O aquecimento global e a missão de Deus
A igreja deve reconhecer e incentivar o chamado missionário de cristãos envolvidos no uso apropriado dos recursos da terra
Fernanda Schimenes
No dia 18 de maio de 2022, foi divulgado um novo relatório das Nações Unidas sobre o clima no qual quatro indicadores-chave do avanço da mudança climática bateram novos recordes. As concentrações de gases causadores do efeito estufa, o aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e o aumento do calor (os últimos sete anos foram os mais quentes já registrados) alcançaram os níveis mais altos já vistos segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM) da ONU. A American Psychology Association (APA) já cunhou o termo eco-ansiedade, descrevendo-o como “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao se observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”.
A igreja em missão tem algo a fazer e a dizer diante de tais realidades? A resposta, sem dúvida, é: “Tem, sim, e muito!”. No Compromisso da Cidade do Cabo (2010), documento do Movimento de Lausanne, lemos:
A terra é criada, sustentada e redimida por Cristo. Não podemos dizer que amamos a Deus enquanto destruímos o que pertence a Cristo por direito de criação, redenção e herança. (…) O cuidado com a criação é, portanto, uma questão do evangelho dentro do Senhorio de Cristo.
Tal amor pela criação de Deus exige que nos arrependamos da nossa contribuição na destruição, no desperdício e na poluição dos recursos da terra e do nosso consentimento com a idolatria tóxica do consumismo. (…)
Incentivamos os cristãos em todo mundo a:
A) Adotar estilos de vida que renunciem hábitos de consumo destrutivos ou poluentes;
B) Exercer meios legítimos para persuadir os governos a colocar imperativos morais acima de interesses políticos em questões relacionadas à destruição ambiental e à mudança climática em potencial;
C) Reconhecer e incentivar o chamado missionário tanto de (i) cristãos envolvidos no uso apropriado dos recursos da terra para as necessidades humanas e o bem comum através da agricultura, indústria e medicina, como de (ii) cristãos que se dedicam à proteção e restauração dos habitats da terra e das espécies por meio da conservação e defesa. (Parte I.7.A)
A questão do aquecimento global tem sido tratada, nas últimas décadas, por líderes de diferentes religiões mundiais em escritos que reúnem crenças de seus sistemas religiosos a respeito do meio ambiente, bem como diretrizes para a relação do ser humano com os recursos naturais do planeta. Em 2015, ano em que aconteceu a COP-21 (21ª Conferência do Clima) em Paris, o Papa Francisco lançou em maio a “Carta Encíclica Laudato Si’: Sobre o cuidado da casa comum” e, em agosto do mesmo ano, líderes muçulmanos divulgaram a “Declaração Islâmica pelo Clima”. Em 2020, foi a vez de outro líder religioso, o Dalai Lama (budismo tibetano), escrever a respeito do assunto em carta intitulada ‘“Salve o meio ambiente!”: Um apelo do Dalai Lama para o mundo’, publicada por Dalai Lama no livro Our Only Home: A Climate Appeal to the World.
O teólogo católico Leonardo Boff, em seu livro Ecologia, Mundialização, Espiritualidade: A emergência de um novo paradigma (1993), afirma: “Na verdade, todas as religiões e, no nosso espaço hegemonizado pelo cristianismo, as Igrejas, devem dar a sua contribuição para a construção e educação de uma nova aliança do ser humano com a natureza.
Além dos escritos mencionados, é interessante notar que tanto cristãos como fieis de outros grupos religiosos têm se envolvido com projetos e organizações em prol de frear o aquecimento. A seguir há 4 exemplos.
- A Rocha Internacional, organização cristã evangélica internacional com base no Reino Unido que, “inspirada pelo amor de Deus, empenha-se na investigação científica, educação ambiental e projetos de conservação baseados na comunidade em mais de vinte países, em todos os continentes”. Infelizmente, A Rocha Brasil encerrou as atividades no País em 2020.
- O Movimento Católico Global pelo Clima (também chamado Movimento Laudato Si’), organizado em janeiro de 2015, “uma coalizão internacional de católicos de muitas nações, continentes e estilos de vida (…) unidos [pela] fé católica e trabalho em várias frentes e organizações em relação às mudanças climáticas”, mais especificamente o Catholic Carbon Footprint Program [Programa Católico de Rastro de Carbono], conhecido como Laudato Si’ Tracker [Ratreador Laudato Si’].
- Green Muslims [Muçulmanos Verdes], organização baseada em Washington DC que trabalha para conectar muçulmanos de todos os lugares à natureza e ao ativismo ambiental. Para tanto, organizam eventos educativos e conectam a comunidade muçulmana com organizações locais de ação climática.
- Monks Community Forest (MCF) [Floresta Comunitária dos Monges], uma área de cerca de 18 mil hectares de floresta no Cambodja cuja proteção está a cargo de monges budistas.
Após conhecer esses textos e iniciativas, temos de refletir: A igreja evangélica brasileira tem reconhecido e incentivado o chamado missionário de cristãos envolvidos no uso apropriado dos recursos da terra? E de cristãos que se dedicam à proteção e restauração dos habitats da terra e das espécies por meio da conservação e defesa?
Quer saber mais sobre o tema?
Leia o artigo “A natureza é nossa irmã”.
Aprofunde-se com os livros Jesus e a Terra – A ética ambiental nos Evangelhos e Assim na Terra Como no Céu – Experiências socioambientais na igreja local, ambos da Editora Ultimato.