Antropólogos e missionários: cooperadores ou competidores?

Antropologia e religião estão em oposição?

André Oliveira de Souza

É sabido que há certa rixa entre alguns antropólogos e missionários protestantes. E isso não é de hoje. Malinowski, na introdução de seu livro os Argonautas do Pacífico Ocidental, já sinalizava isso: “[…] os poucos missionários inteligentes e de mentalidade aberta aos quais a etnografia deve tanto superam em plasticidade e vivacidade a maioria dos relatos estritamente científicos”.[1]

Se, por um lado, Malinowski reconhece certa dívida da Antropologia para com os missionários, por outro, afirma que somente poucos missionários (os por ele considerados inteligentes) contribuíram de fato para aumentar o conhecimento antropológico. Se poucos ou não, não entrarei no mérito. Muitas análises e artigos já trataram disso. Pretendo apenas, nas poucas linhas a seguir, tentar desmistificar alguns prejulgamentos. Em geral, do ponto de vista empírico, a discussão gira em torno da ciência antropológica e da religião cristã. Resumindo: antropologia e religião estariam em oposição.

Da perspectiva de alguns antropólogos, os missionários seriam proselitistas e colonialistas. Da perspectiva de alguns (vários) missionários, os antropólogos seriam academicistas, ou seja, conhecem pouco da realidade cultural e linguística na prática. Como antropólogo por formação e missionário tanto por formação quanto por vivência, posso dizer que me enquadro em ambos os grupos, o que permitiu que eu percebesse, empiricamente, dois aspectos dessa dicotomia. Grosso modo, podemos afirmar que:

  1. Antropólogos têm conhecimento teórico e metodológico de causar inveja em muitos missionários, e, em geral, sistematizam muito bem tal conhecimento.
  2. Missionários carecem de conhecimento antropológico (teórico e metodológico), porém têm conhecimento prático, cultural e linguístico de causar inveja em muitos antropólogos.

Dito isso, a meu ver, a rixa entre antropólogos e missionários não está relacionada com ciência versus religião, seria mais um problema de concorrência no campo do saber. Sugiro, então, que o diálogo e a compreensão do papel (e das competências) de um e de outro tomem o lugar desse mal-estar histórico. Se antropólogos e missionários conseguirem unir conhecimentos teórico e prático, certamente ambos sairão ganhando. Os mais beneficiados, contudo, serão os povos com os quais ambos estão envolvidos e por quem tanto se esforçam para conhecer (e, assim, poder cooperar com eles!).

 

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Sobre o autor
Pastor e professor, André Oliveira de Souza atuou na Missão Evangélica da Amazônia (Meva) por cerca de 20 anos. É formado em Antropologia e Mestre em Sociedade e Fronteiras pela Universidade Federal de Roraima.

 

[1] MALINOWSKI, B. Os argonautas do Pacífico. São Paulo: UBU Editora, 2018, p. 24.

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