O olhar de um teólogo europeu sobre o secularismo no Velho Continente

Em Gales, há um plano para a plantação de 40 novas igrejas evangélicas em 10 anos

Enquanto no mundo, de forma geral, o secularismo está em declínio, Europa e América do Norte apresentam tendência oposta. Segundo o teólogo e historiador Lindsay Brown, é necessário retroceder até o Iluminismo, no século 18, para entender o que houve com o cristianismo na Europa, mas ele primeiro destaca algumas boas iniciativas da igreja evangélica para um reavivamento no Velho Continente.

Natural do País de Gales, no Reino Unido, de onde concedeu a entrevista a seguir para o Martureo, Lindsay Brown esteve envolvido por 40 anos com o ministério estudantil, tendo deixado o cargo de Diretor do FEUER (the Fellowship of Evangelists in the Universities of Europe) recentemente. Formado em História Moderna Europeia (Oxford) e em Teologia (Paris), ele também serviu como Secretário Geral da IFES (International Fellowship of Evangelical Students) por 16 anos (1991–2007) e como Diretor Internacional do Movimento de Lausanne de 2008–17.

Martureo – Qual o retrato da igreja hoje na Europa?

Lindsay Brown (LB) – Assim como acontece em outras partes do mundo, não se pode fazer uma descrição única como sendo a geral. É comum ler ou ouvir frases tais como “A igreja na Europa está morrendo” ou “O cristianismo na Europa é nominal”. Prefiro começar falando de algo bom que está acontecendo aqui no País de Gales, onde moro, por exemplo. Há um esforço da igreja evangélica envolvendo diferentes denominações para um reavivamento. Além de semanas evangelísticas com foco na nova geração, há um plano de 10 anos por meio do qual 40 novas igrejas devem ser plantadas em Gales. Falo de comunidades centradas na Bíblia, multiculturais, frutíferas. Para tanto, quatro novos cristãos com perfil de evangelista, homens e mulheres, são recrutados e treinados a cada ano, e essas pessoas continuam recebendo apoio e supervisão, não seguem de forma independente após a igreja ser iniciada. Esse esforço não está vinculado aos movimentos estudantis em universidades, é uma ação da igreja evangélica em Gales. Em termos mais abrangentes, outro bom exemplo a ser citado é o movimento Revive Europe, liderado pela brasileira Sarah Breuel, iniciativa ligada à IFES. Na Inglaterra, apesar de o número de evangélicos estar diminuindo, em Londres, ele está aumentando. A Albânia e a Polônia são outro dentre os 50 países da Europa em que o número de evangélicos está em ascensão. A França também apresenta crescimento do número de evangélicos, eles somavam 50 mil fiéis em 1950 e hoje são cerca de 650 mil. Ali também cresce o número de católicos carismáticos. Mas, claro, temos nossos pontos fracos.

Martureo – Quais seriam eles?

LB – Precisamos retroceder cerca de 250 anos para entender o que houve com o cristianismo na Europa. Desde o século 18, foram várias influências, várias ondas de ideias, que contribuíram para o atual cenário. O Iluminismo, com pensadores como Voltaire e Rousseau, foi uma delas. Deus sai do centro e o homem vai para o centro, há uma negação do sobrenatural e um apego à razão. Com isso, entra em cena o liberalismo teológico questionando a autoridade da Bíblia; e a essência do evangelho, Cristo, Deus encarnado que morreu e ressuscitou, se perde. O afastamento da centralidade de Jesus em meio ao fenômeno da globalização contribui para o pluralismo religioso, que não permite afirmar Cristo como o único caminho, mas como um dos possíveis caminhos. Se analisarmos o fenômeno dos Beatles na década de 60, por exemplo, vemos a influência do pluralismo e do relativismo na cultura de maneira muito clara. Além disso, modelos econômicos impulsionam o consumismo desenfreado, criando um novo ídolo. O resultado de tudo isso? O secularismo ganhou e continua ganhando terreno na Europa. (Veja aqui dados sobre o secularismo na Europa). Mas, como disse, há boas coisas acontecendo também.

Martureo – Uma reaproximação da igreja evangélica reformada com a igreja católica romana na Europa seria uma boa estratégia para reverter esse quadro?

LB – Diria que pode haver uma coberigerância, mas há questões essenciais em relação à pregação do evangelho, principalmente quanto à justificação pela fé e à salvação pela graça, que não podem ser negligenciadas. Contudo, o que é mais importante? A pregação ou a ação? Ambas são igualmente importantes. A exemplo de uma carroça puxada por dois cavalos que fica totalmente desbalanceada quando um deles se sobressai, a igreja evangélica deve estar tão atenta à pregação biblicamente centrada do evangelho quanto a exercer influência em todas as esferas da sociedade. Ronald J. Sider (nascido em 1939) foi um dos teólogos cristãos que mais escreveram sobre isso. Se olharmos para questões essenciais de nosso mundo que precisam ser tratadas pela igreja com o olhar de Cristo, a igreja evangélica europeia tem muito o que aprender com a tradição católica. Refiro-me à igreja evangélica se envolver efetivamente com o alívio da pobreza, o cuidado do meio ambiente, o combate à corrupção, o acolhimento dos imigrantes, o cuidado com os vulneráveis e excluídos. Não se trata de militar em torno de uma pauta restrita à pena capital, aborto e modelo familiar, o que vemos muito nos Estados Unidos por meio do Partido Republicano, que publicamente se declara como evangélico. A igreja evangélica no Ocidente, de forma geral, perdeu o balanço da carroça. Tenho observado na China bons exemplos de uma harmonia entre pregação biblicamente centrada e ação transformadora na sociedade. Temos de cuidar para não cairmos na armadilha de responder ao secularismo, ao pluralismo, ao relativismo e a tantas outras correntes apenas com boa argumentação teológica.

Martureo – A Europa é campo missionário?

LB – Sem dúvida, sim. Parte do reavivamento que estamos experimentando tem a ver com imigrantes cristãos que vieram para cá, inclusive. No plano que mencionei para plantação de igrejas no País de Gales, pessoas de diferentes contextos e lugares são bem-vindas.

Martureo – No que se refere à tarefa global, a igreja evangélica do Sul global teria algo para ensinar à igreja na Europa?

LB – Certamente. Apesar de não conhecer profundamente a igreja do Sul global e saber que, como na Europa, não podemos descrevê-la de forma única, vejo como principal ensinamento a fé no sobrenatural, a consciência do poder do Espírito Santo de Deus atuando.

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