Os movimentos de plantação de igrejas ou de fazedores de discípulos (CPM e DMM)

Protagonismo do Espírito, só a Bíblia, operação autóctone e multiplicação rápida são alguns dos fundamentos

Fernanda Schimenes

O Martureo tem publicado neste ano conteúdos sobre a missiologia baseada no conceito de ‘Grupos Culturais Homogêneos’ – alguns deles estão disponíveis aqui –, principalmente questionando se essa abordagem, que surgiu há mais de quarenta anos, ainda é relevante hoje. Outro texto interessante que trata do tema é o do blogpost “O que quer dizer todas as nações – panta ta ethne?”, uma exegese de Mateus 28.16-20.

Falar sobre ‘Grupos Culturais Homogêneos’ leva-nos a falar, também, de Church Planting Movements (CPM) [Movimentos de Plantação de Igrejas], uma vez que eles surgiram com o objetivo de levar o evangelho aos ‘Grupos Culturais Homogêneos’ não alcançados (ou, como se costuma ouvir entre muitos missiólogos, apenas Povos Não Alcançados – PNA). Alguns interpretam que, dessa forma, estariam finalizando a “tarefa inacabada” com vistas a abreviar a segunda vinda de Cristo conforme Mateus 24.14: “As boas-novas a respeito do reino serão anunciadas em todo o mundo, para que todas as nações as ouçam; então, virá o fim”.

Não se sabe ao certo como o termo CPM surgiu. O conceito, contudo, segundo os que integram os movimentos, é bíblico. Em Atos 19.10, lemos: “Isso [no caso, discípulos fazendo discípulos, igrejas plantando igrejas] continuou durante os dois anos seguintes, e gente de toda a província da Ásia, tanto judeus como gregos, ouviu a palavra do Senhor”. Os movimentos teriam persistido ao longo dos séculos de história do cristianismo, contudo, nos últimos 100 anos, houve uma estagnação no crescimento do número de cristãos, ou melhor, no percentual do número de cristãos em relação à população global – em média, uma em cada três pessoas declara-se cristã no mundo há um século. Roland Allen, missionário anglicano, em 1927, falou de igrejas se multiplicando exponencialmente em todo o mundo em seu livro The Spontaneous Expansion of the Church [A Expansão Espontânea da Igreja]; e Donald McGavran, em 1954, descreveu como tal movimento ocorreria em seu livro Bridges os God [Pontes de Deus]. Uma geração mais tarde, vemos os Movimentos de Plantação de Igrejas ganharem força.

Uma definição simples dos CPM é a de David Garrison em seu livro Church Planting Movements: How God Is Redeeming a Lost World [Movimentos de Plantação de Igrejas: Como Deus está Redimindo um Mundo Perdido]: “Uma rápida e exponencial multiplicação de igrejas nativas plantando igrejas que se espalham por um grupo de pessoas ou segmento populacional”.

Terminologias

Antes de prosseguir, é importante colocar o leitor a par de alguns expressões. Para os não iniciados no tema, não bastassem as siglas PNA (em inglês, UPG: Unreached People Group) e CPM já citadas, há ainda algumas outras muito utilizadas quando se aborda esse assunto: DMM, T4T, DBS… Todas elas são de expressões em inglês. Calma que lá vêm as explicações e traduções!

  • Disciple Making Movements (DMM) [Movimentos de Fazedores de Discípulos] e Church Planting Movements (CPM) seriam, para alguns, terminologias intercambiáveis. Os mais criteriosos podem dizer que a ênfase dos DMM está em discípulos fazendo discípulos, enquanto a dos CPM, em igrejas plantando igrejas, mas os fundamentos de ambos os movimentos são os mesmos. Já outros afirmam que DMM seria uma das abordagens de CPM.
  • T4T, por sua vez, significa Training for Trainers [Treinamento para Treinadores], e é uma das abordagens de CPM, bem como Four Fields Training, NoPlaceLeft, Beyond Discipleship, Zume, entre outras. “Pode-se dizer que são movimentos dos movimentos”, explica André Dickson, jovem brasileiro fazedor de discípulos.
  • DBS é o anacrônimo de Discovery Bible Study [Estudo de Descoberta da Bíblia], metodologia que, como explicaremos adiante, é adotada, com algumas variações, pelos CPM.
  • Por fim, neste tópico, não podem ficar de fora as expressões Kingdom Movements [Movimentos do Reino], Church Growth Movements [Movimentos de Crescimento da Igreja] e Movements to Christ [Movimentos para Cristo]. “Essas terminologias são mais abrangentes, referem-se a todos os movimentos de crescimento da igreja ou de fazedores de discípulos de forma geral”, diz Dickson.

Protagonismo do Espírito, só a Bíblia, operação autóctone, multiplicação rápida

Nas décadas de 1980 e 1990, tendo em vista que muitos grupos etnolinguísticos mapeados ainda não haviam tido nenhum contato com o evangelho e que, para muitos desses grupos, era (e ainda é) proibido falar a respeito de Jesus, cristãos (não por meio de nenhuma denominação) começaram a orar para que o Espírito preparasse de antemão pessoas nesses lugares – principalmente na Ásia e no norte da África – para se abrir ao evangelho. Algo como o que aconteceu com Cornélio em Atos 10. DMM e CPM chamam-nas de “pessoas de paz”.

Fazedores de discípulos (ou plantadores de igrejas), então, também guiados pelo Espírito Santo de Deus, vão ao encontro dessas “pessoas de paz” em determinado lugar e, simplesmente, fazem a elas o convite para descobrir quem é Deus nas Escrituras. A Bíblia é (ou deveria ser) a única e suficiente fonte para os DMM e CPM – não há declarações de fé, doutrinas, manuais, concílios, livros etc.

Os encontros para estudo da Bíblia acontecem, em geral, em casas, mas podem ser em um café ou até debaixo de uma árvore, dependendo do contexto. O papel do fazedor de discípulos, no caso, é apenas o de facilitar as descobertas na Bíblia, não o de apresentar algum tipo exposição ou estudo. Para tanto, lançam mão da metodologia DBS (ou de alguma similar) já citada, por meio da qual:

  1. Há a leitura de uma passagem da Bíblia a ser estuda (em geral mais de uma vez).
  2. As pessoas são encorajadas a recontar a história com suas próprias palavras.
  3. São colocadas as seguintes questões:
    • O que essa história me ensina sobre Deus?
    • O que essa história me ensina sobre as pessoas (ou sobre mim mesmo)?
    • Se essa é a palavra de Deus para minha vida, como vou obedecê-la?
    • Para quem vou falar disso?

Alguns chamam esses grupos de igrejas domésticas, outros, de grupos de discipulado ou de estudo. O nome não importa muito para os CPM, mas sim que os grupos se multipliquem rapidamente e comecem outros grupos – a ênfase não está em formar uma grande igreja centralizada nos moldes de muitas denominações tradicionais. Uma primeira geração de discípulos inicia uma segunda, que inicia uma terceira e assim por diante. Em geral, um grupo de discípulos gera mais de um outro grupo.

David Watson, no livro Contagious Disciple Making: Leading Others on a Journey of Discovery, afirma:

Para ver um CPM, a capacitação da liderança é fundamental. Nossa definição de liderança inclui a reprodução de líderes. Um líder faz mais líderes regularmente e…

Para ver um CPM, o discipulado baseado na obediência de todas as pessoas é essencial. Nossa definição de discípulo inclui obediência a Jesus e a reprodução dos discípulos. Um discípulo obediente faz mais discípulos regularmente e…

Para ver um CPM, grupos de estudo/história da Bíblia reproduzem-se regularmente e…

Para ver um CPM, as igrejas se reproduzem regularmente e…

Para ver um CPM, os membros da igreja estão ministrando às suas comunidades, e o reino de Deus está se expandindo de indivíduo para indivíduo, família para família, comunidade para comunidade, cidade para cidade e nação para nação.

Stan Parks, por sua vez, no livro 24:14 – A Testimony to All Peoples [24:14 – Um Testemunho a Todas as Pessoas], apresenta algumas características dos CPM, dentre as quais:

  • Consciência de que somente Deus pode iniciar um movimento. Ao mesmo tempo, os discípulos podem seguir os princípios bíblicos para orar, plantar e regar as sementes que podem levar a um movimento semelhando ao do livro de Atos.
  • Todo seguidor de Cristo é encorajado a ser um discípulo que se reproduz, não apenas um convertido.
  • Cada discípulo está apto para a maturidade espiritual. Isso inclui se preparar para interpretar e aplicar as Escrituras, uma vida de oração completa, viver como parte do corpo maior de Cristo e responder bem à perseguição/sofrimento. Isso permite que os crentes funcionem não apenas como consumidores, mas como agentes ativos (…).
  • A reprodução de igrejas faz parte do processo de multiplicação de discípulos. Um CPM visa que 1) discípulos, 2) igrejas, 3) líderes e 4) movimentos se multipliquem infinitamente pelo poder do Espírito.
  • Os líderes avaliam e fazem mudanças radicais conforme necessário para crescer. Eles se certificam de que cada elemento de caráter, conhecimento, habilidades de fazer discípulos e habilidades relacionais seja 1) bíblico e 2) possa ser seguido por outras gerações de discípulos. Isso requer manter todas as coisas muito simples.

A intenção deste texto não é fazer uma análise crítica dos CPM ou DMM, apenas aprensentá-los à igreja brasileira. Segundo o pesquisador Justin D. Long, há hoje pelo menos 1.369 movimentos ativos no mundo. Eles incluem pelo menos 77 milhões de discípulos em 4,8 milhões de igrejas.

O artigo “1% do mundo: uma macroanálise de 1.369 movimentos para Cristo” pode ser acessado aqui.

Compartilhe!
0
    0
    Seu carrinho
    Seu carrinho está vazioVoltar para as compras