Termos para distinguir blocos culturais

Nomenclaturas utilizadas na missiologia: o que significam e quais as mais adequadas?

Felipe Fulanetto

Nenhum idioma é estático, não importa quão antigo ou novo ele seja. Ele vai se adaptando às necessidades da sociedade, sendo a expressão de uma época. A conceituação de palavras vai muito além da etimologia – engloba questões culturais, sociológicas, linguísticas e temporais. No âmbito missiológico não é diferente. Há muitos termos e nomenclaturas – ocidental, AfAsAL, mundo majoritário, Sul global etc. – para distinguir blocos culturais em pesquisas, relatórios, artigos, livros, materiais para mobilização, estudos antropológicos… O que eles significam e quais são os mais adequados para este tempo?

Ocidental

É um termo repleto de controvérsias e más interpretações. Muitos brasileiros definem-se como ocidentais pelo fato de o país estar localizado geograficamente a oeste do meridiano de Greenwich, isto é, no lado ocidental do globo terrestre. Entretanto, em termos linguísticos, o conceito do que é (ou não) “ocidental” não está vinculado à geografia, mas a aspectos culturais e econômicos. A origem dessa interpretação vem da divisão do Império Romano em duas partes – do Ocidente, com a capital em Roma; e do Oriente, com sede em Constantinopla. Assim como na época da cisão do império, a influência cultural, religiosa e política define “o lado”. Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, países localizados no extremo leste do mapa, são considerados ocidentais. Já nações como México, Guatemala, Chile e Brasil, situadas no lado oposto, não o são na visão de europeus e norte-americanos.

Podemos, então, tomar por base a seguinte definição de ocidental: designação de um povo e/ou país com desenvolvimento econômico, política democrática e cultura de base europeia, termo comumente atribuído às nações europeias, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Por isso, quando lemos um material missiológico/teológico, devemos nos atentar à origem do autor: de acordo com ela, a definição do que é ocidental pode mudar drasticamente. Missiólogos como David Bosch, Lesslie Newbigin e Michael Goheen levam em conta uma definição de ocidente diminuta. Autores como Samuel Escobar, René Padilla e Roberto Zwetsch, por sua vez, têm uma leitura da missiologia pela ótica latino-americana.

Vale mencionar também o termo “ocidentalização” – processo pelo qual pessoas ou instituições de países não ocidentais passam ao sofrer influência cultural ocidental. Ashish Chrispal fala sobre isso em um artigo que escreveu disponível aqui.

Blocos culturais

Dividir/classificar povos, além de um trabalho hercúleo, gera muitas discordâncias. O Martureo lançou, inclusive, uma série de artigos sobre a estratégia missiológica baseada em ‘Grupos Culturais Homogêneos’. Len Batlotti, em artigo disponível aqui, afirma que devemos repaginar e repensar tal estratégia à luz das realidades do século 21. Mas o foco aqui é tratar das nomenclaturas utilizadas na missiologia, não discutir a estratégia.

Levantamentos apontam por volta de 7 mil línguas faladas em 13 mil grupos etnolinguísticos existentes no mundo, e é comum vermos esses grupos reunidos em blocos. Patrick Johnstone, em seu livro O futuro da igreja global: história, tendências e possibilidades (Editora Cultura Cristã, 2017), define blocos culturais da seguinte forma: “Ampla gama de grupos étnicos que têm em comum o fato de que foram moldados (…) por alguns ou todos os seguintes fatores: geografia, língua, cultura, história e religião. Ele distingue 15 blocos no mundo com base em afinidades: 1) mundo árabe, 2) povos da Ásia oriental, 3) povos eurasiáticos; 4) povos do Chifre da África; 5) povos medo-persas; 6) judeus; 7) latino-americanos/caribenhos, 8) povos malaios 9) povos norte-americanos; 10) ilhéus do Pacífico; 11) povos do sul da Ásia; 12) povos do sudeste da Ásia; 13) povos africanos subsaarianos, 14) povos tibetanos-himalaianos, 15) povos túrquicos. De forma simplificada, poderíamos apontar cinco:

  1. Africanos;
  2. Árabes;
  3. Asiáticos;
  4. Latino-americanos;

Vale a ressalva que tal divisão não é absoluta. Quando falamos em árabes, por exemplo, temos árabes (da perspectiva cultural e religiosa) que também são africanos geograficamente. Assim como há africanos (da perspectiva geográfica e cultural, especialmente da África subsaariana) que também se consideram árabes (da perspectiva linguística e religiosa).

A seguir trataremos especificamente de termos usados para se referir à junção de todos os blocos culturais não ocidentais.

Terceiro mundo e países em desenvolvimento

Em 1952, o francês Alfred Sauvy publicou o texto “Três mundos, um planeta”, no qual cunhou os termos:

  • primeiro mundo, que inclui os EUA e seus aliados, como os países da Europa ocidental;
  • segundo mundo, formado pelo bloco comunista: ex-União Soviética e seus aliados, como China e Cuba;
  • e terceiro mundo, formado pelas nações neutras, que não se alinharam a nenhum dos dois

Veja a figura a seguir.

Azul – Primeiro mundo: EUA e seus aliados; Vermelho – Segundo mundo: União Soviética e seus aliados; Verde – Terceiro mundo: países não alinhados e neutros

 

Com o tempo, a expressão “terceiro mundo” deixou de lado a questão ideológica e focou a questão socioeconômica – países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) –, ganhando variações tais como “países em desenvolvimento”, “periféricos”, “menos desenvolvidos” ou “subdesenvolvidos”.

Com o fim da Guerra Fria e o desmembramento da União Soviética, o uso dessas nomenclaturas tornou-se obsoleto. Além disso, tanto o termo “terceiro mundo” como “em desenvolvimento” e suas variações têm forte carga pejorativa. Assim, a partir da década de 1990, tais expressões começaram a ser abolidas da literatura missiológica e geral.

Não ocidentais

Uma terceira forma de referenciar o bloco que reúne os países africanos, árabes, asiáticos e latino-americanos seria “não ocidentais”. O termo é simples, mas definir esses vários blocos culturais a partir da negação de outro termo pressupõe um olhar etnocêntrico, que assume os países ocidentais como ponto de referência. É preciso usar o termo com moderação.

Sul global

A designação “Sul global” (ou, em alguns casos, apenas “o Sul”) reúne os aspectos  geográfico e econômico, e exclui a referência pejorativa dos termos sinônimos “terceiro mundo” e “países em desenvolvimento”. Remete à divisão internacional surgida após a Guerra Fria, em que o mundo não mais seria dividido em Leste (comunistas) e Oeste (capitalistas), mas em Norte (países industrializados no século 19) e Sul (países em desenvolvimento, ex-colônias, de industrialização tardia).

No entanto, essa terminologia não é precisa – o acréscimo do adjetivo “global” tenta contornar o problema. A China, considerada um país do Sul global, não está no hemisfério sul; Austrália e Nova Zelândia, países ocidentais, estão (geograficamente falando). A despeito disso, o Movimento de Lausanne, o Center for the Study in Global Christianity e a ONU usam essa nomenclatura para agrupar todas as nações fora do eixo ocidental.

AfAsAL e EuANPa

Johnstone, na obra dele já citada, propõe os termos AfAsAL (primeiras letras de África, Ásia e América Latina) e EuANPa (Europa, América do Norte e Pacífico) como alternativas. Além da orientação geográfica, ele também leva em conta o histórico recente de missões: EuANPa são as antigas nações enviadoras de missionários e AfAsAL, as novas. No entanto, apesar de seu esforço, por serem confusas fonética e linguisticamente, as terminologias não foram bem aceitas na academia.

Dois terços do mundo e mundo majoritário

Essas duas terminologias são mais recentes e seguem a premissa demográfica da população global (independente do grupo religioso). A população dos blocos culturais não ocidentais representa cerca de 70% da população mundial, daí as expressões “dois terços do mundo” e “mundo majoritário”. Há quem use o termo “mundo minoritário” para designar os países ocidentais, inclusive. Esses termos têm sido usados pelo Movimento de Lausanne e pela Evangelical Missiological Society (EMS).

De forma resumida, então, há quatro métodos distintos para agrupar as nações dos blocos de países africanos, árabes, asiáticos e latino-americanos:

  • Econômico – terceiro mundo e países em desenvolvimento;
  • Contraposição – não ocidentais;
  • Geográfico – Sul global e AfAsAL;
  • Demográfico – Dois terços do mundo e mundo majoritário.

A escolha de qual termo será utilizado nas publicações missiológicas não muda o foco: espalhar o evangelho entre todos os povos.

 

Sobre o autor

Felipe Fulanetto, pastor e missionário da Igreja do Nazareno, é membro dos departamentos de Pesquisa e Educação Missiológica da AMTB – Associação de Missões Transculturais Brasileiras.

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