh House, 1959), 82.
[45] J. Andrew Kirk. What Is Mission: Theological Explorations (Londres: Darton, Longman e
Todd, 1999), 199.
[46] Scott W. Sunquist. Understanding Christian Mission: Participation in Suffering and Glory (Grand
Rapids: Baker Academic, 2013), 81.
[47] Neill. Creative Tension, 84.
[48] Kirk. What Is Mission, 199.
[49] Veja Sunquist. Understanding Christian Mission, 7. A importância de um missionário ser enviado por uma igreja local levanta duas questões que não são centrais neste artigo, mas que merecem rápida menção. Primeiro, é obrigação das agências missionárias certificarem-se de que seus candidatos e funcionários estejam integrados numa igreja tanto no país de origem como, se as circunstâncias o permitirem, no campo. É fato, infelizmente, que muitos missionários têm várias igrejas mantenedoras das quais recebem apoio em dinheiro e em oração. Porém, as agências não deveriam aceitar candidatos que não são membros de uma igreja específica ou não prestam contas à liderança dessa igreja. Em alguns sentidos, a função da agência missionária é uma aglomeração das funções dos missionários que pertencem àquela agência e é vitalmente importante que haja linhas claras de comunicação entre as agências, seus missionários e as igrejas que comissionaram os missionários para o trabalho missionário específico.
A segunda questão é a duplicação. Há literalmente centenas de agências cristãs no Reino Unido, muitas das quais realizam trabalhos muito semelhantes em situações idênticas. Isso torna muito difícil para as igrejas saberem como sustentar melhor o trabalho que estão realizando ou fazer alguma contribuição significativa para elas.
[50] Num artigo inédito de 2010, Peter Broadbent, bispo de Willesden, identificou dentro do evangelicalismo britânico sete “tribos” distintas que ultrapassam fronteiras denominacionais.
[51] Kirk. What is Mission, 192.
[52] Raymond Porter. “Mission Impossible”, Commentary (dez/2015): 27-28.
[53] Jehu J. Hancile. Beyond Christendom (Maryknoll, NY: Orbis, 2008), 382.
[54] Hanciles. Beyond Christendom, 384.
[55] Uma agência que sofreu uma mudança importante é a Wycliffe Global Alliance (formalmente Wycliffe Bible Translators International). Nos anos 1990, as várias divisões internacionais dos Wycliffe Translators, que eram subsidiárias da Wycliffe EUA, tornaram-se instituições filantrópicas independentes dos seus países. Essas Organizações Wycliffe eram, na maioria, agências ocidentais que proviam finanças e pessoal para tradução da Bíblia em todo o mundo. Elas eram espelhadas por Organizações Nacionais de Tradução da Bíblia que recrutavam funcionários locais e recebiam expatriados e fundos das Organizações Wycliffe de todo o mundo. Ao longo dos últimos vinte anos, essa estrutura evoluiu de tal modo que a Wycliffe Global Alliance é agora “uma comunidade dinâmica interdependente de organizações, redes e movimentos diversos em vários estágios de desenvolvimento, reunidas por Deus como participantes do movimento de tradução da Bíblia”.
Kirk Franklin, CEO da Wycliffe Global Alliance, alista algumas das vantagens dessa transformação, que incluem: dar mais voz a vários parceiros no Sul Global (equilibrando a voz das organizações do Norte, mais maduras e influentes), reflexão missiológica intensificada e treinamento de líderes para a tarefa de tradução da Bíblia. Franklin. “A Paradign for Global Mission Leadership”, 65, http://www.repository.up.ac.za/bitstream/handle/2263/53075/Franklin_Paradigm_2016.pdf?sequence=1&isAllowed=y (acessado em 13/fev/2017).
A transformação que a Wycliffe Global Alliance sofreu é valiosa. Mas há pouca evidência de que as mudanças foram feitas em conjunção com a igreja ou para atender às necessidades dela. Internamente, a Wycliffe Global Alliance está evidentemente muito mais bem estruturada para o trabalho de tradução da Bíblia. Entretanto, não está claro que essa nova formação ajudará as organizações que a formam a apoiar a igreja em sua missão.
[56]John Stott. Pacto de Lausanne Comentado por John Stott. 2ª. ed. (São Paulo: ABU; Belo Horizonte: Visão Mundial, 2003)
[57] Daryll Jackson. “Love of God, Love of Neighbour”, em The Mission of God: Studies in Orthodox and Evangelical Mission, org. Mark Oxbrow e Tim Grass (Oxford: Regnum, 2015), 31.