Evangelização e cultura
por Vacilius Santos
Evangelização e cultura formam duas asas de um mesmo voo, e não se trata de uma asa espiritual e outra meramente humana. As duas são divinas e devem encontrar as suas respectivas e mais adequadas expressões humanas.
A humanidade não é algo a que devemos prontamente combater sob pretexto da espiritualidade e do divino, porque o próprio Jesus se deu como exemplo de quem assumiu a humanidade e as suas implicações.
“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens;” (Fp. 2:5-7)
A cultura é uma expressão da Criação em toda a sua criatividade. A Criação aconteceu num ato único de Deus como lemos nos dois primeiros capítulo do “Livro das Origens”. E vemos ali, que, depois dos seis dias e do sétimo de descanso, o DNA da Criação expandiu-se em criatividade, que nunca mais estancou.
As línguas, os povos, a culinária, a adaptação geográfica, enfim, há um constante criar e recriar a partir do potencial legado pela Criação.
“E o nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e órgão. E Zilá também deu à luz a Tubalcaim, mestre de toda a obra de cobre e ferro; e a irmã de Tubalcaim foi Noema.” (Gn. 4:21,22)
Há algo de divino nas culturas, há na cultura o gene da gênese, do gênesis de Deus.
Por outro lado, também sabemos que todas as coisas foram afetadas pelo pecado. E aí sim, devemos estar atentos para não submeter as Escrituras e a missão de Deus aos caprichos pecaminosos da cultura.
“Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens. Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens; como o lavar dos jarros e dos copos; e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas. E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição.” (Marcos 7:7-9)
Ainda por um outro lado, devemos transitar, cuidadosamente, de maneira que sejamos bons “camelões culturais” sem comprometer a essência do Evangelho, na prática da Evangelização.
“Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais. E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele.” (1 Co. 9:19-23)
Ou seja, tanto a evangelização como a cultura são bênçãos divinas com traços e expressões humanas. Aliás, o próprio Evangelho não escapa a esta conjugação e conjunção, porque Deus falou aos homens na linguagem dos homens.
Infelizmente, todavia, há uma tendência e um perigo jesuíta nas missões e nos missionários. Os jesuítas são exemplares na obediência ao chamado e até na renúncia, entretanto, eles desconsideraram a cultura que os recebeu.
Os jesuítas tinham uma postura elitizada e separatista. Não havia a postura de aprendiz da cultura. Não havia a postura de uma criança. Ou seja, quando desrespeitamos a cultura nós estamos desobedecendo o princípio de humildade do Evangelho, porque ele nos ensina a ser tais como as crianças, e também somos discípulos, aquele que aprende.
Os missionários, e todo aquele que evangeliza, precisam ter uma postura e uma atitude de quem está aberto a aprender, e assim virá a adaptação cultural e as oportunidades que daí advêm.
Aqui devemos discernir entre transculturalidade e supraculturalidade. Se a evangelização numa outra cultura é uma missão transcultural, a supraculturalidade do Evangelho não é por causa de nossa boa cultura para com uma cultura inferior, mas porque o Evangelho está acima da cultura, no sentido que haverá de moldá-la, para a glória Deus.~
Moldar-se que, aliás, haverá de acontecer somente quando houver aculturação – a fusão das culturas em pauta. A cultura do missionário na evangelização, a supracultura do Evangelho e a cultura do ouvinte.
Sendo assim, esperamos que as duas asas, da Evangelização e da Cultura, alimentadas pelo motor do Evangelho, que nortearam o grande missionário Paulo de Tarso, encontre em nós abrigo: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus.” (2 Coríntios 4:5)
por Vacilius Santos
Instagram: @vacilius.santos
Vacilius Santos é missionário da SEPAL em Portugal. Esposo de Mara Regina e pai de Thales, Jamily e Murilo. Ele é autor de vários livros, dentre eles TEOLOGIA DE MISSÕES e PORTUGAL NÃO É BRASIL. Atualmente é Diretor da Associação Evangélica Cascatas, uma casa de hospitalidade e cuidado integral inspirada em L´Abri, e serve como voluntário na área de mobilização para Despertamento Missionário (SIMPLY MOBILIZING) e mobilização para a Janela etária 4/14 (GLOBAL CHILDREN´S NETWORK).