O combate à desigualdade de gênero faz parte da missão de Deus?

Falta consenso em relação à igualdade entre homens e mulheres no meio eclesiástico

Fernanda Schimenes

Antes de entrar da discussão que o título deste post propõe, seguem 3 dados da realidade brasileira em relação à situação das mulheres.

  1. Brasil ocupa a 93ª posição entre 156 nações avaliadas em ranking global de igualdade de gênero (Fórum Econômico Mundial – WEF –, dados de 2020 divulgados em 31/3/21), sendo que o País caiu 26 posições em 15 anos.
  2. Mulheres ganham em média 20,5% menos que homens no Brasil (levantamento da consultoria IDados, com base em pesquisa do IBGE; os dados são de 2021 e há mais detalhes aqui).
  3. A política é uma das áreas em que a representatividade feminina ainda é muito pequena. Dos 24 ministros do governo atual, apenas 3 são mulheres. O voto feminino, bem como o direto a ocupar cargos no executivo e no legislativo, foi um direito conquistado em 1932. Hoje, inclusive, uma lei de 1997 determina um mínimo de 30% para candidaturas de mulheres por cada partido ou coligação como uma das formas de corrigir tal distorção histórica.

Ainda que para muitas instituições internacionais não religiosas a luta contra a desigualdade de gênero esteja diretamente relacionada com os direitos humanos universais, em muitos contextos religiosos, incluindo o contexto cristão evangélico, não há consenso em relação à igualdade entre homens e mulheres, principalmente em termos do papel da mulher no ambiente eclesiástico. “Alguns interpretam o ensino apostólico de modo a inferir que mulheres não devem ensinar nem pregar, ou que podem fazê-lo, mas não como autoridade única sobre homens”, como explica o Compromisso da Cidade do Cabo (CCC) II-F-3, documento gerado no Congresso Lausanne de Evangelização Mundial em 2010.

Quanto a isso, o CCC, ao mesmo tempo que convida “aqueles que estão em lados opostos [visões complementarista e igualitarista] nesta discussão a aceitar um ao outro sem condenação”, afirma que “mulheres e homens são iguais na criação, no pecado, na salvação e no Espírito”, e encoraja “as igrejas a reconhecer as mulheres reverentes que ensinam e são exemplos do que é bom, como Paulo ordenou, e a abrir portas mais largas de oportunidades para mulheres na educação, no serviço e na liderança, principalmente em contextos onde o evangelho desafia tradições culturais injustas”.

Missiólogos como Chris Wright afirmam que a transformação das estruturas injustas da sociedade faz parte do escopo missão de Deus, como lemos em seu artigo “As cinco marcas da missão”, disponível aqui. Dessa forma, se a desigualdade de gênero é uma tradição cultural injusta, combatê-la faria parte da missão de Deus. Mas qual tem sido a resposta da igreja evangélica brasileira?

Segundo a jornalista e escritora Marília de Camargo César, no meio cristão, a situação da mulher é ainda mais delicada. No livro que lançou em 2021, O Grito de Eva (Ed. Thomas Nelson Brasil), ela expõe o papel da igreja na perpetuação da subjugação feminina. A obra dá voz a mulheres vítimas de violência doméstica que, ao buscarem ajuda em suas comunidades de fé, são aconselhadas a ser pacientes, orar e voltar para o marido agressor. Para Sandra Duarte de Souza, doutora em Ciências da Religião (Universidade Metodista de São Paulo) e pós-doutora em História Cultural (Unicamp), a igreja, ao invés de calar as mulheres, precisa amplificar suas vozes. “Precisa dar voz à sua experiência cotidiana de exclusão, de silenciamento e de subordinação, atuando profeticamente na denúncia de tal situação.”

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